Sentados em cadeiras que formam um círculo numa das salas da Unidade Básica de Saúde (UBS) do bairro São Caetano, em Caxias do Sul, quatro funcionárias do postinho e sete moradores trocam experiências e conhecimentos sobre plantas não-comestíveis, como a coroa-de-cristo, copo-de-leite, mamona, comigo-ninguém-pode, beladona. Na manhã da última quinta-feira, esse era o tema do encontro semanal dos usuários que cultivam e se beneficiam da horta plantada nos fundos do prédio. Desde 2014, a comunidade conta com um "relógio do corpo humano" que orienta sobre as plantas mais apropriadas para consumir em determinadas horas do dia, de acordo com a medicina chinesa. Estimular a promoção da saúde por tratamentos alternativos e terapias complementares é uma inciativa que ainda engatinha em Caxias do Sul, mas que conta com boa vontade da Secretaria Municipal de Saúde de implantar uma política municipal, inclusive com uma comissão dedicada especificamente a isso.
— Nossa vontade é apresentar até o meio do ano uma política de práticas integrativas na Câmara de Vereadores, para que se perpetue. Temos muitos servidores com formação em acupuntura, yoga, reiki. Seria ótimos formarmos grupos de yoga em algumas unidades, por exemplo. Mas temos que ir passo a passo e o primeiro é ter a política aprovada para das embasamento — aponta a nutricionista Cintia Brustolin, uma das responsáveis pelo horto do São Caetano.
Conhecimentos e técnicas ancestrais como fitoterapia, yoga, meditação e acupuntura vêm sendo recomendados pelo Ministério da Saúde através da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Da primeira portaria, em 2006, até hoje, 29 tratamentos terapêuticos foram incluídos no Sistema Único de Saúde (SUS) — sendo os 10 mais recentes adicionados em março deste ano (confira a cronologia na página XX). A intenção não é competir com a Medicina Baseada em Evidências (MBE), mas servir como método preventivo para ter uma população menos medicada e mais saudável física e mentalmente. Primeira PIC a ser implementada em Caxias, fitoterapia e ervas medicinais sabedorias milenar que auxiliam na cura de uma série de doenças. Para os usuários da UBS São caetano, na maioria senhoras e senhores de terceira idade, representa ainda mais: é um ganho enorme em convívio e prática corporal.
— É muito importante resgatar o autocuidado. Não transferir toda a tua saúde para o outro, mas sim discutir o que a população pode fazer por si. Isso envolve alimentação mais saudável, o convívio com a vizinhança que se perdeu muito. Quando não há isso, procura-se a medicação, mas sem tratar a causa. E as práticas ajudam a atacar muitas dessas causas. Melhorar o estilo de vida diminui a necessidade de medicação — acrescenta a nutricionista.
Aos 71 anos, Ceura Figueiredo é uma das mais assíduas e interessadas frequentadoras do grupo, contribuindo com diversas mudas para a horta. No último encontro, levou poliparoba. Ceura recorda que na infância era parte da brincadeira experimentar plantinhas, da mesma forma que os tratamentos também eram feitos com chás ou usos diversos das ervas (como esfregar na pele).
— Faz mais de 60 anos que eu gosto e convivo com ervas, flores, mato, mas sem tanto conhecimento. Aqui a gente aprende coisas que são importantes, como a utilidade de cada planta para a saúde, qual chá tomar quando dá uma dor. É um conhecimento que a gente leva daqui pra nossa casa, pra ajudar quem a gente conhece — diz.
Participante desde o começo do projeto, Fátima Testolin, 54, também se entusiasma ao comentar sobre os benefícios da fitoterapia (da qual ela desfruta muito antes de saber que tinha esse nome):
— Minha mãe sempre tratou os filhos com chá de ervas, porque morávamos na colônia e não tínhamos muito acesso a remédios. Ela fazia emplastros com as folhas para curar as feridas. Aqui eu compartilho essas lembranças, tiro dúvidas e aprendo coisas novas. Toda semana antes do encontro, por exemplo a gente come alguma coisa preparada por elas com algum alimento daqui — explica (o prato da última semana foi guacamole).
A aposentada Ceura Figueiredo é uma das participantes mais ativas do grupo
A inserção das Práticas Integrativas e Complementares na rede pública em Caxias é norteada por uma nota técnica emitida pela Secretaria Estadual de Saúde em dezembro do ano passado. Entre outras diretrizes, o documento orienta as prefeituras a elaborar um plano de ação que parta da formação de um núcleo multiprofissional para diagnosticar as necessidades de saúde de cada bairro, além de sugerir a identificação de profissionais que tenham habilitação, experiência e interesse em formação. Por fim, a nota elenca diferentes formas de financiar estes serviços, elencando programas de incentivo. É na parte de busca servidores interessados e capazes que se encontra a comissão responsável pelas PIC, liderada pela diretora técnica de Estratégia Saúde da Família (ESF).
Usuários são estimulados a levar as próprias mudas e compartilhas experiências
Apoiados pelo Projeto de Lei 83/2016, da vereadora Denise Pessôa (PT), que cria o Programa de Terapias Integrativas e Complementares para atendimento à população caxiense pelo SUS, um grupo de cerca de 30 terapeutas atuantes em Caxias cobra maior agilidade da prefeitura na implantação das Práticas Integrativas e Complementares em Caxias.
Uma das ações do grupo PICs SUS, que oferece práticas gratuitas à população
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