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O caminho das terapias
alternativas

Nos fundos da UBS São Caetano, o “relógio do corpo humano” ajuda a indicar quais as plantas apropriadas para consumir em determinados horários


Texto
Andrei Andrade
andrei.andrade@pioneiro.com

Fotos
Diogo Sallaberry
diogo.sallaberry@pioneiro.com
Vera Mari Damian, divulgação 

Sentados em cadeiras que formam um círculo numa das salas da Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro São Caetano, em Caxias do Sul, quatro funcionárias do postinho e sete moradores trocam experiências e conhecimentos sobre plantas não-comestíveis, como a coroa-de-cristo, copo-de-leite, mamona, comigo-ninguém-pode, beladona. Na manhã da última quinta-feira, esse era o tema do encontro semanal dos usuários que cultivam e se beneficiam da horta plantada nos fundos do prédio. Desde 2014, a comunidade conta com um "relógio do corpo humano" que orienta sobre as plantas mais apropriadas para consumir em determinadas horas do dia, de acordo com a medicina chinesa. Estimular a promoção da saúde por tratamentos alternativos e terapias complementares é uma inciativa que ainda engatinha em Caxias do Sul, mas que conta com boa vontade da Secretaria Municipal de Saúde de implantar uma política municipal, inclusive com uma comissão dedicada especificamente a isso.

— Nossa vontade é apresentar até o meio do ano uma política de práticas integrativas na Câmara de Vereadores, para que se perpetue. Temos muitos servidores com formação em acupuntura, yoga, reiki. Seria ótimos formarmos grupos de yoga em algumas unidades, por exemplo. Mas temos que ir passo a passo e o primeiro é ter a política aprovada para das embasamento — aponta a nutricionista Cintia Brustolin, uma das responsáveis pelo horto do São Caetano.

Conhecimentos e técnicas ancestrais como fitoterapia, yoga, meditação e acupuntura vêm sendo recomendados pelo Ministério da Saúde através da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Da primeira portaria, em 2006, até hoje, 29 tratamentos terapêuticos foram incluídos no Sistema Único de Saúde (SUS) — sendo os 10 mais recentes adicionados em março deste ano (confira a cronologia na página XX). A intenção não é competir com a Medicina Baseada em Evidências (MBE), mas servir como método preventivo para ter uma população menos medicada e mais saudável física e mentalmente. Primeira PIC a ser implementada em Caxias, fitoterapia e ervas medicinais sabedorias milenar que auxiliam na cura de uma série de doenças. Para os usuários da UBS São caetano, na maioria senhoras e senhores de terceira idade, representa ainda mais: é um ganho enorme em convívio e prática corporal. 

— É muito importante resgatar o autocuidado. Não transferir toda a tua saúde para o outro, mas sim discutir o que a população pode fazer por si. Isso envolve alimentação mais saudável, o convívio com a vizinhança que se perdeu muito. Quando não há isso, procura-se a medicação, mas sem tratar a causa. E as práticas ajudam a atacar muitas dessas causas. Melhorar o estilo de vida diminui a necessidade de medicação — acrescenta a nutricionista.

Aos 71 anos, Ceura Figueiredo é uma das mais assíduas e interessadas frequentadoras do grupo, contribuindo com diversas mudas para a horta. No último encontro, levou poliparoba. Ceura recorda que na infância era parte da brincadeira experimentar plantinhas, da mesma forma que os tratamentos também eram feitos com chás ou usos diversos das ervas (como esfregar na pele).

— Faz mais de 60 anos que eu gosto e convivo com ervas, flores, mato, mas sem tanto conhecimento. Aqui a gente aprende coisas que são importantes, como a utilidade de cada planta para a saúde, qual chá tomar quando dá uma dor. É um conhecimento que a gente leva daqui pra nossa casa, pra ajudar quem a gente conhece — diz.

