Da Serra para o mundo

Para ler ouvindo:

Do Vale do Silício ao Quênia, profissionais gaúchos são referência em negócios que vão da tecnologia à dança

PUBLICAÇÃO EM 22 DE OUTUBRO DE 2016

TEXTO

Diego Adami

diego.adami@pioneiro.com

Carlinhos Santos

carlinhos.santos@pioneiro.com


Imagens

Diogo Sallaberry

diogo.sallaberry@pioneiro.com


INFOGRAFIA

Guilherme Ferrari

A disposição simétrica dos objetos sobre a mesa de trabalho revela um traço importante da personalidade de Maurício Benvenutti. É justamente por prezar pelas coisas em seu devido lugar que a desordem organizacional fascina o empresário vacariense.


— Gosto de transformar bagunça em coisa séria — afirma.


Um dos personagens desta reportagem, que retrata nascidos na Serra que empreendem mundo afora, Benvenutti, 35 anos, é o típico representante de uma geração movida por desafios. Sócio da XP Investimentos por oito anos, período no qual ajudou a transformar o escritório em Porto Alegre na maior corretora do Brasil, recentemente avaliada em R$ 3 bilhões, decidiu, em 2015, que era hora de mudar. Vendeu as ações da empresa que possuía e, no ano passado, partiu para o Vale do Silício, nos Estados Unidos, onde cursou uma pós-graduação na prestigiada Universidade da Califórnia, em Berkeley.


Atualmente, é um dos cinco sócios da StartSe, maior plataforma de startups do país, que reúne cerca de 13 mil empreendedores, 4 mil startups, 3 mil investidores e 2,5 mil mentores. Uma guinada e tanto na vida do filho de professores criado na pequena cidade de pouco mais de 60 mil habitantes nos Campos de Cima da Serra, que por dois anos prestou vestibular para Medicina, mas acabou se formando, por razões que só o destino é capaz de explicar, bacharel em Sistemas da Informação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).


— O Vale do Silício encanta pelo exemplo de sociedade, onde pessoas de estilos diferentes, como gays, hipsters e hippies, por exemplo, conseguem conviver pacificamente — afirma.


Admirador de Elon Musk, empreendedor sul-africano que tornou-se célebre por sua participação na criação de empresas com Paypal, SpaceX e Tesla, Benvenutti é do tipo que inspira ao falar de sua trajetória profissional. No início de outubro, esteve em Caxias do Sul para uma palestra promovida pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) em parceria com o departamento jovem da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e para lançar seu livro, Incansáveis. Um dia antes, em sua cidade natal, recebeu da Câmara de Vereadores o título de Cidadão Emérito de Vacaria, “em reconhecimento aos relevantes serviços prestados ao nosso município”, diz a placa.


— Quando cheguei ao Vale do Silício, comecei a anotar em um diário, tudo o que eu tinha feito durante o dia. Me desafiei a conhecer pelo menos uma pessoa nova por dia. Mostrei a amigos, e eles me incentivaram a transformar em livro — conta, a respeito da obra, que em menos de um mês tornou-se o livro de negócios mais vendidos do Brasil, segundo a PublishNews.


Em São Francisco, montou o escritório no RocketSpace, o centro de inovação onde surgiram empresas como o Uber. Por meio da StartSe, organiza missões de empreendedores interessados em conhecer pessoalmente o lugar que respira inovação e tecnologia. Guiados por Benevenutti, os grupos fazem um tour de uma semana por organizações como Google, Facebook, Airbnb e HP.


— Sempre fui muito intrigado como o Vale do Silício. É um ambiente transformacional. Uma das regiões mais ricas do mundo, que cultiva a simplicidade — afirma, completando que a regra primordial é deixar terno e gravata no guarda-roupas e optar por um look mais informal, como calça jeans, camisa e tênis.


Segundo o gaúcho, três fatores são fundamentais para a existência de um ambiente inovador: a rebeldia de alguém que não se conforma com a realidade, o olhar visionário e o capital de alguém que invista nos projetos.


— Um rebelde solitário é um rebelde sem causa — salienta o empreendedor, dizendo gostar de testar todas as possibilidades que as novas tecnologias podem proporcionar.


Mesmo assim, diz não ser um consumidor voraz de equipamentos eletrônicos. Troca de celular a cada dois anos, e faz um rodízio de aparelhos com a mulher, Nathalia Lacreta Médici Benvenutti.

"É preciso estar preparado"

Há 28 anos na África, sendo 23 em Nairóbi, no Quênia, Marcos Brandalise, 57 anos, tornou-se referência para empresários brasileiros que queiram investir no continente. Dono da Brazafrica, cujo objetivo é promover os produtos brasileiros na África, Brandalise especializou-se nos setores de agronegócios e na construção civil, que têm apresentado bons resultados em quem neles resolve se aventurar.


