Particularidades do solo, do clima e da geografia são determinantes na tipicidade dos vinhos e espumantes produzidos nos Campos de Cima da Serra
PUBLICADO EM 22 e 23 DE ABRIL DE 2017
TEXTO
Diego Adami
diego.adami@pioneiro.com
IMAGENS
Diogo Sallaberry
diogo.sallaberry@pioneiro.com
Felipe Nyland
felipe.nyland@pioneiro.com
INFOGRAFIA
Guilherme Ferrari
Há uma máxima que diz que terras boas para maçãs são, também, excelentes para vinhos. É assim no Oregon (EUA), na Nova Zelândia, no sul da Argentina e também nos Campos de Cima da Serra, uma das mais recentes áreas vitícolas do Rio Grande do Sul e que vem se destacando cada vez mais pela qualidade dos vinhos elaborados com as uvas lá produzidas. Experimentos da Embrapa Uva e Vinho realizados desde 2004 apontam que particularidades do solo, do clima e da geografia dessa região localizada entre 900 e 1100 metros acima do nível do mar são determinantes na tipicidade dos vinhos finos e espumantes produzidos pelas seis empresas estabelecidas atualmente em municípios como Campestre da Serra, Monte Alegre dos Campos, Muitos Capões e Vacaria. Uma região que, conforme o chefe-geral da instituição, Mauro Zanus, atribui "um forte sentido de lugar” aos seus rótulos, com características que os diferenciam de qualquer outra região do Estado e do país:
— A altitude, associada aos demais fatores naturais, tais como os solos profundos e a abertura ampla da paisagem, exercem um efeito marcante na tipicidade dos vinhos. Em função das temperaturas diurnas e noturnas serem mais baixas, as videiras têm um ciclo vegetativo mais longo, brotam mais tarde e são colhidas cerca de 30 a 45 dias posteriormente às demais regiões do Rio Grande do Sul. Os ventos constantes parecem também beneficiar as plantas, pois as folhas secam mais rápido, diminuindo a incidência de doenças nas folhas e nos cachos. Temos observado que as uvas apresentam maior conteúdo de pigmentos na casca, maior conteúdo de taninos e ácidos orgânicos (tartárico e málico).
Em relação aos vinhos, prossegue Zanus, observam-se brancos com excelente nível de acidez e pH, possibilitando a produção de vinhos frescos e espumantes finos. Ele afirma que a Sauvignon Blanc é um dos destaques da região, apresentando uma marcante característica varietal, com notas que se misturam entre o maracujá e o aspargo e um sutil herbáceo (broto de tomate), muito semelhante aos provenientes da Nova Zelândia, um país de clima frio e referência mundial na variedade.
No caso das tintas, os Pinot Noir, diferentemente dos elaborados em áreas mais quentes do Estado, como o Vale dos Vinhedos, principal região produtora do país, onde a altitude média é de 742m, apresenta uma elevada coloração e muito bom corpo e estrutura. Os Merlot e o Cabernet Sauvignon apresentam elevada intensidade de cor, são estruturados, de sabor complexo e conteúdo alcoolico equilibrado.
— Uma característica importante desses vinhos é seu elevado potencial de guarda, devido à estrutura polifenólica e ácida — explica o chefe da Embrapa
Em estudos mais recentes, destacam-se outras variedades, como a Petit Verdot, por exemplo.
— Sem dúvida alguma, as evidências de pesquisa coletadas até o momento, apontam que a região dos Campos de Cima da Serra tem um futuro muito promissor — vislumbra Zanus.
A opinião do chefe da Embrapa é compartilhada pela jornalista e sommelier Silvia Mascella Rosa, uma das maiores especialistas e entusiastas dos vinhos brasileiros. Apoiados quase na fenda dos cânions, os Campos de Cima da Serra são, conforme ela explica, uma zona de transição entre as serras gaúcha e catarinense, outra importante região produtora de uvas e vinhos, onde a altitude chega a 1400 metros e que projetou o Estado vizinho a uma posição de destaque na vitivinicultura nacional.
