Idosos digitais

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População da terceira idade busca cada vez mais usar novas tecnologias


PUBLICAÇÃO EM 3 e 4 DE DEZEMBRO DE 2016

TEXTO

Maristela Scheuer Deves

maristela,deves@pioneiro.com


Imagens

Diogo Sallaberry

diogo.sallaberry@pioneiro.com

Marcelo Casagrande

 marcelo.casagrande@pioneiro.com

Divulgação



INFOGRAFIA

Andressa Oestreich

Os dados do IBGE não deixam dúvida: a população brasileira está envelhecendo, e o Rio Grande do Sul empata com o Rio de Janeiro na liderança da lista dos Estados com maiores proporções de idosos — segundo números de 2014, um em cada seis gaúchos tem 60 anos ou mais. Entretanto, o estereótipo da vovó que fica em casa fazendo tricô, sentada em uma cadeira de balanço, está a cada dia mais distante da realidade. Agora, a moda é ser digital..


— Hoje, qualquer coisa que vamos fazer, pedem para mandarmos um e-mail ou para pesquisar na internet. Se não soubermos, ficamos fora de tudo, do mundo — resume Aldo Boldrin, 60 anos, que no início do ano resolveu se matricular, com a mulher, Alice, 61, num dos cursos de informática que integram o programa UCS Sênior, na Universidade de Caxias do Sul (UCS).


Os cursos que envolvem tecnologia, aliás, são os mais procurados do UCS Sênior, revela o coordenador do programa, Delcio Antônio Agliardi. Dos mil alunos do projeto, cerca de 350 estão matriculados em uma das nove opções ligadas à informática. Há desde turmas de iniciantes, em que se começa por lições de como ligar o computador, salvar um arquivo e acessar a internet, até outras avançadas, como uso de smartphones e tablets.


— Primeiro eu queria aprender o básico, pois todo mundo tem computador. Depois vêm as necessidades, comprei notebook, celular... — explica Nelson Franken, 82, que emendou vários cursos nos últimos quatro anos e agora é da turma de smartphones.



Ele diz que não usa Facebook, por considerar supérfluo, mas é adepto do WhatsApp, utilizado para falar com a filha e os netos que vivem na Itália ("agora não tem a preocupação com a conta do telefone"), já usou Skype e tempos atrás até ensinou a uma neta o que é CCO (cópia oculta).

Para Inez Bisotto, 66, da mesma turma, o motivo foi outro: consultora da Natura, queria aprender a usar o WhatsApp para se comunicar com as clientes e incrementar as vendas. Deu certo — durante a entrevista, foram vários os toques de mensagem recebida. O marido de Inez, Romeu Bisotto, 71, estava aposentado, e o casal acabou indo junto às aulas. Agora, usam celular para tudo, e orgulham-se de conseguir acompanhar os filhos.

Às vezes, aliás, são os próprios filhos que dão um empurrão. Foi o que aconteceu com Velci Westphl, 56:


— Minhas filhas chegaram para mim e disseram: "te matriculamos no inglês e na informática. Segunda tu começa". Vim e adorei, não pretendo parar. É bom para a mente, para tudo, e é um estímulo pensar "amanhã tem aula".


Maria Marchetto, 70, conta que resolveu se matricular no curso porque só usava o celular para receber ligações, e, quando perguntava como fazer algo diferente, os filhos replicavam: "mas mãe, já te expliquei". Hoje, já mexe com galeria de fotos, aplicativos, Face, Instagram e outras funcionalidades. 


— Nosso ritmo é mais lento, mas vamos aprendendo.


Sua amiga Neiva Dagostini, 60, lembra que às vezes ainda precisa pedir auxílio à professora, como quando recebeu fotos no inbox, mas não tem problema.


— Todo dia tem uma coisa nova para se aprender. A tecnologia avançou, se a gente não acompanhar, para no tempo — sentencia.

Procura crescente

Apenas na UCS, são 19 as turmas de informática e novas tecnologias voltadas à terceira idade. A professora Andréia Velho Witt já trabalha há 15 anos com esse público, e seu irmão, o professor Fábio Velho, há nove. A procura vem aumentando, e o foco, se transformando. 


— De uns dois anos para cá, com a popularização dos smartphones, alguns alunos já chegam sabendo alguma coisa — diz Fábio.


Outros, entretanto, fazem questão de dizer que não sabem nem ligar o computador, e a maioria manifesta de início o medo de fazer algo errado e estragar o equipamento. Quanto às demandas, a maioria diz querer "aprender internet", o que em geral significa acessar as redes sociais.

Antes disso, entretanto, as aulas passam por tópicos básicos, como ligar, desligar, salvar, usar um pendrive, word, enviar e-mails e, no caso de smartphones, até mesmo usar o despertador e a agenda eletrônica.

