Você está sempre disponível, conectado, correndo contra o tempo? É possível encontrar o equilíbrio em meio à pressa do cotidiano
PUBLICAÇÃO EM 17 DE SETEMBRO DE 2016
TEXTO
Siliane Vieira
siliane.vieira@pioneiro.com
Imagens
Diogo Sallaberry
diogo.sallaberry@pioneiro.com
Ricardo Ara
INFOGRAFIA
Guilherme Ferrari
Apontar a pressa como o grande mal dos nossos tempos pode ser um pouco reducionista. A pressa existe porque ela faz sentido no mundo veloz em que vivemos. Estamos inseridos em um ambiente onde estar disponível (conectado?) é quase uma regra da boa convivência, onde existe tanta pressão para ser bem-sucedido — no trabalho, no amor, no visual — que às vezes nos sentimos como bombas prestes a explodir. Nem as crianças, cada vez mais atarefadas, escapam dessa realidade por vezes cruel. Nascem aí o estresse, as frustrações, decepções, doenças...
Para Roberto Shinyashiki, escritor, psiquiatra e um dos mais renomados especialistas brasileiros em carreiras, o excesso de informações faz muitos profissionais se perderem:
— A tecnologia e a comunicação, especialmente, fizeram com que as pessoas tivessem uma intensa oferta de informações. Muitos não sabem priorizar, escolher, planejar e muito menos decidir o que foi planejado e executar. O grande problema não é a pressa. É a velocidade desse mundo. Geralmente, a necessidade de pressa leva com que as pessoas atrasem as definições da vida. Não é a correria, o problema é a falta de objetivo, organização, planejamento e competência — revela o escritor, em entrevista por e-mail.
Ainda estamos presos ao clichê do workaholic como modelo de sucesso profissional. No entanto, Shinyashiki revela que o termo vem sendo atualizado por workalover, alguém que trabalha muito, mas também se diverte e sabe relaxar.
— Esse profissional sabe que as coisas vão acontecer porque traçou os objetivos, organizou o seu planejamento e fez isso acontecer, enquanto o workaholic se desorganizou, não determinou metas e estratégias e não consegue descansar porque está sempre ocupado e preocupado que as coisas deem errado — explica o psiquiatra.
O primeiro passo para se desvencilhar de uma situação de conflito é identificá-la. Depois disso, é preciso pensar no que fazer para mudar daqui para frente. Shinyashiki sugere até mesmo a contratação de um mentor de produtividade e de organização de carreira como um caminho possível. De qualquer forma, segundo ele, três passos são fundamentais para ter êxito profissional sem perder a tranquilidade.
— A chave do sucesso está ancorada em três pilares: definição dos objetivos, gestão do tempo e competência.
Humanizando o trabalho e a vida — Manter um estilo de vida mais zen pode não ter a ver necessariamente com rejeitar responsabilidades. Quem olha a lista de ocupações da publicitária Eliane Zanluchi, 36 anos, por exemplo, pode duvidar de que ela consiga dar conta de tudo sem deixar o estresse tomar conta. É professora de pós, de MBA e de graduação (do qual também é coordenadora), dirige uma consultoria de inteligência estratégica e inovação, divide com o marido os cuidados de uma marca de sorvete orgânico e, ufa, ainda é mãe da pequena Isadora, de apenas um ano e dois meses.
— Quando a bebê nasceu, meu desafio era conseguir tempo para ela. Foi ali que aprendi a descentralizar. Um filho te mostra o que realmente é importante, faz com que tu enxergue novas possibilidades. Hoje, a Isadora é minha maior meditação, a partir dela comecei a pensar mais o meu papel — relata a moradora de Bento Gonçalves.
Eliane sempre teve preocupação em manter uma vida equilibrada, mesmo trabalhando manhã, tarde e noite. Praticou yoga e meditação durante pelo menos cinco anos, segue os preceitos do mestre indiano Osho e tem uma guia espiritual — Premal Bodhi, natural de Bento, mas que vive na Índia — com quem troca ideias sobre a vivência. Até os 29 anos, no entanto, a publicitária tinha uma vida profissional "tradicional".
— A partir dali senti uma necessidade de humanização no trabalho. Ficava pensando "será que o que estou fazendo é contributivo para as pessoas?", "que resultados estou buscando?"— lembra.
Foi assim que ela desenvolveu a consultoria Orgã, focada na "comunicação consciente para empresas que têm o ser humano como sua principal inspiração".
