Gabriel era comissário de voo. A irmã, Eleonora, era servidora pública em Florianópolis, quando uma despretensiosa visita a uma fábrica de tecidos despertou em ambos as melhores memórias da infância no lanifício da família, que se mistura com a história da indústria têxtil de Caxias do Sul. O passeio originou o sonho que logo virou realidade, de abrir uma confecção que devolvesse ao sobrenome a identificação com o vestuário de alta qualidade e com o tratamento humanizado que percebiam faltar nas lojas de grandes redes, sempre tão impessoais. Sócios da Gianella & Mondadori desde 2012, os dois bisnetos de Matteo e Ermelinda Gianella, fundadores do Lanifício Gianella, abriram na última quarta-feira a exposição Tecendo Histórias, Vestindo Gerações, que resgata a trajetória de 103 anos desde a instalação da fábrica, no bairro Santa Catarina. A mostra poderá ser conferida até o próximo dia 22, no Shopping Bourbon San Pellegrino.
Composta por cerca de 80 itens, a memorabilia traz cobertores, sobretudos, ponchos e palas produzidos no lanifício; objetos pessoais e materiais de escritório de Matteo; artigos que serviram para campanhas publicitárias, além de uma linha do tempo em texto e fotos da fábrica em seus anos dourados, cedidas pelo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami. Também traz um mapa com os nomes de ruas, escolas e edifícios cujos nomes homenageiam membros de diferentes gerações da família. Mais do que contar a história, a intenção é fazer com que pessoas que tiveram ligação com a empresa, que no seu auge chegou a ter cerca de 800 funcionários, possam reativar lembranças e compartilhar suas vivências.
– A saudade que ex-funcionários têm da empresa é o que mais chama a nossa atenção. Hoje as pessoas gostam de trabalhar na Randon ou na Marcopolo pelos grandes complexos que são, e o lanifício representava isso para a época. Embora fosse uma estrutura rústica, de chão batido, os funcionários amavam e se orgulhavam do seu ofício. Hoje a gente vê pessoas que trabalham com todo o conforto e reclamam – compara Gabriel, 37 anos.
Eleonora, que brinca que o irmão poderia ser a reencarnação de Matteo, pela personalidade agregadora característica atribuída ao bisavô, considera que o acolhimento era uma característica especialmente da esposa de Matteo, Ermelinda Gianella, que administrou o braço de fiação da empresa, cuja marca mais conhecida era a Fios Vovó.
– É opinião unânime que ela era uma grande mulher, a grande personagem da família. Matteo Gianella chegou onde chegou por causa dela. A gente sempre ouve que ela não tinha só quatro filhos, mas sim o bairro Santa Catarina inteiro era filho dela – destaca a bisneta.
Reprodução de caminhas produzidas para expor no estande do lanifício na Festa da Uva, em 1950
Entre os produtos produzidos pelo lanifício há cobertores, palas e cachecóis
Objetos pessoais de Matteo Gianella fazem parte dos mais de 50 itens da exposição
Nascido na região de Piemonte, na Itália, em 1883, Matteo Gianella já tinha experiência no trabalho com tecelagem quando migrou para a América, aos 17 anos. Após alguns anos morando em Buenos Aires, migrou para Caxias do Sul em 1914 e no ano seguinte conheceu Ermelinda Viero, que viria a ser sua esposa pelo resto da vida. Inauguraram o próprio lanifício em 1915. Inteligente e criativo, Matteo construiu muitas das primeiras máquinas do empreendimento, que tinha como carro-chefe bacheiros para montaria. Conforme os negócios se expandiam, deram início a novas marcas, como a Fiação Ermelinda Gianella e as Confecções Sul-Brasileiro. Ao mesmo tempo, tornavam-se cada vez mais conhecidos pelo engajamento comunitário, contribuindo principalmente no surgimento da Paróquia de Santa Catarina.
Matteo e Ermelinda tiveram quatro filhos: Remo, Doviglio, Itália e Elite. Com a morte de Matteo, em 1942, coube à viúva e aos filhos mais velhos, Remo e Doviglio, tocar em frente o lanifício até o encerramento da empresa, no final dos anos 1980. Ermelinda morreu em 1969.
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