Rota de inspiração e afeto 

Via Orgânica, em Garibaldi, oferece a turistas o contato com a natureza e as histórias de quem optou pela ‘agricultura limpa’

PUBLICAÇÃO EM 15 DE OUTUBRO DE 2016

TEXTO

Siliane Vieira

siliane.vieira@pioneiro.com


Imagens

Marcelo Casagrande

marcelo.casagrande@pioneiro.com


INFOGRAFIA

Guilherme Ferrari

Alimentar-se bem é objetivo perseguido por muitos, cada vez mais. Orquestrada a isso, a produção orgânica virou tendência, movimentando no Brasil um mercado na ordem de R$ 2,5 bilhões, de acordo com dados do programa Organics Brasil. O Rio Grande do Sul é um dos líderes nesse setor, e Garibaldi, na Serra, representa uma potência com pelo menos 10 estabelecimentos certificados. A partir desta terça, dia 18, essas propriedades passam a integrar oficialmente a Via Orgânica, um dos primeiros roteiros do Brasil dedicados à temática.


— Consumir orgânicos proporciona o acesso a alimentos mais nutritivos, saborosos e livres de resíduos de venenos. Mas quando falamos em alimentação orgânica não podemos nos deter apenas às vantagens de quem consome estes alimentos, pois os benefícios se estendem a quem os planta, sem se contaminar com agrotóxicos, e ao meio ambiente, que se mantém livre de poluição. A saúde e a qualidade de vida de todos no planeta depende diretamente desses fatores — comenta Bruna Mara Postingher, nutricionista e mestre em Biotecnologia e Gestão Vitivinícola.


A declaração de Bruna, 27 anos, não está somente alinhada com os estudos que ela realizou na faculdade. Na verdade, ela cresceu acompanhando os anseios do pai biólogo, Luiz Postingher, e do tio agricultor, Telvi Benedito Piccinini, sobre questões do cultivo de uva. A "dupla" fundou a empresa Econatura há 20 anos, numa época em que a produção orgânica no Brasil ainda engatinhava. Localizada na Linha São Luis do Araripe, em Garibaldi, a fábrica agora faz parte da Via Orgânica, e pretende inspirar os visitantes com sua posição ecologicamente correta.


— É um modelo de empresa sustentável, essa é a nossa filosofia dede o início — explica Bruna, sobre o conceito que se aplica desde a construção da chamada "ecofábrica", com materiais de reuso, até o próprio resultado da produção, que não descarta nenhuma parte da uva: da semente é extraído óleo (vendido principalmente no mercado de maquiagens veganas) e das cascas se produz farinha, por exemplo.


— Não desperdiçamos praticamente nada. Justamente o fato de não ter veneno permite que possamos usar toda a uva — justifica Bruna.


Não há parreiral na Econatura, toda uva utilizada vem de aproximadamente 30 propriedades orgânicas de 12 municípios gaúchos.

— Nossos agricultores estão ficando velhos, mas esse estímulo do orgânico é importante. Se eles tiverem qualidade de vida, vão ficar mais tempo no ramo — comenta Bruna.   


Além de conhecer os passos da produção (que se intensifica na época da vindima), quem visitar a Econatura poderá conhecer um pouco da história da empresa, que ainda preconiza a base familiar.


— Na época da safra todo mundo ajuda. Mas desses negócios de escritório eu quero distância, gosto aqui é da natureza, do mato — diz o simpático seu Telvi, 69, um dos sócios que "desfila" pela Ecofábrica vestindo botas de plástico e chapéu de palha como o legítimo agricultor que é.


Na Econatura, são mais comuns as visitas técnicas, mas a empresa está se moldando para investir também no potencial turístico. Um dos acertos recentes nesse sentido foi a construção da Ecopipa, uma edificação quase 100% feita com materiais de reuso que impressiona quem entra na propriedade. A estrutura, idealizada para ser um showroom, foi construída com as madeiras de quatro pipas de vinho gigantes, tem sistema de iluminação natural, varanda com corrimão de antigas esteiras industriais e até um convidativo teto verde idealizado pelo pai de Bruna.


