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Por priorizar a formação afetiva dos filhos, o casal caxiense Gilvan e Andréia Menegotto escolheu uma escolinha que trabalhasse a infância desacelerada

Infância em recuperação

Tirar os filhos do convívio excessivo com a tecnologia se tornou um dos principais dilemas para mães e pais


Texto
Andrei Andrade
andrei.andrade@pioneiro.com

Fotos
Diogo Sallaberry
diogo.sallaberry@pioneiro.com
Marcelo Casagrande
marcelo.casagrande@pioneiro.com
Felipe Nyland
felipe.nyland@pioneiro.com

Impor limites, mas combiná-los antes ao invés de expor que havia limites só após o problema acontecer. Essa filosofia tem servido para Gilvan, 45 anos, e Andréia Menegotto, 35, como forma de evitar que os filhos Pedro Henrique, seis anos, e Antônio, três, tenham reações inesperadas desde o supermercado até a casa da vovó. Da mesma forma, também funciona para evitar que a dupla exagere no tempo que passa em frente à televisão ou ao tablet, de olho em animações e programas infantis.

– A gente tem o que chama de “grilo”, que é o despertador do próprio tablet, que avisa quando passou os 15 ou 20 minutos que eles podem ficar no aparelho. Como já estava combinado que seria assim, eles aceitam numa boa e vão fazer outra coisa – explica a mãe.

Antônio (E) e Pedro Henrique Menegotto respeitam a lista de deveres domésticos exposta na sala. Tablet, só por 20 minutos diários
Por conciliarem o papel familiar com a atuação profissional, Gilvan e Andréia contam com uma babá pela manhã e à tarde deixam os meninos na escolinha. A preocupação com o melhor desenvolvimento das crianças também incluiu a procura pela escola, razão que os fez visitarem três instituições até encontrar aquela que, na opinião do casal, cumprisse com o principal: privilegiar o afeto.

– Muitos pais têm alguns anseios que acabam descarregando nos filhos. Querem que aprendam logo uma segunda língua, que sejam o primeiro da turma a aprender a ler. E às vezes essa cobrança acaba estragando uma etapa muito importante, que é desenvolver o lado lúdico. Por isso, a própria escolha da escolinha foi baseada em cima dos nossos valores. Mas isso só é possível conhecendo a direção, os professores. Tem que sentir isso, não adianta comprar pelo discurso – ressalta Gilvan.

Educadora e diretora de escola infantil há 23 anos, Vânia Servelin identificou nas recentes mudanças de comportamento de pais e filhos a necessidade de revisar o plano educacional da sua escolinha, localizada no Centro de Caxias. A antiga angústia em criar filhos prodígios deu vez à preocupação de que os filhos desenvolvam habilidades sociais, fator que leva a procurar a escolinha antes mesmo da idade obrigatória, de quatro anos.

– Muitos pais procuram a escola porque percebem que suas crianças, mesmo com avós ou babás, são muito sozinhas e desenvolvem uma tendência ao egocentrismo que a gente também percebe. Isso tem a ver com serem tratadas como reis e rainhas, escolhendo o que vão comer, com o que vão brincar, às vezes até para onde a família vai viajar. Na intenção de proteger, acabam evitando que as crianças experimentem sentimentos e situações importantes para o crescimento delas, como emprestar um brinquedo, ajudar a arrumar a sala – ressalta.

A dosagem certa da exposição das crianças a brinquedos, aparelhos eletrônicos e vídeos na internet é outra preocupação levada em conta no ambiente da escolinha, na medida em que se faz necessário estimular, além da socialização, a imaginação e a criatividade.

– Em função de toda a tecnologia, há brinquedos cada vez mais cheios de recursos para chamar a atenção das crianças, mas com os quais elas não interagem muito, não inventam nada, não criam soluções. Elas apertam um botão, veem o que acontece e logo perdem o interesse. Não treinam memória, nem criatividade. E como os primeiros anos são primordiais para o desenvolvimento, quanto mais eles usarem as suas aptidões, melhor – avalia.  
Sophia Dambros trocou boa parte do tempo de tablet pelos instrumentos...
...e pelas brincadeiras com os vizinhos, que incluem bicicleta e pega-pega
– A musicalização para as crianças, principalmente entre quatro e sete anos, traz benefícios para a parte de cognição, psicomotora, social e afetiva, que é onde eu percebo que elas estão muito carentes. A educação mudou muito. O acesso à tecnologia é muito mais natural do que para as outras gerações.

Também por ser mãe de um menino, minha preocupação é que a educação seja equilibrada. Eles não podem ficar fora desse mundo digital, mas ao mesmo tempo é preciso oferecer a eles oportunidades de desenvolver um lado mais humanizado.

Ainda segundo a educadora, outro aspecto do ensino da arte para crianças que cumpre um importante papel de transformação é a aculturação, que se dá pelo contato com outras referências culturais. Em outras palavras, seria como aprender a “pensar fora da caixa”.

– As crianças estão muito expostas ao que toca na mídia e nem sempre é algo legal pra elas. Na escola elas têm acesso a outros tipos de música que nem imaginam que exista e acabam desenvolvendo um senso crítico. Um fato interessante é que nessa idade as crianças ainda são muito receptivas ao que os pais ou professores sugerem. Mais tarde elas podem começar a ficar mais rebeldes e desenvolver aquela predisposição a ser contrária a tudo.

A mãe de Sophia percebe essa influência no comportamento da filha:

– Do jeitinho dela, ela já sabe diferenciar a música boa da que não é. Às vezes a música tem uma melodia boa, um ritmo bom, mas a letra não é tão bacana pra ela.