Participante desde o começo do projeto, Fátima Testolin, 54, também se entusiasma ao comentar sobre os benefícios da fitoterapia (da qual ela desfruta muito antes de saber que tinha esse nome):

— Minha mãe sempre tratou os filhos com chá de ervas, porque morávamos na colônia e não tínhamos muito acesso a remédios. Ela fazia emplastros com as folhas para curar as feridas. Aqui eu compartilho essas lembranças, tiro dúvidas e aprendo coisas novas. Toda semana antes do encontro, por exemplo a gente come alguma coisa preparada por elas com algum alimento daqui — explica (o prato da última semana foi guacamole).


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A aposentada Ceura Figueiredo é uma das participantes mais ativas do grupo



Documento
A íntegra da Política de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde pode ser acessada em: https://bit.ly/2rOz2l0

Passos ainda incipientes

A inserção das Práticas Integrativas e Complementares na rede pública em Caxias é norteada por uma nota técnica emitida pela Secretaria Estadual de Saúde em dezembro do ano passado. Entre outras diretrizes, o documento orienta as prefeituras a elaborar um plano de ação que parta da formação de um núcleo multiprofissional para diagnosticar as necessidades de saúde de cada bairro, além de sugerir a identificação de profissionais que tenham habilitação, experiência e interesse em formação. Por fim, a nota elenca diferentes formas de financiar estes serviços, elencando programas de incentivo. É na parte de busca servidores interessados e capazes que se encontra a comissão responsável pelas PIC, liderada pela diretora técnica de Estratégia Saúde da Família (ESF).

— Estamos no processo de levantamento de dados e análise de indicadores da própria comunidade para definir o que seria mais importante para o município. Hoje a gente já identifica que a comunidade sente falta de coisas que mexam diretamente com o corpo, por exemplo. Muitos pacientes com dores crônicas certamente se beneficiariam de práticas corporais, como um complemento ao auxílio da medicina ocidental — avalia Maria Elenir.

Em setembro do ano passado, uma jornada de debates promovida pela SMS em parceria com a UCS abordou os benefícios das práticas integrativas com especialistas de diversas áreas, além de receber convidados para ministrar oficinas em algumas destas práticas, como tai chi chuan, biodança, meditação e terapia de florais. No início deste ano, a região dos bairros Esplanada, São Caetano, Alvorada e Salgado Filho passou a contar com o projeto-piloto UBS+, que reforça o atendimento na atenção básica e oferece algumas práticas corporais. São pequenos passos ensaiados enquanto não se desenha um cenário mais favorável à adoção das Práticas Integrativas enquanto política do município.

— Estamos começando uma caminhada, cujo primeiro passo é apresentar a proposta para os vereadores e nosso setor de Controle Social. Mesmo nessa fase incipiente, sabemos que tudo aquilo que for possível oferecer, dentro da nossa realidade, será muito importante para ter uma população mais saudável — finaliza Maria Elenir.

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Usuários são estimulados a levar as próprias mudas e compartilhas experiências




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Momento complicado do SUS é entrave

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A inclusão das Práticas Integrativas e Complementares no SUS motivou uma nota de contrariedade do Conselho Federal de Medicina, publicada no último dia 12 de março. A autarquia avalia que elas “não têm resolubilidade e não têm fundamento na Medicina Baseada em Evidência (MBE)”, de acordo com trecho do documento. Ainda no documento, o presidente do CFM, Carlos Vital, manifesta que “a aplicação de verbas nessa área onera o sistema, é um desperdício e agrava ainda mais o quadro do SUS com carências e faltas”.

Favorável às PIC, a secretária municipal de Saúde de Caxias do Sul, Deysi Piovesan, médica psiquiatra, entende que a posição do CFM é motivada por reserva de mercado, o que considera algo comum a órgãos reguladores de diversas categorias no Brasil. Para a secretária, não se trata de substituir as práticas convencionais por terapias alternativas, mas sim de agregar ambos os conhecimentos. O que mais a preocupa, contudo, é a situação atual do SUS, com o congelamento de gastos que põe em xeque a saúde pública

– O modelo biomédico é fundamental, mas é claro que há espaço para outras práticas, que podem dar conta de um percentual bem significativo de sofrimento das pessoas. Nossa maior dificuldade é pelo momento do SUS. Há uma intenção forte do governo federal em esvaziar o SUS na medida em que a gente não tem recursos financeiros para políticas públicas, devido congelamento. Diante desta preocupação, até mesmo algo que a gente acredita e defende, como as PICs, acabam ficando em segundo plano pro conta da sobrecarga de demanda– destaca.