— Estamos criando conhecimento. Que bom as que as pessoas estão despertando, percebendo que os modelos convencionais de consumo são perigosos. As pessoas vêm aqui e ficam surpresas, percebem que é possível aliar a produção com questões socialmente justas e ambientalmente corretas. Nosso objetivo é inspirar — aponta Bruna.  

Uva, simpatia e contato com natureza

A uva é uma das grandes estrelas da Via Orgânica. Empreendimentos como a Cooperativa Vinícola Garibaldi, a Arte da Vinha e o próprio Econatura têm a fruta como carro-chefe na produção de sucos, vinhos e espumantes, sendo a época da vindima (no verão) uma das mais ricas para visitar esses espaços. Mas a rota dos orgânicos em Garibaldi prevê ainda mais atrações. E o contato com a natureza está, certamente, entre as mais especiais.


Na propriedade da Família Mariani, por exemplo, é possível realizar um passeio de carretão para colher frutas e temperos da época. A simpática Salete Arruda, 49 anos (foto abaixo), é uma das administradoras do local e compartilha todo seu entusiasmo frente à produção de orgânicos para contagiar quem chega por lá.


— Já experimentou essa florzinha? Come pra ver que boa — diz ela, interrompendo a caminhada a todo momento para mostrar seus conhecimentos sobre plantas alimentícias não convencionais (as chamadas pancs), que crescem em meio a árvores frutíferas, pés de temperos e hortaliças.  


No lugar, que fica na Linha Marcilio Dias, o turista faz sua própria feira colhendo tudo diretamente da terra — e, claro, saboreando muitas delícias pelo caminho. Depois, dá para levar tudo para casa, por um preço simbólico.  


— Nosso objetivo não é o lucro, é a conscientização das pessoas com relação aos orgânicos — diz Salete. 


É claro que a propriedade tem ainda um belo parreiral, matéria-prima para os deliciosos vinhos e sucos produzidos por lá. A produção também segue os conceitos da sustentabilidade, claro, e Salete exibe orgulhosa invenções como o suco de uva que utiliza resíduos que sobram da beterraba para propor uma deliciosa mistura.


— Também temos o suco de uva com alface, pensado principalmente para incentivar o consumo do alface pelas crianças, já que elas não gostam muito. E estamos desenvolvendo um snack vegetal usando a moranga no lugar da farinha — explica Salete, que costuma oferecer lanches saudáveis aos visitantes. 


Os animais que circulam tranquilamente pela propriedade também recebem quem chega com o mesmo afeto dos donos da propriedade. Cães, gatos, patos e galinhas impressionam principalmente as crianças que moram na cidade e vêm passear na colônia. 


— O pessoal vem aqui e acha tudo de outro planeta, as reações são muito legais. As crianças adoram, esses dias uma achou que a galinha estava de roupa e eu fiquei pensando, "acho que conhece só as do mercado" — diz.



Passeio entre os parreirais

A cerca de 20 minutos dali, na Linha Presidente Soares (quase na divisa com Santa Tereza), a Família Boroto também abre as "portas" da vida rural para os visitantes. Por lá, além dos espumantes, dá para ter uma aula sobre produção orgânica com Acir Boroto, 46 (fotos abaixo). Ele trabalha com isso há cerca de 20 anos e foi um dos idealizadores da Cooperativa de Produtores Ecologistas de Garibaldi (Coopeg).


— A ideia do orgânico vem com a preocupação sobre a minha saúde e da minha família e, claro, de quem vai consumir — comenta Boroto, depois de contar que a irmã sofreu intoxicação por conta do agrotóxico anos atrás.


— Podemos largar nosso filho aqui tranquilos porque sabemos que não tem perigo nenhum de veneno nas plantas — diz a esposa de Boroto, Fernanda, 36.