— Por estar no meio desses dois lugares, saem de lá vinhos de expressão diferente. É uma região de uvas de clima frio por excelência, em especial os brancos, que resultam em bom corpo, mas também tem se mostrado surpreendentemente boa para Cabernet Sauvignon e Pinot Noir. Os Campos de Cima da Serra deram uma nova gama de sabores aos vinhos brasileiros que não se encontrava com tanta facilidade — sentencia Silvia.
Segundo dados do Cadastro Vinícola de 2016, os municípios produtores de vinhos, finos e comuns, da região são: Bom Jesus, Campestre da Serra, Ipê, Jaquirana, Monte Alegre dos Campos, Muitos Capões, Pinhal da Serra, Vacaria. Juntas, as localidades respondem por cerca de 4% da produção total de Rio Grande do Sul.
Um dos pioneiros no plantio de maçãs em Vacaria, o empresário Raul Anselmo Randon foi quem abriu caminho para o cultivo de uvas nos Campos de Cima da Serra, há quase duas décadas. Dono de um império que inclui, entre outros, fabricantes de autopeças, implementos rodoviários e veículos, além de uma empresa de consórcios, percebeu, em 1999, o potencial da região para o desenvolvimento de videiras.
Em 2002, lançou o primeiro vinho da família RAR, em referência às iniciais de seu nome. Um corte 60% Cabernet Sauvignon e 40% Merlot para comemorar as Bodas de Ouro com a mulher, Nilva.
Atualmente, o portfólio da RAR conta com sete vinhos tranquilos (aqueles sem borbulhas) e três espumantes, entre eles o Cuvée Nilva Brut Rosé, lançado no ano passado por ocasião dos 60 anos de casamento. No total, a produção anual da RAR gira em torno de 80 mil a 90 mil garrafas, ainda que tenha vinhedos suficientes para produzir 600 mil. O excedente de produção de uvas é comercializado para outras cantinas.
Randon fala com orgulho da visita do enólogo francês Michel Rolland, em 2009, aos seus vinhedos. Naquele ano, Rolland esteve no país por conta de uma parceria com o Miolo Wine Group, que vinifica atualmente todos os rótulos da RAR.
— Ele foi conhecer e disse que é uma região muito boa — conta, elegendo o Pinot Noir como seu rótulo preferido.
O empresário também lembra com entusiasmo do avô, que plantava as variedades comuns Isabel e Bordô e de parentes que até hoje cultivam uvas em Pinheiro Preto (SC).
Por enquanto, a parceria com a Miolo adiou os planos de construir a própria vinícola, mas embora o empresário negue a intenção, comentários nos bastidores é de que não desistiu da ideia.
Com uma imponente construção em estilo açoriano localizada no interior do município de Muitos Capões, a Vinícola Fazenda Santa Rita é a primeira dos Campos de Cima da Serra a contar com uma unidade industrial própria para o processamento de uvas e elaboração de vinhos e espumantes. Fundada em 2012 por Agamenon Lemos de Almeida, empresário do agronegócio com foco em soja, milho e trigo, foi instalada em uma fazenda centenária com o objetivo de concentrar todo o processo da vinícola e alavancar o enoturismo da região.
Réplica da Casa da Alfândega de Florianópolis (SC), a edificação de 1.175 metros quadrados conta, além do espaço para vinificação, onde estão dispostos 26 tanques tanques de inox com capacidades entre mil e 10 mil litros e 38 barricas de carvalho francês, com recepção de visitantes e loja.
No subsolo, um painel com mais
de 300 sobrenomes preserva a identidade
das primeiras famílias açorianas
que povoaram o Brasil no século 18.
Estima-se que, de 1748 a 1756, mais de 6 mil açorianos chegaram ao país. A maior parte deles, cerca de 4 mil, se estabeleceu em Florianópolis e em outras cidades catarinenses. O restante chegou ao
Rio Grande do Sul por volta de 1752.