Depois, evolui para tópicos mais avançados, como compras na internet.
Nos cursos particulares, nem sempre há turmas específicas para o público mais velho, mas procura-se agrupar as pessoas de acordo com as faixas etárias e interesses semelhantes.

Nos cursos particulares, nem sempre há turmas específicas para o público mais velho, mas procura-se agrupar as pessoas de acordo com as faixas etárias e interesses semelhantes.


— Os mais jovens buscam cursos mais voltados ao mercado profissional, pensando no currículo. Acima dos 50, já chegam dizendo "não sei nada, quero o básico". Querem se atualizar, gostam de internet, de postar no Facebook ou enviar fotos para amigos, e são principalmente mulheres — enumera Tais Isotton, que dá aulas na Amiga Informática.


Muitos dos alunos têm filhos ou netos fora do Brasil, acrescenta, e querem aprender novas formas de se comunicar com eles. Tais conta que também vem crescendo bastante a procura desse público por aulas particulares, e que recentemente a escola teve uma aluna de 86 anos que apresentou excelente desempenho. 


— Fazem porque querem aprender, e costumam ser mais interessados que a criançada — avalia outro professor do curso, Marcelo Pagno.

UCS participa de pesquisa internacional 

A Universidade de Caxias do Sul (UCS) está participando de uma pequisa internacional sobre aprendizagem digital de pessoas adultas e idosas na América Latina. O estudo, explica o coordenador do Programa UCS Sênior, Delcio Antônio Agliardi — um dos três pesquisadores locais envolvidos, juntamente com as professoras Vânia Heredia e Verônica Bohm —, é exploratório e se propõe a investigar a aprendizagem digital dessa população no âmbito das novas tecnologias de informação e de comunicação. 


Atualmente, cerca de 350 alunos do UCS Sênior participam de cursos de aprendizagem digital na instituição, e, destes, 297 — com idades entre 50 e 85 anos — responderam aos questionários da pesquisa, que seguem sendo aplicados.


Os dados já coletados indicam que, em Caxias, a maioria dos alunos é do sexo feminino (85,3%), na faixa etária dos 60 aos 75 anos (63,5%) e frequenta atividades de atualização em informática e formação para o uso de tablet e smartphone (34%). Além disso, os equipamentos que eles mais usam no dia a dia são notebook e smartphone.


Quanto ao principal motivo para continuar os estudos na área das tecnologias digitais, a maioria dos entrevistados (90,3%) afirmou que quer aprender a usar os equipamentos e aplicativos sozinho. Também é interessante observar a distribuição etária dos participantes: a maior faixa (32%) está entre os 60 e os 65 anos, seguido dos alunos entre 66 e 70 (19,85%). Aqueles entre 55 e 59 anos somam 19,3%, e os entre 50 e 54, 13,7%. Os restantes têm acima de 71. 


Ah, claro: a pesquisa foi respondida via computador, smartphone e tablet.


Memórias alimentam página no Facebook

Suzana Postali Fantinel, 76 anos, nasceu e sempre morou em São Pelegrino, acompanhando o crescimento do bairro e da própria história caxiense. Há dois anos, ela compartilha um pouco desse conhecimento e dessas histórias na página Vivendo São Pelegrino, no Facebook.

— As pessoas me diziam, "por que tu não escreve sobre isso?" — conta.


Professora aposentada, formada em Letras e em Biblioteconomia, ela hesitava, mas, em 2014, durante uma visita à filha caçula, que mora em Londres e é web designer, a página finalmente nasceu. Florença, a filha, é que criou a página para a mãe, ajudou com a primeira postagem e deu algumas dicas. De volta a Caxias, Suzana arregaçou as mangas: determinada a fazer um bom trabalho, contratou um professor particular para aprender o que precisava para manter a página sempre atualizada e atraente.


— Foi difícil, até agora às vezes ainda preciso chamá-lo — diz, acrescentando que usa o smartphone para fotografar imagens antigas do bairro e incrementar as postagens da página ("só texto não adianta").


Suzana também usa e-mail, tem um grupo de antigas colegas no WhatsApp e duas vezes por semana fala com a filha que mora fora pelo Wiber. Também ficou maravilhada com a facilidade para enviar, via aplicativo, documentos de família para uma prima.


— Cada dia, eu aprendo uma coisa nova.

Um mercado potencial

Enquanto muitos filhos não têm paciência de ensinar os pais a lidar com o computador, a jornalista Ana Carolina Sirtori, 29 anos, de Flores da Cunha, sempre deu dicas não apenas para os pais, mas também para os amigos deles. Assim, quando perdeu o emprego na área de marketing, há pouco mais de um mês, resolveu investir nessa área: dar aulas personalizadas para pessoas maduras que querem se incluir no mundo digital. Nascia assim a Sperto Tecnologias.

— A primeira cliente foi uma amiga da minha mãe, de 50 e poucos anos, que vende cosméticos e queria criar uma página no Facebook para isso — conta Ana.