— Trabalhamos muito com co-criação, com colaboração, para que as pessoas se sintam parte do todo. Cada um tem papel fundamental, tentamos levar isso aos líderes. Com os alunos também tentamos trabalhar bastante a consciência. O que estamos fazendo de bom, qual nossa função, estamos trabalhando com ética? — argumenta.
Os ensinamentos da guia espiritual e os estudos na Schumacher College — fundada pelo indiano Satish Kumar —, fizeram Eliane perceber que é possível aplicar conceitos de humanização mesmo numa rotina workaholic.
— A meditação, o mindfulness (leia mais abaixo.) nos ensinam a estar consciente, a refletir o que estamos fazendo aqui e agora ou de que forma podemos construir um mundo melhor. Minha guia espiritual me ensinou que o amor te faz estar presente, foi com esse entendimento que decidi fazer coisas que tragam amor — comenta ela, que aplica o conceito na vida pessoal também, não dispensando os almoços ao lado da filha, por exemplo.
Além da rotina pesada de cirurgias que podem durar até oito horas, o médico ortopedista Lisandro Pavan, 43 anos, precisa lidar com situações de extrema pressão como tentar salvar a mobilidade de pessoas que recém sofreram graves acidentes. Ele também percebe cada vez menos paciência nos pacientes — sem trocadilho — que chegam ao consultório, exigindo que o médico tenha a cura imediata para qualquer dor.
— Patologia é pouco, sinto que muitas vezes as pessoas vêm para ver a coluna, mas o problema está no dono da coluna. Preciso escutar o paciente, pois talvez o exame não mostre o que ele está realmente sentindo — diz ele.
Manter a calma e o discernimento são regras que Lisandro acrescentou à lista já grande de responsabilidades que acumula. Mas o caminho até esse equilíbrio não foi exatamente fácil, nem curto. E a ajuda crucial para o autoconhecimento necessário surgiu no mais democrático dos ambientes: a rua. Ironicamente, foi por meio da corrida que o médico conseguiu desacelerar.
— Eu estava obeso e hipertenso, queria algo que me ajudasse tanto na saúde quanto na questão psicológica. Descobri a corrida e nela uma metáfora da minha vida. Saio para correr para reaprender o que tenho de fazer. Tudo que eu passo correndo, aprendo para a vida. Na corrida é assim, se tu entrar com uma estratégia errada, vai pagar mais tarde. Ela também ensina a ganhar e perder. E a entender que tu só podes mudar o que está para ti mudar, não adianta querer mudar o curso do vento — compara o médico e atleta maratonista, que corre há cerca de oito anos.
Antes de encontrar o esporte, Lisandro enfrentava momentos de extremo cansaço mental e tinha problemas para dormir. — Tinha picos de aumento de pressão... A vida foi me dando sinais — lembra ele.
Lidar diariamente com o estresse da profissão também foi ficando mais fácil.
— São várias tomadas de decisões durante uma cirurgia, por exemplo. Alguém tem que ponderar, estar tranquilo. As emoções tiram o benefício de pensar. Eu não posso me emocionar, tenho que resolver o problema. A corrida me relaxa, me melhora. Hoje, não consigo trabalhar se não puder correr — diz.
Não há fórmula pronta para combater o estresse diário ao qual todos nós — mesmo que em diferentes níveis — somos submetidos, mas o médico Lisandro pode receitar um exame importante, e gratuito:
— É preciso fazer um exame de si próprio. Às vezes é necessário colocar um par de tênis, deixar o oxigênio circular, tentar filtrar os problemas e ouvir o teu corpo.
Uma alternativa comum para impedir que a rotina caótica engula nossos dias é procurar acrescentar à agenda alguns respiros zen. Pode ser uma aula de yoga, uns minutinhos de reflexão em silêncio, uma refeição saudável, enfim. No caso das irmãs Fabi, 41 anos, e Nanda Sartor, 43, práticas desse tipo são muito mais que respiros: guiam o caminhar do tempo, acalentam o dia a dia, representam um estilo de vida. Mesmo estando ali bem pertinho do movimento urbano da Rua Moreira César, em Caxias, a dupla criou seu oásis de calmaria na escola de yoga Prakriti, onde recebe os visitantes com sorrisos largos, abraços longos e, se a vontade for, uma boa troca de experiências sobre a busca por equilíbrio.