Conforme o caxiense, embora o senso comum ligue o continente à ideia de pobreza e subdesenvolvimento, os países africanos são uma grande oportunidade de 

negócios, especialmente nas áreas farmacêutica, de computadores e de alimentos.


— É claro que é preciso estar preparado, ter network — salienta.


Foi por causa de uma paixão que o caxiense deixou o Brasil, em 1988. Apaixonado pela alemã Cany, sua mulher, foi para a Alemanha. Anos depois, mudaram-se para Angola. Na época, Brandalise trabalhava para uma companhia aérea de cargas especializada em zonas de guerra. O Quênia foi o destino seguinte da família.


— Foi mais difícil ficar na Europa do que na África. O povo africano é muito semelhante brasileiro. Tem uma linha muito interessante entre o Brasil e a África. São muito alegres e receptivos. Coisas como samba, carnaval e esporte aproximam muito — lembra.


Em 1996, vislumbrando uma oportunidade de negócios, abriu a Brazafrica, empresa com sede em Nairóbi e escritórios em Uganda, Ruanda, Etiópia, Tanzânia e Moçambique. Ao todo, são 120 funcionários, a maioria africana.


Entre 2006 e 2010, com outros seis brasileiros, foi sócio de uma churrascaria tipicamente gaudéria. Atualmente, não abre mão de um bom churrasco. Até importou uma churrasqueira rotativa para manter o hábito.


— A carne daqui é muito boa. Mas a churrasqueira tem que ser a tradicional, né?


Experiência pessoal inspirou negócio

A imigração para o Canadá, em 2003, serviu de inspiração para a farroupilhense Rosa Maria Troes, 48 anos, fundar uma empresa para auxiliar quem escolhia o país como destino para um intercâmbio. Com faturamento anual de 3,5 milhões de dólares, a Canada Intercambio, que começou na informalidade, conta atualmente com 12 lojas, próprias e franqueadas, em oito Estados brasileiros e duas no Canadá. Ao todo, são 50 funcionários, 20 deles no país da América do Norte.


Na época com 35 anos, Rosa e uma colega mexicana, com quem estudava inglês em Vancouver, na costa oeste, viram a oportunidade de receber grupos de ajudar estudantes latinos na adaptação ao país. Buscavam no aeroporto, visitavam previamente as casas de família onde os alunos ficariam hospedados, testavam trajetos do transporte público, organizavam atividades e passeios pela cidade. Aos poucos, pelo famoso boca a boca, o serviço tornou-se conhecido e cresceu ao ponto de Rosa, a essa altura já sozinha, perceber a necessidade de abrir a empresa.


— Trabalhamos para dar tranquilidade às famílias dos estudantes. Muito do que apliquei na empresa é em função de dificuldades pelas quais passei, das dicas que não recebi — conta a empresária, graduada em Administração de Empresas pela UCS e que em 2008 obteve a cidadania canadense, documento que a permite ficar no país por tempo indeterminado.


Mãe de Nicholas, nove anos, fruto do relacionamento com o ex-marido, com quem mudou-se para o Canadá e atualmente trabalha no escritório da empresa em Toronto, Rosa diz que procura manter o menino em contato com suas raízes na Serra. Quando vem ao Brasil, procura apresentar o filho a lugares e pessoas que são importantes para ela. E a mostrar as diferenças entre os dois países.


— Quero que ele goste das minhas raízes e que entenda isso. Sobre as diferenças, procuro dizer que não cabe à gente julgar, mas se adaptar. Não sou 100% canadense, não sou mais brasileira do jeito que eu era. A gente abandona certas coisas e adquire outras — ensina. 

Dançando no mundo

Carlos Garbin estava dançando em Nova York semana passada. Fez duas apresentações no Brooklyn Music Academy com espetáculo Vortex Temporum, da companhia Rosas, da Bélgica. É ao lado da coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker , diretora mundialmente aplaudida formação de dança contemporânea. O músico e bailarino caxiense vive por lá há 12 anos. Está com 36 anos, casou-se há pouco com a bailarina Sue Yeon Youn. Viver e trabalhar numa das principais companhia de dança contemporânea do mundo é um desafio...


— Na Rosas eu tenho a chance de explorar a música a dança de uma maneira bem específica. Eu tenho que achar o meu modo de atuar, tocar, dançar... que esteja em sintonia como que a Anne Teresa precisa para cada peça, e cada vez é um desafio novo — diz.


E esse desafio é feito com a bagagem que levou de Caxias, do aprendizado que teve nos primeiros anos da Cia. Municipal de Caxias e das palcos locais.


— Quando saí de Caxias para estudar já tinha uma experiência de mais de seis anos com a Cia. e com a cena musical da cidade na Traveling Band, Natural Dread e Lucille. Essa experiência ajudou muito aqui e também continua me dando motivos para voltar pra Caxias — avalia.


Garbin saiu de Caxias para fazer um teste na escola P.A.R.T.S., vinculada à Cia. Rosas. Não só passou como logo foi convidado para integrar o elenco da companhia belga que circula pelo mundo todo. E os passos de inserção na cena mundial da dança não param:


— Até fevereiro eu estarei trabalhando como ensaiador num projeto com a Ópera de Paris.

