Pesquisa inédita aponta que pessoas com índice corporal normal cometem exageros em busca do corpo perfeito
PUBLICAÇÃO EM 5 DE NOVEMBRO DE 2016
TEXTO
Diego Adami
diego.adami@pioneiro.com
Imagens
Diogo Sallaberry
diogo .sallaberr@pioneiro.com
Felipe Nyland
felipe.nyland@pioneiro.com
Dyane Belmonte, divulgação
INFOGRAFIA
Guilherme Ferrari
Uso de diuréticos, laxantes ou inibidores de apetite, vômitos forçados, jejum prolongado e exercícios físicos exaustivos. Na busca por um corpo considerado ideal, não é raro encontrar homens e mulheres que escolhem caminhos prejudiciais ao organismo para ficar de bem com a balança e o espelho. Uma pesquisa inédita no país realizada pela enfermeira Sabrina Chapuis de Andrade durante o Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS) revelou que cerca de 10% dos homens e 18% das mulheres com Índice de Massa Corporal (IMC) normal realizam ao menos um dos comportamentos citados acima para perder peso.
Realizada em 2015, a pesquisa contou com a participação de 27.501 pessoas de 18 a 55 anos, por meio do site www.temperamento.com.br, baseado em um estudo conhecido por Brazilian Internet on Temperament and Psychopathology (Brainstep), utilizado para fins científicos na área da saúde mental. Os resultados apontam exageros surpreendentes.
— São dados bem alarmantes, pois são atitudes desesperadas — resume Sabrina.
Entre as mulheres, o comportamento mais comum é o jejum prolongado, distúrbio verificado quando o indivíduo permanece sem ingerir alimentos por um período superior a quatro horas diárias pelo menos três vezes por semana. Nos homens, prevalece a rotina de atividades físicas intensas e exaustivas, com o objetivo de aumentar o volume muscular.
— Outro dado é que as mulheres com IMC normal forçam mais o vômito do que homens com IMC maior de 30, ou seja, obesos — acrescenta a pesquisadora.
Os números mostram ainda que 15% das mulheres com peso normal relataram o uso de laxantes e diuréticos com o objetivo de emagrecer e 12,2% admitiram forçar o vômito às vezes, enquanto apenas 2,2% dos homens relataram esse comportamento.
As mulheres têm mais facilidade em admitir os transtornos alimentares, uma vez que os estigmas são mais fortes para elas.
Isso faz com que os homens relutem em reconhecer que precisam de ajuda, embora mais de 8 mil participantes do sexo masculino relataram a realização de exercícios físicos diários por mais de três horas, obsessão conhecida por vigorexia.
— Muitas vezes, é difícil fazer o diagnóstico. Em determinados casos, mesmo tendo cinco comportamentos mais de três vezes por semana, não é possível identificar o distúrbio, porque não há o reconhecimento por parte do paciente — diz.
Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul e tendo atuado no Hospital Conceição, ambos na Capital, Sabrina alerta para as consequências dos excessos na busca pela silhueta desejada. Longos períodos sem se alimentar, por exemplo, podem resultar em sintomas como cansaço, fraqueza, anemia, enjoo e desmaios.
Nos casos de indução de vômito, o suco gástrico pode causar úlceras e ainda estragar o esmalte dos dentes, sem contar o desequilíbrio no organismo. Treinos muito longos e intensos e o uso de medicamentos podem causar fadiga e levar a pessoa à exaustão, além de problemas cardiovasculares. Em situações mais graves, o indivíduo pode desenvolver quadros de depressão, ansiedade, bulimia e anorexia.
— A ansiedade é uma vilã no processo de emagrecimento — afirma a psicóloga Tatiana Rocha Netto, que, juntamente com outras duas profissionais da área coordena um grupo de pessoas descontentes com o próprio corpo.
Batizado de Pense Leve, o programa, baseado na metodologia da psicóloga norte-americana Judith Beck, conhecida pelo trabalho em terapia cognitiva, consiste em oito encontros semanais de aproximadamente 90 minutos nos quais as participantes (o grupo atual tem apenas mulheres, entre 19 e 70 anos) discutem novas formas de pensar a alimentação. Em um caderno de registros, são anotadas as tarefas que devem ser executadas ao longo da semana e que são debatidas no encontro seguinte. Elas também se comunicam via WhatsApp, onde compartilham conquistas e dificuldades, como, por exemplo, resistir à tentação de enfiar o pé na jaca e colocar a dieta por água abaixo.
— O foco não é emagrecer, mas sim mudar o pensamento — explica Tatiana, embora reduzir quilos seja o objetivo da maioria das participantes.