— Sempre fui apreciador de vinhos, especialmente os franceses, italianos e espanhóis. Fui vendo que também existia aqui um potencial para o vinho por conta da altitude, como Sauvignon Blanc e Pinot Noir, muito similar a Santa Catarina _ conta Agamenon.
— Queremos sim crescer em qualidade, mas não em quantidade. Estamos em fase de observação de como cada uva se comporta para ver o que se pode agregar.
De acordo com o Cadastro Vinícola, em 2015,
as uvas mais cultivadas (em toneladas) nos Campos de Cima da Serra foram:
Americanas:
Bordô: 23.136,69
Isabel: 3.425,01
Niágara Branca: 2.192,60
Viníferas:
Cabernet Sauvignon: 427,26
Moscato Embrapa: 259,57
Merlot: 230,57
Estimular o consumo por meio do enoturismo também é o foco da Vinícola Campestre, com sede em Campestre da Serra, que prevê para maio de 2018 a inauguração de um novo complexo às margens da BR-116, em Vacaria. A nova unidade ficará em um espaço de 84 hectares onde até 1997 funcionou o frigorífico Friva e contará com área construída de 16 mil metros quadrados para onde serão transferidas todas as linhas de envase, atualmente em Campestre, e a expedição. Ali também ficarão loja e recepção dos visitantes, que poderão percorrer toda a propriedade em passeios de charrete e visitas guiadas. Haverá ainda 35 hectares de vinhedos e 5 de oliveiras.
Tendo iniciado as atividades em 1968, a Vinícola Campestre é administrada por João Zanotto. Anualmente, produz cerca de 30 milhões de litros, entre vinhos finos e comuns, espumantes, sucos de maçã e uva e coolers.
— Eu só acredito em venda de vinho fino com o turismo. A pessoa compra quando ela vê, experimenta. O Vale dos Vinhedos começou a crescer por causa das visitas — salienta Zanotto. — O que a gente quer é não perder o lado rústico. Claro que tem que ter as tecnologias, mas manter o rústico, que é o que nos identifica — completa.
Ermano Varaschin Junior cita o bisavô Antônio e o avô Firmino, ambos de origem italiana, ao contar a tradição da família no cultivo de uvas e produção de vinhos nos Campos de Cima da Serra.
— Tomei vinho a vida inteira — lembra o engenheiro agrônomo.
É dele a responsabilidade de conduzir a vinícola Sopra, um dos negócios da Varaschin Agroflorestal, que também tem em seu portfólio o plantio e a comercialização de maçãs e de grãos como soja, milho e trigo. Como os outros vitivinicultores da região, ele também apostou no potencial dos Campos de Cima da Serra para diversificar o negócio e aos poucos assume seu lugar em um mercado que se desenvolve a cada ano.
Hoje em dia, a Sopra elabora sete rótulos, sendo cinco vinhos e dois espumantes. A produção anual gira em torno de 20 mil garrafas.
— Acredito que o diferencial dos vinhos desta região é o fato de serem extretamente gastronômicos, ou seja, acompanharem muito bem comidas. Por causa da altitude, têm uma acidez equilibrada, mas ainda estamos descobrindo o que cada variedade tem a oferecer — acredita Varaschin.
— Nossa filosofia é obter expressão máxima do terroir Campos de Cima da Serra.
A enóloga Paula Guerra Schenato, da Aracuri, repete como um mantra a frase que se tornou comum entre os produtores de vinhos da região. Pudera. É difícil encontrar (se é que existe) quem contrarie a afirmação de que os rótulos lá elaborados têm personalidade própria, resultado da combinação de fatores dificilmente encontrados em outras regiões vinícolas Brasil afora.
— A ideia é usar a tecnologia, mas sem modificar as características de aromas e sabores da fruta — afirma Paula.
Resultado da paixão de seus criadores, os produtores de maçã Henrique Aliprandini e João Meyer, pelo vinho, a Aracuri teve a primeira safra em 2007. Com vinhedos plantados em uma área de 12 hectares em Muitos Capões, produz atualmente cerca de 45 mil garrafas por ano, distribuídas entre 10 vinhos tranquilos e três espumantes, com destaque para o Sauvignon Blanc entre os brancos, o Cabernet Sauvignon Collector nos tintos e o brut rose entre os espumantes.
