Que crédito você daria para os casos de crianças de dois, três anos que testemunham supostas aparições dentro de casa ou na rua e até mesmo conversam com amigos nas quais os adultos sabidos e descrentes não enxergam? Essas situações exploradas de forma espetacular em filmes de terror como o recente Hereditário, sucesso de bilheteria ao arrecadar R$ 105 milhões apenas nas primeiras semanas de exibição nos EUA, pela franquia Invocação do Mal ou no clássico O Iluminado encontram eco na vida real.
Na versão de homens e mulheres maduros, as narrativas sobre assombrações geralmente são moldadas pelo cenário da velha casa abandonada e pelo temor de uma porta entreaberta, algo muito parecido com o que cineastas tentam transmitir por meio de truques cinematográficos. As crianças, por sua vez, trazem outra perspectiva sobre a convivência com o desconhecido, o que é explicado de forma diferente por religiosos e psicanalistas — leia mais sobre isso abaixo. Se os céticos consideram essa situação como algo passageiro e normal para o crescimento da criança, há quem a encare como algo do sobrenatural. Famílias que preferiram não se identificar devido ao preconceito que cerca o tema contam histórias de arrepiar.
Distante das teorias de religiosos e psicanalistas, uma mãe de 33 anos prefere acreditar que a filha de quase dois anos passa por um momento de imaginação fértil. Ela afirma ter vivido, ao lado do marido, uma experiência assustadora desde que a pequena passou a enxergar um menino no apartamento da família. O que para muitos pode ser visto como bobagem ou amigo imaginário, para o casal se tornou quase um drama, pois a suposta aparição trouxe momentos de pavor.
— O medo ocorria quando ela olhava para a porta do nosso quarto, que estava aberta, mas não havia nada. Mesmo com a luz acesa, ela enxergava esse menino. Não explicava o que via, dizia apenas que era um menino — conta a mulher.
A tal aparição sempre se manifestava à noite, por volta das 20h30min. Na primeira vez, o casal assistia TV e menina apoiou-se no encosto do sofá, de onde visualizou o menino no sentido contrário da sala. Depois, a experiência se repetiu por 10 dias seguidos. O guri misterioso estava sempre posicionado na direção da porta do quarto do casal.
— Aconteceu uma vez de eu estar com ela na cama, e ela via o menino, mas eu não via nada. Eu ficava muita assustada e ela também. Meu marido nunca foi de sentir nada, mas também ficou com medo quando isso ocorreu. Ela dizia não para esse menino, e nós perguntávamos o que era, e ela respondia que era o menino.
O casal decidiu procurar o aconselhamento de uma amiga religiosa. A mulher recomendou que a menina fosse levada a um padre, encontro que ocorreu há poucos dias.
— Procuramos a igreja e fomos recebidos por dois padres, que nos aconselharam a mudar o foco para outras coisas sempre que ela mencionasse o amigo. Melhorou. Ela ainda fala no amigo, mas tentamos ignorar, cantar uma música. Não sei o que pode ter sido. Não sei é a imaginação dela, não sei se é algo a mais.
Na igreja, a mãe soube que muitas mães pedem a ajuda de padres por causa dessas visões dos filhos:
— Começamos a rezar todos os dias e as coisas acalmaram.
Outra família passou por um momento um pouco diferente, mas também assustador. Nicole* embalava o filho Davi, de dois anos, para dormir. Em um certo momento, o menino começou a falar do avô materno, que havia morrido 18 meses antes. Ou seja: eles não se conheceram pessoalmente. A mulher achou estranho e perguntou: "qual vô?". O guri respondeu: "o vô Beto". Porém, o estranho é que ninguém da família havia falado para Davi que o pai de Nicole era conhecido como Beto:
— Falávamos sobre ele para o Davi, mas sempre chamando de "vô". Nunca falamos Beto, não sei como ele sabia.
Outro fato que intriga a família é que o menino, hoje com cinco anos, tem o costume de comer só o miolo do pão e do bolo. Nicole conta que o pai dela fazia isso:
— Meu pai retirava as cascas e amassava os miolos, apertando com a mão. Davi fazia o mesmo quando tinha um aninho. Detalhe: ele nunca viu esse comportamento em nenhum de nós, porque a única pessoa da nossa família que tinha esse hábito era meu pai.
Uma outra jovem conta que na família dela há várias histórias que até hoje deixam todos arrepiados:
— Minha prima, na época com seis anos, contava que na sala de aula ninguém sentava atrás da dela, mas alguém sempre puxava seu cabelo. Quando ela olhava, via crianças que a chamavam pra brincar.
As aparições de crianças e vultos assustavam a menina e, por isso, a família procurou explicação com religiosos.
— Fomos criados frequentando a Igreja Católica. Ainda não sei se acredito em reencarnação e vida após a morte, mas sei que ela realmente via crianças que eu não conseguia ver. Por um bom tempo, ela não ficava em casa sozinha e, se ficasse, as luzes tinham que estar acessas. Levamos elas para a igreja, em centros espíritas. Não sei o que aconteceu, mas hoje ela não fala mais disso, não vê mais nada, apenas em sonhos — conta a parente da menina.
Para Margareth Kuhn Martta, psicóloga e psicanalista, membro da Escola de Estudos Psicanalíticos e doutora em Educação, o amigo imaginário faz parte do processo da constituição psíquica da criança. Segundo ela, a criança pode fantasiar que tem um amigo para resolver muitas questões como, por exemplo, usá-lo para se contrapor aos pais.
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