A ideia para o projeto surgiu a partir de observações do trio durante consultas com pacientes.
— O descontentamento com o corpo afeta a autoestima e pode influenciar também na relação conjugal — afirma a psicóloga.
Transtorno caracterizado por uma situação difusa na qual a pessoa não consegue definir o que está sentindo, mas sofre com esse mal estar emocional, mas que às vezes afeta também o físico (sudorese, aceleração dos batimentos cardíacos, respiração intensa, rói unhas, arranca cabelos, não consegue relaxar). Muitas vezes, a pessoa não consegue identificar facilmente.
Abaixo de 18,5 - abaixo do peso ideal
Entre 18,5 e 24,9 - peso ideal
Entre 25,0 e 29,9 - sobrepeso
Entre 30,0 e 34,9 - obesidade grau I
Entre 35,0 e 39,9 = obesidade grau II
Entre 40 e acima - obesidade grau III
Os 98 quilos e o manequim 48-50 não incomodam Carina de Almeida, 28. Pelo contrário. Eleita em outubro Miss Plus Size Caxias do Sul 2017, a vendedora orgulha-se em, do alto de seu 1m70cm, poder representar mulheres que fogem dos padrões de beleza ditados pela indústria da moda.
— Sempre fui plus size. Na infância até sofri, mas hoje encaro numa boa. Tem que se amar — afirma.
Com o tempo e com a autoestima nas alturas, Carina passou a encarar com otimismo o próprio corpo, embora diga que ainda existe muito preconceito em relação a pessoas gordas, palavra que ela faz questão de usar, ao invés de "obesa", "cheinha", "fofinha" ou "acima do peso".
— Quem disse que gorda não pode usar biquíni? Tem que vestir o que te faz sentir bonita e sentir bem. O que importa é ser feliz — acrescenta, salientando, porém, não fazer apologia à gordura, mas sim à aceitação.
Como modelo, Carina já fez um trabalho para uma loja especializada em tamanhos grandes.
Os jejuns intermitentes de 12 horas já fazem parte da rotina de Jamile Dalla Vecchia Correa. Aos 23 anos, a estudante de Educação Física incorporou as horas sem ingerir qualquer alimento na estratégia para manter o corpo de 1m70cm e 74kg. Das 22h às 10h,
Jamile não come absolutamente nada. Nos demais horários, come a cada três horas, dando preferência a alimentos ricos em proteínas, como carnes e ovos, e vegetais. Farináceos, nem pensar.
— O corpo acostuma — diz ela, que a cada 15 dias permite-se o que chama de "refeição livre", quando aproveita para comer doces.
Apesar disso, Jamile garante que não toma nenhuma medida radical em nome da boa forma. Segundo ela, tudo é balanceado. Bem diferente de quando tinha 19 anos, quando perdeu 15kg em apenas dois meses comendo apenas frango, batata doce e brócolis.
— Fiquei com anemia, minha menstruação parou. Depois, engordei tudo novamente — lembra.
Na academia onde trabalha, Jamile presencia diariamente todo tipo de atitude na tentativa de obter o corpo "perfeito" em tempo recorde. Treinar sem comer, ingerir pílulas "mágicas"e exercitar-se de moletom (para fazer o corpo suar) estão entre os artifícios mais usados.
— Alguns chegam com exercícios que viram na internet ou no Instagram de fulana e querem fazer igual.
Adotou o estilo fitness há três anos. Para manter os músculos em dia, o cirurgião-dentista frequenta a academia de segunda a sábado.
— É quase como uma religião — compara.
Mesmo dizendo-se "viciado" na musculação, Rech garante não cometer excessos, já que o tempo diário na academia não ultrapassa os 90 minutos.
— Já se tornou rotina. Isso para mim é qualidade de vida.
O professor de Educação Física Everson Batassini Lima salienta que a prática de exercícios deve ser sempre acompanhada por um profissional da área e estar aliada a uma alimentação adequada.
— É importante começar devagar. Vale mais a pena subir um degrau de cada vez — diz.
Beverli Rocha escolheu o bom humor para suportar o desafio que é ir à academia três vezes por semana. Não é exagero dizer que ela simplesmente odeia. Mesmo assim, ela procura não perder um dia de treino.
Aos 44 anos, a radialista encontrou nas palavras um meio de deixar mais leve a "obrigação" de erguer anilhas, pesos e halteres. Há cerca de três meses, Beverli criou o blog Uma Gorda na Academia (www.umagordanaacademia.blogspot.com), onde relata experiências num universo tomado pelos corpos sarados e alimentado por uma quantidade sem fim de suplementos e acessórios.