Entre as opções de passeio pela propriedade dos Boroto está uma volta pelos parreirais e árvores frutíferas (como a ameixeira de quase 60 anos que estampa a capa do Almanaque) e o delicioso mereci perlage, com salame produzido por lá mesmo, queijo, além das receitas caseiras de Fernanda: pão, requeijão e chocolate. Tudo harmonizado com os vinhos e espumantes da propriedade e com o animado papo do casal anfitrião. 


Aos visitantes mais dispostos, Boroto também oferece um roteiro de belezas naturais próximas da propriedade, como uma impressionante gruta (ou seria caverna?) em honra à Nossa Senhora de Lourdes. 


— Nossa expectativa (no Via Orgânica) é mostrar o que fazemos e provar que é possível ter uma rotina diferente. A qualidade de vida mudou tudo para a gente — sentencia Boroto.

Caminho até o prato

O chef Rodrigo Bellora, 31 anos (fotos abaixo), adentra a propriedade do restaurante Valle Rustico - na Linha Marcilio Dias, em Garibaldi - feliz com a visita recém realizada a uma escola da região. 


- Estamos fazendo uma horta orgânica com os alunos - diz orgulhoso, mostrando que a alimentação orgânica é mesmo uma filosofia de vida, característica que compartilha com os demais participantes do Via Orgânica. 


A mudança de vida, para ele, começou há cerca de 10 anos. Natural de Bento Gonçalves, Bellora morava em Porto Alegre e cursava MBA em Gestão Empresarial quando percebeu que não se encaixava no perfil "businessman" que se apresentava como modelo a seguir. Decidiu então voltar atenções para uma terra de propriedade da família. Interessou-se pelo movimento slow food, buscou a formação de chef e sommelier, foi estudar na Itália e hoje, coloca tudo em prática no Valle Rustico, único restaurante integrante da rota turística Via Orgânica. 


- Quando eu vim para cá, pensei "não vou morar no meio do mato e continuar comprando comida no supermercado". A nossa proposta no restaurante é comida da natureza, feita com o que o mato nos proporciona. É mais do que só comida, é preocupação com o que representa a mesa - conceitua Bellora.


A ideia de aproveitar a propriedade da família começou como turismo de aventura, com cardápio dedicado a pizzas. Mas o caminho do slow food foi levando o chef a outros desafios e, assim, o Valle Rustico tomou forma. No material de apresentação do restaurante, que fica em cima de cada uma das mesas, o conceito do lugar é explicado assim: "Faz parte da nossa rotina o contato direto com produtores, manutenção das nossas plantações orgânicas e criação de pratos sempre mais saudáveis". 


De fato, uma visita ao Valle Rustico dá a possibilidade de conhecer o caminho do alimento até o prato. Bellora mantém plantações e aprende, diariamente, a aproveitar o que nasce na propriedade. Por lá, ele também mantém a vaca Bela, que fornece leite para toda produção do restaurante; e até a água oferecida aos visitantes vem de uma fonte própria. O que não é colhido na propriedade, é adquirido de outros agricultores e criadores que segue os preceitos do "alimento limpo" de Bellora. 


- Nosso desafio é transformar tudo isso num belo prato - aponta.    


Envolvido em diversas iniciativas sobre alimentação e slow food, Bellora também encabeça o projeto Horta. A ideia é entregar produtos orgânicos e pratos saudáveis para quem não tem tempo de produzir isso.   


- É uma filosofia de vida mesmo, nossa maneira de mudar um pouquinho o mundo.  


Conheça todos participantes da Via Orgânica

Arte da Vinha: vinhos naturais produzidos por meio de métodos de vinificação ancestral. A visitação, em uma inusitada cave de porão, inclui degustação e explanação sobre a produção natural, biodinâmica e o método ancestral, feito em uma ânfora. Agende uma visita: edu.zenker@yahoo.com.br


Cooperativa Vinícola Garibaldi: aposta na produção de suco de uva e vinho proveniente do cultivo agroecológico de 70 de suas 380 famílias associadas. A visita ao complexo turístico da empresa relata o funcionamento da cooperativa e suas praticas sustentáveis, além do processo enológico e a história de Garibaldi por trás da entidade. Agende uma visita: (54) 3464.8104 ou varejo@vinicolagaribaldi.coop.br.