A secretaria também classifica como “esquizofrênica” a questão de que novas práticas integrativas tenham sido anunciadas concomitantemente ao cenário de extrema dificuldade em manter o SUS forte:

– É totalmente contraditório. Tu vês iniciativas de profissionais que acreditam no SUS formulando políticas, conseguindo a afirmação e aprovação dessas políticas, mas aí vai lá outro poder instituído, que é o governo federal, e retira o recurso. Sem dúvida é uma situação esquizofrênica ter duas coisas tão antagônicas ocorrendo ao mesmo tempo.

“O modelo biomédico é funda-
mental, mas há espaço para outras práticas que podem dar conta de um percentual significa- tivo do sofrimento das pessoas”

As 29 Práticas Integrativas

  • Acupuntura
  •  Antroposofia 
  •  Arteterapia 
  •  Ayurveda 
  •  Apiterapia 
  •  Aromaterapia 
  •  Biodança 
  •  Bioenergética 
  •  Constelação familiar 
  •  Cromoterapia  
  •  Dança circular 
  • Geoterapia 
  • Hipnoterapia 
  • Homeopatia 
  • Imposição de mãos
  • Fitoterapia
  • Meditação 
  • Musicoterapia 
  • Naturopatia 
  • Osteopatia 
  • Ozonioterapia 
  • Quiropraxia 
  • Reflexoterapia 
  • Reiki 
  • Shantala 
  • Terapia comunitária integrativa 
  • Terapia de florais 
  • Termalismo 
  • Yoga

Terapeutas cobram celeridade

Apoiados pelo Projeto de Lei 83/2016, da vereadora Denise Pessôa (PT), que cria o Programa de Terapias Integrativas e Complementares para atendimento à população caxiense pelo SUS, um grupo de cerca de 30 terapeutas atuantes em Caxias cobra maior agilidade da prefeitura na implantação das Práticas Integrativas e Complementares em Caxias.

Intitulado PICs SUS, o grupo tem oferecido sessões gratuitas de reiki, meditação, ginástica chinesa e dança circular em praças e parques da cidade, também como forma de divulgar a importância destas sabedorias ancestrais. Há cerca de um ano, representantes foram recebidos pelo prefeito Daniel Guerra, ocasião em que sugeriram a criação de um núcleo específico para favorecer a implantação das PICs no município. No entanto, reclamam que não foram mais chamados para conversar, além de ter ficado de fora da comissão criada na SMS.

– A iniciativa cabe ao prefeito, é ele quem tem que estabelecer, junto à Secretaria de Saúde, o credenciamento dos terapeutas, os procedimentos que poderão ser feitos e a destinação dos recursos. Os terapeutas têm competência legal para atuar nas UBSs e nós queremos ser chamados para ajudar na implantação das PICs em Caxias. Temos interesse, capacidade e competência legal para isso – ressalta o terapeuta Moacir Leon, membro do grupo e vice-presidente do Sindicato dos Terapeutas do Rio Grande do Sul.

Sobre a intenção do município de procurar entre os próprios servidores aqueles capacitados para oferecer as PICs, Moacir avalia que, com a política correta, é possível buscar recursos federais e estaduais para investir no programa:

– O Ministério da Saúde está muito interessado e a prefeitura tem esse conhecimento. O que insisto é que, embora o projeto na Câmara ajude, isso é uma responsabilidade do executivo. Nós estamos à disposição para ajudar.

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Uma das ações do grupo PICs SUS, que oferece práticas gratuitas à população


“Os terapeutas têm compe- tência legal para atuar nas UBSs e nós queremos ser chamados para ajudar na implan-tação das PICs”

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