1993
em parceria com a Orquestra de Câmara da Sociedade de Cultura Musical, o Museu Municipal inicia o projeto Concertos ao Entardecer. A primeira edição é realizada em 29 de agosto e segue nas dependências do museu até abril de 1997.
Com a voz embargada e os olhos marejados, o músico e coordenador da Orquestra Sinfônica da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Moacir Lazzari, se emociona ao falar da sua relação com o Concertos ao Entardecer, projeto musical que completa 25 anos neste mês. Também pudera: a parceria da Osucs com a Divisão de Museus da secretaria da Cultura de Caxias do Sul tem uma história recheada de apresentações memoráveis ao longo desse tempo. Além disso, o Concertos merece atenção porque, desde o início, faz a música de câmara ressoar no cenário artístico da região e, principalmente, no coração do público. O caráter social, que joga ainda mais luz à sua existência, também é ponto forte da iniciativa que ocorre nos palcos de Caxias sempre no último final de semana de cada mês.
O primeiro acorde desta trajetória foi escrito em 29 de agosto de 1993, quando os artistas da Orquestra de Câmara da Sociedade de Cultura Musical, sob a regência do uruguaio Jorge Inda, saudaram o entardecer de domingo com um repertório que tinha nomes consagrados da música erudita, como Carlos Gomes (1836-1896) e Villa-Lobos (1887-1959). Na ocasião, cerca de 150 pessoas lotaram as dependências do Museu Municipal para acompanhar a estreia da iniciativa. A intenção de criar um projeto permanente para o desenvolvimento e popularização da música de câmara na cidade foi uma sugestão da então servidora pública Ana Rita Bertocchi, que se inspirou em iniciativas semelhantes que fervilhavam na capital gaúcha. A ideia de Ana Rita foi vista com entusiasmo pela museóloga e pesquisadora Tânia Tonet, que à época dirigia o Museu e Arquivo Histórico Municipal. O carinho e a dedicação da equipe, aliás, são características marcantes nessa trajetória de 25 anos, como ressalta a servidora Marizete Raimann, que atualmente ajuda na organização do projeto:
— Comecei a trabalhar no Museu Municipal em 2001 e lembro ter ficado impressionada em ver a Ana Rita, mentora dos concertos, decorando os convites com aquarelas, num trabalho artesanal. Era fantástico porque ela dispensava uma atenção grandiosa. Foi aí que comecei a me envolver, ainda não na organização, mas como apreciadora de música — conta Marizete.
O tempo passou e o Concertos ao Entardecer ganhou cada vez mais espaço no calendário cultural de Caxias, fortalecendo o leque de opções de lazer aos domingos. Seja nas dependências do Museu Municipal, no altar de templos religiosos, como a Igreja Metodista, a Capela de Santo Sepulcro e as charmosas igrejas do interior, as apresentações cumprem dois papéis importantes na cadeia de produção artística: formação de público e criação de espaço para artistas.
— Esse é um dos nossos diferenciais. Como curadores, não impomos absolutamente nada. A única regra é valorizar música de qualidade, seja ela instrumental ou vocal. O artista escolhe seu repertório e isso traz uma proximidade maior com o público. A música de câmara também facilita o entendimento, pois um oboé, piano ou saxofone podem se diluir na grande massa sonora de uma orquestra. Nos concertos fica tudo mais próximo — salienta Moacir Lazzari, que chegou a se apresentar em uma das edições do projeto, ao som do oboé, instrumento de sopro da família das madeiras.
Lucio Yanel foi um dos artistas participantes do Concertos
Focado inicialmente na música erudita e nos instrumentos de cordas, o projeto Concertos ao Entardecer foi diversificando a gama de gêneros e artistas convidados ao longo dos anos. Primeiro ocorreu a inclusão de instrumentos do grupo dos metais; depois, o convite para que artistas locais e nacionais se apresentassem à comunidade caxiense.
Com um calendário de apresentações que vai de março a novembro (inicialmente iam até dezembro, mas em função dos inúmeros concertos de Natal, encurtou-se um mês), a lista de artistas que já passaram pelos concertos é extensa e contempla nomes como Valdir Verona, Fernando Rauber, Carlos Zinani, Ária Trio, além do aclamado violonista argentino Lucio Yanel (foto). Para Moacir Lazzari, a parceria com os músicos é um dos pontos de maior destaque nessa história que chega aos 25 anos:
— Tivemos participações memoráveis, como o quinteto de metais da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) e o excepcional violinista Cármelo de los Santos em concerto solo na Igreja Metodista. Também trouxemos para Caxias os dois principais grupos de música de câmara do Brasil, o Quinteto Villa-Lobos e o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo — destaca o coordenador da Osucs.