Nanda é formada em Psicologia; Fabi chegou a cursar Direito, História e Engenharia Química. Ambas se encontraram mesmo estudando e praticando yoga, que transformaram em profissão em 1998.
— Não sei se é o yoga, os retiros que a gente faz, ou a velhice (risos), mas sinto que tudo conduz à simplicidade — diz Fabi.
Essa simplicidade está implícita no dia a dia da escola, e inclui dar (e receber) muito carinho nas cadelas adotadas que moram lá, preparar comidinhas veganas, além, claro, do contato diário com as técnicas do yoga antigo e da meditação.
— O objetivo do yoga seria conduzir a um estado de consciência mais ampliado, o yoga prepara para a meditação. É ouvir teus barulhos mentais, se observar — comenta Nanda.
Fabi, Nanda e o colega de trabalho na Prakriti Vini Rocha, 39, são unânimes ao listar os benefícios da meditação para a vida. Na escola, eles tentam passar o conhecimento adiante e incentivar a prática.
— Meditar é se libertar de conceitos, teorias, se esvaziar. É ser você mesmo — diz Vini, há 20 anos no universo do yoga.
— A meditação leva para o brilho que o teu ser traz para o mundo — acrescenta Nanda, que atualmente pratica a meditação duas vezes por dia.
Porém, nem sempre é uma prática fácil, principalmente quando se está começando.
— A gente capta tudo. Às vezes dá uma raiva da barulheira da mente — brinca Fabi.
— Tudo que a gente vê fora, também está em nós. Perceber isso é sofrido — conta Nanda.
E não pense que as pessoas que meditam sentem-se mais evoluídas que as demais, pelo contrário, trata-se de um processo íntimo de autoconhecimento que conduz sempre ao respeito ao outro, às diferenças. Também não pense que elas ficam alheias às situações de estresse ou pressão do dia a dia — lidam com mal-educados no trânsito igual a todo mundo, por exemplo — a diferença é que aprendem a controlar melhor os sentimentos e a observar os próprios pensamentos.
— Tu só abraça o estresse se quiser — ensina Fabi.
Vini diz que qualquer um pode tentar a meditação. Um bom primeiro passo está ligado ao movimento mais vital do nosso corpo.
— É mais fácil de começar a prestar atenção na respiração, relaxando o peito e tornando ela mais tranquila. Às vezes, um minuto já basta — ensina ele sobre o exercício que pode ser feito até mesmo em situações estresse, quando há necessidade de relaxar antes de cometer algum erro.
Conforme Nanda e Fabi, o ideal seria se pudéssemos meditar cerca de 20 minutos por dia, mas elas costumam indicar de dois a cinco, facilitando a inclusão até mesmo nas rotinas mais corridas. Os benefícios surgem naturalmente no caminho de cada um que aceita o desafio de parar um pouco.
— Meditação é uma cura, se empresas e escolas a incluíssem teríamos um mundo mais saudável. A doença vem porque a gente não se observa, a gente não filtra o que está captando. O silêncio e o vazio sustentam tudo — afirma Fabi.
Todos estão sentados com os olhos fechados. As mãos pousam uma sobre a outra, com as palmas para cima e o polegar de uma encostando no polegar da outra. Lá na frente, a barbosense Caroline Baldasso, 26 anos, conduz os pensamentos da turma num exercício que pretende nos levar "à nossa verdadeira casa, dentro de nós mesmos". A voz de Carol ensina aos alunos que a mente não tem limites nem barreiras, e que podemos imaginá-la como um imenso e iluminado céu. Ali, aos poucos, ela explica que cada pensamento que passa pela mente é similar a nuvens, que simplesmente passam na vastidão azul sem preenchê-la.
— Se a gente começa a dar muita bola para algumas nuvens, elas ficam, e nublam a claridade do céu — explica Carol.
A atividade descrita acima fez parte de um curso ministrado por Carol em Bento Gonçalves, há duas semanas. Meditar, imaginando a mente como um céu profundamente vasto e claro, é somente uma entre as várias ferramentas para uma técnica ainda pouco explorada por aqui, o mindfulness.
— É viver momento por momento, de uma forma que a gente se dê tempo para se familiarizar coma própria mente pra estar mais perto de si mesmo. A gente passa tanto tempo conhecendo os outros, mas a gente não se conhece. A meditação não são 15 minutos não fazendo nada, são 15 minutos se conhecendo, se descobrindo. Claro, tu vai desenvolvendo mais compaixão, mais tolerância, mais paciência, mais empatia, mais compreensão. A gente só tem que se dar o tempo. O tempo e o espaço existem, é só a gente saber se organizar para receber isso — explica Carol.