— Foi a forma que encontrei de conversar comigo mesma e refletir sobre essas questões todas envolvendo padrões estéticos.
Também é uma forma de me autoincentivar — afirma, aos 44 anos, 1m65cm e 89kg.
No blog, Beverli publica textos nos quais relata, sob um ponto de vista bastante humorado (e muitas vezes sarcástico), suas experiências e observações. Impossível não rir de posts com descrições de comportamentos na academia e de conversas que escuta durante os treinos.
— Inserir-se naquela realidade (de marombeiros convictos) é horrível, porque não faz parte de mim. A começar pelas conversas, que sempre giram em torno de o que comem, batata doce, frango, dieta... Tem também os acessórios. Porque não é só fazer exercício. Tem que ir com o melhor tênis, a roupa da hora, a calça com não sei o quê. Eu vou com a camiseta da última eleição, com propagando de posto. A pessoa gorda fica no outro extremo — diverte-se.
Um passeio rápido pelo blog de Beverli revela postagens hilárias, como o da Cindegorda e a academia de cristal:
"A turma da academia de cristal começou a comer batata doce e alface. Cindegorda preferia coxinha de frango, enroladinho de salsicha, sanduíche de salame e fortaia de queijo Serrano. Cindegorda malhou, malhou e ainda não emagreceu nada, mas ela tem até a meia-noite para perder peso ou encontrar o príncipe encantado que pode chegar a galope na esteira. Cindegorda é otimista: se nada der certo, ainda tem a abóbora. Caramelada fica boa."
"Estou com muita vontade de lançar uma campanha para conclamar todos os gordos para ir à academia. Já pensou que legal? Um monte de gordinho livre, leve, solto na academia? É que magro chega em bando para fazer exercício. Quanto mais socializado for, melhor. Já o gordinho, vai meio só, meio disfarçado, entra meio sem jeito, parece perdido no lugar", escreveu.
Seguindo a linha dos contos de fada, outros títulos imperdíveis são A gorda vermelha e a academia do mau e A gorda adormecida. Há ainda textos dedicados à supremacia da batata doce e ainda ao famigerado agachamento.
Já que música de academia nunca agrada a todos, vou fazer a minha própria play list impulsionada pelos sentimentos atuais. Vai lá minha top 10 para academia:
A afirmação da servidora pública paulista Aline Giorlando, a Lika, 32 anos, a Lika resume o sentimento que levou-a a criar a página 30 dias sem gordofobia no Facebook para discutir o preconceito sofrido diariamente por quem está acima do peso considerado ideal.
A ideia surgiu depois que uma amiga que passara por uma cirurgia bariátrica revelou-se incomodada em receber elogios com um fundo de discrininação.
— Por exemplo: "tu és gordinha, mas é tão bonita de rosto". As pessoas te elogiam, mas de forma gordofóbica.
Assim, durante um mês, Lika postou em sua página cards com ideias alertando como a gordofobia pode se esconder em comentários banais do dia a dia.
Veja alguns exemplos:
Lika também questiona os padrões estéticos estabelecidos pela mídia e que contribuem, segundo ela, para baixar a autoestima de quem não se encaixa neles.
— A indústria sempre vai estabelecer padrões inalcançáveis porque assim ela sempre terá uma fonte de lucro.
5 páginas para conferir no Facebook:
Destaque da seção Mulheres que Amamos da edição de novembro da revista Playboy, a blogueira de moda Ju Romano, 27, é a primeira modelo plus size a posar para a publicação.
— Quando recebi o convite achei engraçado.
Embora eu seja muito confiante, não achei que poderia ter a sensualidade que o leitor de uma revista masculina espera. Mas uma amiga minha fez um comentário muito pertinente e me fez perceber que se, durante minha infância ou adolescência, eu tivesse visto uma gorda sendo colocada como sensual em uma revista, sendo apresentada como uma mulher possível de dar tesão nos caras, talvez eu encarasse a minha sensualidade de uma forma diferente hoje. Por isso resolvi aceitar — disse, em entrevista ao jornal carioca Extra. — Eles não mexeram nas minhas gordurinhas e celulites. Claro que a foto tem correção de luz, ambiente, mas meu corpo está lá como ele é — completou.
A grife LAB emocionou o público ao levar para a passarela da São Paulo Fashion Week no dia 24 de outubro um casting 90% formado por negros e modelos plus size
— Entende-se a beleza de uma maneira pobre, a gente quis enriquecer isso, colocar pessoas que encontro nas calçadas todos os dias. A gente perde quando não reconhece essa beleza — diz o rapper Emicida, um dos sócios da marca.
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