Econatura: A "ecofábrica", construída predominantemente com materiais de reuso, utiliza processos que buscam minimizar o impacto ambiental. O espaço "Ecopipa" é utilizado como área para degustação. Produz suco de uva, vinagres de vinho tinto, balsâmico e balsâmico envelhecido, óleo de semente de uva, farinha da semente e da casca de uva, todos orgânicos. Agende uma visita: (54) 3462.1074 e atendimento@econatura.com.br


Família Boroto: dedica-se à elaboração de espumante orgânico. Além da degustação dos produtos, harmonizados com tábua de frios, chamada de mereci perlage, o visitante pode realizar passeio de carroça pelas videiras e conhecer o processo de produção do espumante. Também é oferecido passeio a grutas e a capitéis próximos da propriedade. Agende uma visita: (54) 3464.7904, (54) 9611.9435 e espumanteboroto@yahoo.com.br


Família Mariani: visitante pode conhecer videiras centenárias, a produção orgânica e a agroindústria. No antigo casarão, com ambientes transformados em museu, contam-se histórias da família. O visitante pode realizar passeio de trator, com vista panorâmica, e colher frutas e temperos da época. Agende uma visita: (54) 9999.9752, (54) 9177.3688 e salete@coopeg.com.br


Morro São Francisco: visitante pode experimentar um café colonial ao ar livre: pão de forno, geleias, sucos, sobremesas. Também é possível conhecer um sistema de trilhas com direito a belas vistas, ou passear nas videiras com fontes d'água e visitar cachoeiras nos arredores da propriedade. Agende uma visita: (54) 9702.2969, (54) 3464.1409 e kauvicosti@hotmail.com


Sabor Ecológico: loja especializada em produtos naturais e orgânicos, que busca transmitir a sensação e a confiança de retirar tudo da própria horta, só que no centro da cidade. Muitos dos alimentos oferecidos são cultivados pelos proprietários. Também fornece linhas de produtos naturais, sem glúten, sem lactose, dietéticos e fitoterápicos. Contato: (54) 3462.7167


Sítio Crescer: produz hortaliças, temperos e frutas orgânicos. Possui hostel (hospedagem compartilhada), em uma construção sustentável, e hospedagem em quartos individuais. Oferece local para eventos, açudes para banho e pesca, sitiotur entre cascatas com educação ambiental e espaços para espiritualidade. Recebe retiros e serve refeições caseiras mediante agendamento. Agende uma visita: (54) 8145.0037 e sitiocrescer@gmail.com


Sítio do Celo: possui diversas plantas e frutas silvestres que podem ser degustadas e adquiridas. Há também a presença de animais de raça pouco conhecida (como a ovelha Santa Inês). Destaca-se a degustação da garapa feita na hora. Há ainda trilha até um riacho com um caminho meditativo. Agende uma visita: (54) 3462.1346, (54) 9978.8798 e honoriofurlanetto@gmail.com


Valle Rústico: refeição preparada para se apreciar em etapas. O visitante tem a oportunidade de conhecer a horta orgânica, de onde a maioria dos ingredientes é retirada. Além de ser restaurante, atua com projeto Horta (entrega de cestas com produtos orgânicos em casa), food truck e oficinas gastronômicas. Agende uma visita: (54) 3067.1163, (540 54 8123.0080 e restaurante@vallerustico.com.br

O QUE É UM ALIMENTO ORGÂNICO?*

Para ser considerado orgânico, o produto deve ser cultivado em um ambiente que considere sustentabilidade social, ambiental e econômica e valorize a cultura das comunidades rurais. A agricultura orgânica não utiliza agrotóxicos, hormônios, drogas veterinárias, adubos químicos, antibióticos ou transgênicos em qualquer fase da produção.

* Fonte: Ministério da Agricultura

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