Outro destaque é o Reduto, elaborado com uvas 100% Merlot submetidas, após a colheita, à desidratação natural antes do processamento, resultando num vinho estruturado, potente e com aromas intensos.
O economista José Sozo é outro que
resolveu diversificar os negócios, até então
focados na produção de maçãs.
Em 2004, seguindo os passos de Raul Randon, foi o segundo da região a lançar um vinho: um Cabernet Sauvignon Reserva que resultou muito bom em função de uma safra marcada pelo clima seco.
Atualmente, são nove hectares plantados no município de Monte Alegre dos Campos, sendo Chardonnay e Pinot Noir as principais. No entanto, quem gosta de se aventurar pelo universo das variedades menos populares, tem na Sozo uma boa oportunidade de degustar um rótulo 100% Petit Verdot, também conhecida como “a pimentinha dos assemblages”, por conferir uma leve picância nos cortes em que é inserida, normalmente entre 3% e 4,5%.
— Como varietal é mais como curiosidade mesmo. Tem boa estrutura e corpo e aromas que lembram raízes e terra _ explica.
Sozo também é dos poucos, senão o único da região a produzir as variedades Cabernet Franc e Teroldego, que dão origem a vinhos de acidez bem dosada e taninos equilibrados.
— Temos que ir com muita cautela. Sabemos que temos um negócio precioso nas mãos, mas vamos devagar. Ainda estamos procurando um nicho — resume.
A convite do Almanaque, cada uma das vinícolas forneceu vinhos e espumantes para uma degustação às cegas da qual participaram o enólogo e presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Edegar Scortegagna, o agrônomo e enólogo Jefferson Sancineto Nunes, a jornalista e sommelier Mirian Spuldaro, a sommelier e consultora Renata Formolo e o sommelier da Boccati Vinhos Rodrigo Webber Drum. Confira o resultado:
Espumantes
88,8 Sopra Santé Brut Rosé
88 Fazenda Santa Rita Casa Portuguesa Brut
88 RAR Cuvée Nilva Brut Rosé
87,6 Aracuri Brut Rosé
87,4 Zanotto Brut
87,4 Fazenda Santa Rita Villa Açoriana Brut
87,4 Zanotto Moscatel
87,2 RAR Cuvée Brut
87,2 Sozo Imagination Extra Brut
86,4 Sopra Santé Brut
84,4 Aracuri Brut
82,2 Sozo Brut
Brancos
88,4 RAR Collezione Sauvignon Blanc
88,4 Fazenda Santa Rita Sauvignon Blanc
87,4 Sozo Chardonnay Reserva
85,6 Zanotto Chardonnay
85,4 Aracuri Sauvignon Blanc
Tintos
90 Sozo Petit Verdot
89,6 Aracuri Collector Cabenet Sauvignon Sauv
87,4 RAR Collezione Pinot Noir
87,2 Sopra Merlot
87 Fazenda Santa Rita Pinot Noir
85,8 Sopra Pinot Noir
80,6 Zanotto Merlot
Elaborado pelo método tradicional com as uvas Chardonnay e Pinot Noir, tem coloração rosa cereja muito clara e aroma intenso, com notas florais e frutadas. Em boca, é fresco, tem bom volume de corpo, acidez equilibrada e persistência média.
De cor amarelo palha, límpido, transparente e brilhante, revela aromas intensos e complexos em notas florais que remetem a jasmim e toques vegetais elegantes que lembram broto de tomate, característico da variedade. Em boca, tem bom equilíbrio entre acidez e álcool e boa peristência.
Vinho de cor púrpura com reflexos violáceos que apresenta aromas muito complexos e um excelente buquê, com notas que lembram menta, canela, cânfora, chá de cidreira, erva doce e alcaçuz. Em boca, é intenso, com boa persistência e volume de boca e taninos macios.
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