Moda com Vivienne

Há 20 anos, Andreia Cruz saiu de Caxias. Formada em Moda pela UCS, decidiu ganhar experiência e, depois de cinco anos de num ateliê de alta costura em Recife, foi fazer o que sempre quis, morar na Itália. Das tantas experiências vividas naquele país, uma memorável foi de trabalhar com a estilista inglesa Vivienne Westwood, ícone da introdução da cultura punk ao mundo da moda:


— Foi uma surpresa! Eu trabalhava para o grupo Gucci. Fazíamos o desenvolvimento das pecas em couro para Alexander McQueen , Gucci e YSL. Um belo dia me ligou uma minha professora da Polimoda e perguntou se eu queria trabalhar pra Vivienne. Quase caí dura, era meu ícone fashion desde sempre.


A ponte Caxias-Itália-Londres durou pucos mais de dois anos.


— Encontrei Vivienne umas poucas vezes, naquele período ela já não viajava muito, mas quando estava na empresa era sempre muito atenciosa com quem estava desenvolvendo um produto seu.

Determinada a novas mudanças, Andreia mudou o foco, mas segue na cena da moda mundial.


— Atualmente leciono modelagem e técnicas de confecção no curso de Fashion Design, na LABA (Libera Accademia di Belle Arti), em Florença, e tenho um atelier onde crio e desenvolvo vestidos de noivas e festas sob medida — conta.


Do Exterior, Andreia olha para Caxias com zelo e carinho.    


— É minha cidade natal, minha família está aí. Caxias tem um potencial muito grande em relação à moda, acompanho tudo de longe, mas vejo jovens cheios de talento e de vontade de fazer acontecer — diz.

Da academia aos negócios

O uso de animais em experimentos da indústria farmacêutica é sempre motivo de polêmica, e a médica caxiense Franca Stedile Angeli viu aí oportunidade de abrir um negócio nos Estados Unidos. Em solo norte-americano desde 2004, quando chegou ao país para um pós-doutorado,


Franca é uma das administradoras da The One Health Company, responsável pela logística para a realização dos testes necessários para o desenvolvimento de drogas utilizadas em tratamentos oncológicos.


A empresa conta com um banco de dados composto por 92 hospitais veterinários, o que compreende aproximadamente dois milhões de animais com algum tipo de distúrbio. Quando um laboratório precisa verificar a eficácia de um novo medicamento, a empresa de Franca é acionada para localizar pets com doenças semelhantes às quais a droga deve ser testada.


— Durante o desenvolvimento de uma nova droga, é preciso testar, por exemplo, em ratos, cachorros, porcos, macacos. E diversos tipos de tumores se desenvolvem de maneira parecida em seres humanos e em animais, que muitas vezes possuem estrutura física ou genética semelhante ao homem — explica ela, que vive em Haverford, na Pensilvânia.


Em outras palavras: a logística da The One Health Company faz com que animais doentes recebam um tratamento de graça, que poderá ou não ter resultados positivos. Conforme Franca, gatos são muito utilizados em casos de diabetes. Quando se trata de terapias para artrose (desgaste da cartilagem entre os ossos), os preferidos são os cavalos, em razão do impacto nas articulações. E tudo é realizado com o consentimento dos donos e sem custos para o proprietário.


Amor à primeira vista

Quando pisou em Nova York pela primeira vez, há 20 anos, Katarina Scola já sabia: a Big Apple seria sua casa em breve.


— Foi amor à primeira vista — lembra.


Classificada em um concurso de new faces pela Ford Models, a mudança para os Estados Unidos aconteceu gradativamente. Antes de fixar residência em Nova York, trabalhou no Japão, na Inglaterra, na Itália, na Alemanha e na França, onde também morou. Rosto conhecido em campanhas e desfiles de grifes como Victoria’s Secret, Gucci, Valentino, Dior, Kenzo, Carolina Herrera, estrela de editoriais de revistas como Vogue, Elle e Marie Claire e clicada, entre outros, por Mário Testino, James Moore e Miles Aldridge, Katarina trabalha atualmente na área de Recursos Humanos da seguradora AIG e cursa o último ano da faculdade de Economia. Porém, não abandonou a vida de modelo. Continua fazendo trabalhos para clientes que gosta e que manteve ao longo dos anos.


— O ponto positivo (de morar em uma metrópole como Nova York) é estar sempre crescendo intelectualmente em uma cidade extremamente competitiva, mas que ao mesmo tempo compensa todos os esforços para quem trabalha duro. Sinto muita saudades da família e dos amigos. O que mais gosto é da vida ativa, do trabalho e da cultura muito acessível a todos, como teatros, cinemas, museus. Me sinto em casa com esse corre corre diário. Considero NY minha cidade, pois já passei mais da metade da minha vida aqui.

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