A técnica — que estampa a capa da revista Super Interessante deste mês — tem ganhado cada vez mais adeptos pelo mundo e é objeto de estudo de aproximadamente 500 instituições somente nos Estados Unidos. Conforme Carol, o mindfulness é a estrutura do coração da psicologia budista, apenas estruturada de uma forma pragmática, ou mais prática, para ser aplicada no ocidente.
— Nós somos pessoas completamente diferentes dos orientais, nosso estilo de vida, nosso ritmo, então, se estruturou isso para trazer para cá. E a meditação é a ferramenta mais potente da prática de mindfulness, claro, é a mais estudada também e gera mais transformações. Mindfulness é uma ferramenta que cada vez ganha mais força porque a ciência está mostrando que funciona — comenta ela, que foi buscar na neurociência as respostas para as questões que mais a inquietavam.
Depois de trabalhar algum tempo na áreas de sua primeira formação — Comunicação Digital — Carol frustrou-se por não conseguir dar vazão à sua criatividade e curiosidade. Depois, descobriu vocação para a pesquisa social e, a parir dela, encontrou a neurociência. Apaixonou-se pelo assunto e decidiu voltar a estudar, atualmente é pesquisadora de Neurociência na Università di Pisa, na Itália.
— O mestrado que eu faço tem o viés de comportamento humano. Então, não é para eu aprender a operar o cérebro de pessoas, ser neurocirurgiã, nem estudar neuroanatomia. É um conteúdo bárbaro, é incrível, as pessoas precisam saber como funciona a cabeça delas, isso faz parte da saúde. Esse não é um curso de autoajuda, a gente não dá receita de bolo, a gente dá algumas dicas para que as pessoas tenham o insumo, uma explicação de como funciona o cérebro, o que é a mente e porque somos seres únicos e especiais — comenta ela.
Hack Your Brain — O curso que Carol Baldasso trouxe à Serra em parceria com a Valkiria Inteligência Criativa chama-se Hack Your Brain, algo como "mapeie seu cérebro". A ideia é aprender a ter uma mente mais presente, vivendo a intensidade de cada momento (o princípio do mindfulness), com algumas noções de neurociência. Para exemplificar, Carol pede aos alunos que lembrem o que estavam pensando durante um momento de felicidade muito intensa.
— É difícil lembrar porque estávamos vivendo aquele momento intensamente, nossa memória é da sensação — diz.
Porém, estudos apontam que 47% do tempo, os adultos não estão presentes no momento que estão vivendo.
— Este tempo todo ficamos remoendo o passado ou planejando o futuro — comenta Carol.
E é exatamente na tentativa de mudar isso que o minfulness se aplica:
— A capacidade do cérebro é infinita e a gente pode ter o cérebro que quer ter. Ele é ilimitado, é flexível, tem uma infinidade de repertórios que a gente constrói. E ele é sim a mente azul, ele tem dentro dele essa vastidão, essa clareza que a gente vai perdendo pelas mil escolhas sem consciência que a gente faz. Então, acho que essa é a mensagem principal do curso, a gente pode escolher quem a gente quer ser.
Na plateia dos cursos que Carol ministra por aí — aliás, ela deve voltar ao Brasil no ano que vem para novas edições —, uma característica comum é a vontade de mudar.
— A maioria se sentiu sobrecarregada, chegou num ponto de estresse extremo, chegou numa encruzilhada de decisões na vida em que sabe que tem que pensar mais e melhor.(...) Também tem uma galera mais jovem que não quer fazer o que essa geração fez, não quer chegar a esse ponto de brigar com o mundo, quer procurar desde muito jovem a estabilidade e o equilíbrio emocional, está preocupada com sua saúde mental, não quer enlouquecer.
Juliano Nicola Sangalli, 41 anos, é diretor de uma indústria de móveis em Bento e, no papel de gestor, preocupa-se em estar mais equilibrado para tomar decisões. Por isso, dedicou um sábado para aprender mais sobre mindfulness em Bento.
— Toda liderança é um caminho solitário, é preciso buscar as respostas dentro de si. Aqui é um momento para olhar para dentro, encontrar habilidades e ferramentas para ser mais ponderado — justificou.
— É como se a leveza tivesse entrado na gente — resumiu a administradora Solange Rossetti, 53, que também foi aluna do curso em Bento.
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