As principais demandas, até agora, têm sido com relação a redes sociais, Skype e WhatsApp, além de configuração de smarphones. 


— São aulas extremamente personalizadas, focadas no que a pessoa tem interesse de aprender. A ideia é que se tornem autônomos, consigam se virar sozinhos.

Rede para buscar o amor

Assim como outros segmentos da tecnologia, o da paquera virtual está deixando de ser reduto exclusivo dos jovens. O site de relacionamento Coroa Metade, voltado a pessoas com mais 40 anos, completou quatro anos na semana passada como um case de sucesso — contabiliza 178 mil cadastros, com um crescimento de quase 100% neste ano.

E engana-se quem pensa que são apenas os quarentões que se arriscam por ali: segundo o diretor do site, o jornalista gaúcho Airton Gontow, 54, radicado em São Paulo, cerca de 25% dos usuários têm acima de 60 anos, e o número vem aumentando.

— Nossa projeção é de que, em cinco anos, esse público chegue a 50% — analisa Gontow.

O diretor avalia que as pessoas de 60 / 70 anos de hoje são completamente diferentes daquelas que tinha essa idade 50 anos atrás, investindo em cursos, em sonhos e também em amores. Outro aspecto, destaca, é que quem tem 60 muitas vezes já pegou a revolução da internet quando estava no mercado de trabalho, há 10 ou 15 anos, e procura seguir se atualizando.

Entre os cadastrados no Coroa Metade, 39% são homens, e 61%, mulheres.

Quando considerada apenas a região de Caxias do Sul e Bento Gonçalves, são 44% homens e 56% mulheres, com 11% deles e 13% delas acima de 60 anos. Uma curiosidade é que nessa faixa 62% deles e 68% delas querem namoro, mas não necessariamente casamento. 


Gontow conta que o público mais velho cresceu depois que, em fins do ano passado, o site passou a ser responsivo (completamente utilizável por dispositivos móveis). 


— Eles não querem esperar chegar em casa para usar o computador, querem poder acessar pelo celular ou tablet, no parque, no shopping, ou mesmo no sofá de casa — diz.

Em Veranópolis

As aulas ministradas no laboratório de informática da Secretaria de Educação e Cultura de Veranópolis sempre foram abertas a pessoas de todas as idades. Aos poucos, porém, foi-se percebendo que era grande a procura por parte de pessoas acima dos 50, que, muitas vezes, acabavam na mesma turma de crianças, apesar de os ritmos e os interessem desses dois públicos serem diferentes.

Por isso, desde julho, foram criadas quatro turmas especiais voltadas a alunos de 50 a 85 anos.

— São cerca de 35 alunos, que têm aulas uma vez por semana e aprendem desde o básico, como ligar o computador. Mas o interesse deles é mesmo as mídias sociais, Facebook, WhatsApp e outros — conta a titular da secretaria, Elis Regina Perachi Favero.


Os cursos, gratuitos, têm duração de meio ano. A formatura dessas primeiras turmas será no dia 22 de dezembro, e Elis conta que já há diversos interessados para o próximo ano.

Curiosidades

  • No Rio Grande do Sul, o índice de pessoas acima de 70 anos é o mesmo daquelas que têm de 30 a 34 anos, 7,7%, conforme dados da PNAD 2014

  • Segundo o IBGE, em 2004 a esperança de vida ao nascer para o brasileiro era de 71,6 anos de vida, passando a 75,1 anos em 2014; para as mulheres, ela é atualmente de 78,8 anos, e para os homens, de 71,6 anos

  • A Projeção da População por Sexo e Idade, realizada pelo IBGE, mostra uma tendência de aumento da proporção de idosos na população; em 2030, a previsão é de que a proporção seja de 18,6% com mais de 60 anos, e em 2060, de 33,7%

  • Também vêm-se observando um aumento no grupo com 80 anos ou mais de idade, que passou de 1,2% da população, em 2004, para 1,9%, em 2014

  • Ainda em 2014, grande parte das pessoas de 60 anos ou mais de idade era composta por mulheres (55,7%) e pessoas que se declararam como brancas (52,6%)



Vovloggers


Um comercial do Itaú, que mostra duas amigas de 79 e 80 anos vivendo uma "tarde digital" cheia de selfies e uso de aplicativos virou febre no YouTube, com 4,5 milhões de visualizações em seis meses. As mesmas "vovloggers" protagonizaram outros sete vídeos na série Chá Digitau, recebendo celebridades da internet, como Kéfera. Num deles, até aprendem a caçar Pokémons.


Telefones


Embora proliferem as propagandas de "celulares para idoso", aparelhos simples com teclas de números maiores e funcionalidades simples, muitos idosos procuram mesmo é smartphones. Neste caso, a demanda é por telas maiores e com teclados fáceis de operar. 

— Às vezes já pedem para a gente baixar aplicativo e ensinar a usar o Face ou editar fotos — conta Franciele Barbosa, da Commcenter.

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