Maria e a mãe adotiva, Isabel, se conheceram há pouco mais de um ano. Maria vivia em uma casa lar de Caxias do Sul desde 2014.
– Teve um dia que ela me falou uma coisa que me chamou muito a atenção. A gente não estava conversando sobre assunto nenhum e ela falou assim: "Eu não quero morar na rua". Eu já observava que ela era muito parecida com a gente, calma, meiga, quietinha... e acho que aquela palavrinha dela foi a que me fisgou, sabe? – lembra Isabel.
A preocupação de Maria era porque ela já tinha completado 18 anos e mesmo se encaixando nas situações excepcionais, a Justiça permite prolongar a permanência no sistema de acolhimento até, no máximo, os 21 anos.
– Quando eu ia fazer 18 anos, eu pensava: "Eu não quero parar na rua". Tinha muito medo – conta Maria.
Aí, foi uma questão de tempo. Isabel conversou com os filhos, que, de pronto, apoiaram a ideia da adoção.
– Sempre tive a intenção de adotar, mas pensava em um pequeno, porque temos aquela impressão de que vai ficar mais tempo com a gente. Mas é a mesma coisa (o adolescente). O amor é o mesmo. Ela passou a me contar o passado dela, o sofrimento. As vezes, o que o ser humano quer é amor, carinho, uma família – diz Isabel.
Maria começou a frequentar a casa de Isabel aos finais de semana e o processo se deu de forma rápida, já que a destituição do poder familiar da adolescente estava concluída.
Ela tinha tinha 14 anos quando foi retirada da família de origem devido aos abusos que sofria do pai e de parentes. Diagnosticada com doença mental, ela entrou para um sistema que acolhe, cuida, mas no qual a chance de adoção é muito pequena. Apenas 47,7 % dos pretendentes a adoção aceitam crianças e adolescentes com algum tipo de doença. Para o caso da Maria, que havia atingido a maioridade, então, a probabilidade de ser adotada era praticamente zero.
A perspectiva de que a jovem deixaria o sistema em alguns anos também preocupava a equipe da casa lar. Ao longo da permanência na instituição, Maria frequentou a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), participou do programa Menor Aprendiz em uma empresa da cidade e continua estudando. Mas o que ela mais gostou foi de ter participado das paralimpíadas em São Paulo, Porto Alegre e Santa Cruz.
– Quando meus pais não cuidavam de mim e fui parar na casa lar, foi melhor ter uma família nova. Porque a família nova sabe dar carinho, sabe cuidar da criança. Eu gostei muito de estar na casa lar e de ter uma família – diz Maria.
– Vamos em busca de todos os recursos, para que eles tenham autonomia, porque não sabemos como será o futuro deles. Somos guardiões de todas as crianças que estão casa. Nossa preocupação era: ela não pode voltar para esta família, vai ficar com quem? Ela tinha muito medo do que iria acontecer – conta a coordenadora de equipe, Alda Lundgren.
Emocionada, ela lembra:
– Um dia, Isabel chegou e disse que tinha uma coisa bem séria para falar comigo. "Quero pedir para ser mãe da Maria". Daí, ela chorava de um lado e eu chorava de outro.
Adaptada à nova família, Maria se diz feliz e ansiosa para começar um novo curso no ano que vem e faz planos de viajar com a família adotiva inteira:
– Estou me sentindo muito feliz aqui (com a família adotiva). Continuo sendo uma menina querida com família. Feliz.
Sobre a adoção tardia, Isabel resume:
– Deveria-se pensar com mais carinho para os grandes (adolescentes). Vale muito a pena. A pessoa, quando está no teu caminho, é do teu jeito. Então, para quem vai adotar, é bem válido olhar também para os grandinhos. Não importa a idade.
Foi com uma carta que Antônio manifestou ao juiz Leoberto Brancher, do Juizado da Infância e da Juventude (JIJ) de Caxias, a vontade de ser destituído do poder familiar e encaminhado à adoção. Ele chegou ao sistema de acolhimento de Caxias do Sul cerca de 15 dias antes de completar sete anos. A mãe, com deficiência, tinha histórico de negligência com o filho. Era separada do pai do menino e vivia com um novo companheiro. A situação piorou quando ela teve um outro filho. Era desatenta, esquecida, saía de casa e deixava os pequenos sozinhos. O companheiro tinha de sair para trabalhar, também não podia cuidar das crianças. Até que, certo dia, a mãe saiu e não voltou mais. O pai biológico tentou ficar com Antônio, mas também era negligente. Houve denúncia e o menino foi acolhido.
– Ele chegou bem triste, muito amedrontado. Mas logo que começou a receber comida na hora, ir para a escola, uma casa limpinha, uma cama, ele se estabilizou. A sensação que eu tinha é que ele estava em outro mundo e que não imaginava que existia esse mundo, do amor, do cuidado, da proteção – relata a psicóloga que acompanhou o caso, Marivanda Ló.
Quase um ano e meio se passou, a mãe biológica conseguiu certa organização familiar e a outra filha não foi retirada dela. Diante disso, Antônio voltou a morar com a mãe. Mas a situação não se sustentou por mais de seis meses. A mãe foi embora. O pai biológico, alcoolista, não tinha condições de cuidar do garoto e ele voltou para o acolhimento. Durante esse processo, ainda ocorreu um fato totalmente atípico. Antônio estava em uma casa lar em que todas as crianças e adolescentes foram encaminhados para famílias substitutas, menos ele. Para evitar maior sofrimento, a equipe optou por transferi-lo da casa antes que os demais fossem adotados.
– Ele era o que mais queria ser adotado e o que não estava em destituição do poder familiar para isso. Pensei: "Não posso deixar essa criança em sofrimento aqui, vendo toda a casa indo e ele ficando". Daí, trocamos ele de casa – conta a coordenadora da equipe da casa lar em que Antônio estava, Alda Lundgren.
A essa altura, ele já tinha escrito a carta ao juiz. O processo para a destituição levou cinco meses. Ele foi inserido na lista de adoção e, logo, um casal se apresentou. No final de 2018, a guarda provisória completará um ano e poderá ser convertida em guarda definitiva. Os pais adotivos de Antônio não quiseram falar sobre a adoção com a reportagem, mas, segundo a equipe da casa lar, ele está bem e feliz com a nova família.
Antônio e Maria são exemplos de como o desejo pela adoção pode ser maior do que o preconceito e pode mudar vidas. O menino e a adolescente são casos considerados pelos profissionais que trabalham na rede de atendimento casos de difícil adoção. Ele, negro, e ela, adolescente com deficiência prestes a ter de deixar o sistema de acolhimento.
– Aí, entra a questão: "Eu quero essa criança e vou construir o amor com ela. Vou fazê-la entender que existe amor, porque as crianças vêm muito descrentes do amor" – finaliza Alda.
Expediente:
Reportagem e imagens:
Lizie Antonello
Fotos e edição de vídeo:
Marcelo Casagrande
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