Marizete Raimman, que ajuda na organização do Concertos ao Entardecer, corrobora a afirmação de Lazzari. Para ela, apostar em um repertório eclético tem mostrado resultados satisfatórios, inclusive como a presença de um público cada vez mais heterogêneo:
— A gente tem um público fiel ao longo dos anos, mas também começamos a ver pessoas diferentes nos concertos. E essa é uma das nossas preocupações: fazer que esse momento tão bonito chegue a um número maior de pessoas. Acho que o grande desafio de hoje é esse, conquistar principalmente o público jovem e infanto-juvenil.
em parceria com a Orquestra de Câmara da Sociedade de Cultura Musical, o Museu Municipal inicia o projeto Concertos ao Entardecer. A primeira edição é realizada em 29 de agosto e segue nas dependências do museu até abril de 1997.
a partir de maio de 1997, a Igreja Metodista passa a sediar os concertos. Em 2001 é criada a Orquestra Sinfônica da UCS, que absorve a Sociedade de Cultura Musical e mantém as atividades já desenvolvidas.
nos anos seguintes, o projeto passa por novas sedes, como a Igreja Anglicana (2003), Centro de Cultura Ordovás (2004) e a Casa da Cultura (2005). Em 2006, os concertos circulam pelas capelas do interior, valorizando o patrimônio histórico-cultural dos distritos.
a temporada de 2007 marca o início da parceria com a Paróquia Nossa Senhora de Lourdes. Os espetáculos passam a ser realizados na Capela do Santos Sepulcro e permanecem ali por oito anos.
em março de 2015, a sede social do Recreio da Juventude se torna a nova sede do Concertos ao Entardecer. A parceria com o clube segue até hoje.
Além de tentar popularizar a música de câmara com apresentações gratuitas, o projeto Concertos ao Entardecer tem um caráter social muito forte
As apresentações do Concertos ao Entardecer ocorrem no último domingo do mês – e a origem dessa decisão é curiosa. Além de se firmar como opção gratuita em um dia da semana que costumeiramente apresenta menos alternativas de lazer, a escolha levou em consideração aspectos relacionados à saúde pública. Em reunião com os apoiadores da primeira temporada – entre eles o Hospital Pompeia – verificou-se grande incidência de internações por acidentes cardiovasculares nas tardes de domingo, além do aumento no número de acidentes de trânsito.
– Quanto mais perto do fim do mês, pior ficava: as pessoas estavam sem dinheiro, trabalhavam a semana inteira e nutriam uma grande expectativa para o final de semana. Quando o domingo chegava, a mistura de festas, comida e bebida resultava em brigas e mortes. Aí, para ir contra a tudo isso, se optou por fazer as apresentações no último domingo do mês – recorda Moacir Lazzari, que participa da organização dos Concertos desde a primeira edição, há 25 anos.
A diretora da Divisão de Museus da secretaria da Cultura, Daniela Fraga, ressalta que a preocupação com a saúde mental da população é um dos principais objetivos das iniciativas apoiadas pelo órgão:
– É importante aliar essa questão da cultura musical com o cotidiano, o bem-estar, a melhoria da qualidade de vida. Esse é um dos focos que não mudam, que é promover, por meio dos concertos, um momento de descontração na vida das pessoas.
Além da preocupação com a saúde, um dos pontos marcantes do Concertos é o caráter social – que não reside apenas na tentativa de popularizar a música de câmara com apresentações gratuitas. Em parceria com o LionsEduC, os organizadores arrecadam doações espontâneas a cada espetáculo, destinadas às pessoas em situação de vulnerabilidade. Alimentos, agasalhos e brinquedos estão entre os principais itens recolhidos. Um apelo social que, conforme Daniela, é prontamente atendido pelos frequentadores do projeto.
– Essa questão da responsabilidade social agrega ao nosso trabalho. É importante ressaltar e agradecer a resposta da comunidade a esse chamado – finaliza.
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