2004 foi o ano da virada para Adolfo Lona. Contratado desde 1973 pela Martini & Rosso para atuar como diretor-geral da unidade da multinacional italiana em Garibaldi, o argentino decidiu trilhar carreira solo e seguir suas convicções de que o espumante seria o produto vinícola que melhor representaria o Brasil nos mercados interno e externo.
Acertou em cheio e hoje é uma das principais referências do país quando se trata de borbulhas.
– Nosso conceito é continuar fazendo pequenas quantidades, ganhando a confiança a cada safra – afirma o enólogo, à frente da pequena vinícola que traz seu próprio nome.
Mas, embora aposte no potencial dos rótulos que elabora – um deles um rosé batizado com o nome da mulher, Silvia – tem por filosofia não participar de concursos:
– Não gosto de participar de concursos. Tem clientes que perguntam: “quantas medalhas você ganhou?” Nenhuma, porque eu não participo de concursos.
Além disso, Lona levanta a bandeira de que vinho bom não precisa, necessariamente, ser caro. E muitas de suas ideias ele as expressa no blog que mantém na internet.
– Estava lendo um anúncio de um Sauvignon Blanc de uma determinada vinícola brasileira a R$ 89,90. Isso faz com que se reforce a ideia do consumidor de que o vinho brasileiro quando é bom é caro e que quando querem tomar um vinho acessível devem ir para um chileno, um argentino. E temos bons vinhos. O meu vinho preferido é um Chardonnay e eu pago R$ 25. Isso que as pessoas precisam descobrir. Outra coisa: o brasileiro tem preconceito, não gosta de tomar branco. O bebedor que se acha entendido acha que tem que tomar vinho tinto. Isso é perfil do enochato, que acha que tem que ditar norma.
Missão
Engenheiro agrônomo com especialização em Viticultura e Enologia, o francês Philippe Mevel estabeleceu-se no Brasil em 1990, quando foi enviado pela Möet Chandon para atuar como consultor das filiais brasileira e argentina da multinacional.
– Me entusiasmei realmente pelas pessoas, muito acolhedoras – conta.
A partir de 1998, ano em que a Chandon do Brasil completou 25 anos de fundação, coube a ele conduzir a unidade para o novo posicionamento estratégico da empresa. Com a decisão de abandonar a produção de vinhos tranquilos, como são chamados aqueles sem borbulhas, a Chandon optou por dedicar-se apenas aos espumantes, e foi com eles que conquistou prestígio Brasil afora.
– Nos tornamos a primeira vinícola brasileira a se especializar 100% nos espumantes. Mas não queríamos fazer uma cópia do que se faz na França. Sempre procuramos estar mais perto do gosto brasileiro do que replicar um champanhe francês – salienta.
Atualmente, a Chandon do Brasil envasa aproximadamente 3 milhões de garrafas, distribuídas em seis produtos. Graças à expertise de Mevel, em 1998 foi lançado no país um rótulo específico para agradar ao paladar dos brasileiros, mais adocicado e com a sugestão de ser consumido com a adição de pedras de gelo na taça.
– Brasileiro gosta de bebida estupidamente gelada, e uma forma de fazer isso era colocar gelo. A gente se deu conta de que um público que nunca tomou espumante, mesmo que moscatel, tomava um espumante com gelo e começava a gostar.
Além do Brasil e da Argentina, a Chandon tem unidades nos Estados Unidos, na Austrália, na China e na Índia.
O real é que a gente está sujo o tempo todo, molhado, metendo a mão, puxando mangueira. É um trabalho duro, mas muito gratifi-cante.
Não é exagero referir-se a Alejandro Cardozo como uma espécie de “mago dos espumantes”. Isso porque, direta ou indiretamente, tem a mão dele boa parte da bebida com borbulhas elaborada por pelo menos uma dezena de vinícolas da Serra, da Campanha e dos Campos de Cima da Serra, no Rio Grande do Sul, além de empresas em Santa Catarina, no Uruguai e no Chile. Os vinhos, porém, apareceram por acaso na vida do uruguaio.
– Onde moram meus pais é uma região vitivinícola de Montevidéu, colada a Canelones, basicamente de produtores de uvas. Eu estava me preparando para fazer engenharia, mas não estava muito convencido, então quis tentar ver como era fazer Enologia. Foi um pouco por influência de alguns amigos que faziam.
Um ano antes da conclusão, já estava trabalhando em uma empresa do Uruguai. A Serra cruzou o caminho de Alejandro em 2002, quando a Piagentini, na época uma empresa de produtos populares, decide renovar seu portfolio de vinhos, já que era uma das grandes importadoras de vinhos finos do país.
A criação da vinícola Estrelas do Brasil, em 2005, em sociedade com o enólogo Irineu Dall’Agnol, inaugura um novo projeto dentro da Piagentini, voltado pra a prestação de serviços. Na medida em que o serviço começou a tomar visibilidade, com produtos de maior qualidade, outras empresas que não tinham estrutura passaram a vinificar seus vinhos e espumantes na Piagentini, trabalho que, anos depois, passaria a ser realizado pela Empresa Brasileira de Vinificação (EBV), sempre sob a supervisão do uruguaio.
– O caminho foi longo e foi bem divertido porque criamos muita coisa. Demos uma nova cara aos vinhos rosés, com cores muito delicadas. Hoje é padrão, mas naquela época éramos ponto fora da curva. Demos uma nova cara ao Prosecco e trabalhamos muito a tecnologia – resume.
Por prestar consultoria a empresas em pontos tão distintos geograficamente, passa boa parte do tempo viajando de um lugar para outro. Com isso, tem a oportunidade dividir muitas realidades distintas ao mesmo tempo e viver muitas situações de climas, de solo, de problemáticas, que lhe propiciam grande aprendizado nas várias vindimas das quais participa em diferentes países.
– Fazer projetos sozinho não é uma coisa que me agrada. Gosto de trabalhar com equipes maiores. Pra mim é um estilo de vida. Se trabalha com pessoas simples, que são os agricultores. Precisamos respeitar muito o que vem do campo. O retorno é muito especial. Muitas vezes, a imagem que aparece é que a gente é um baita bon vivant, que passa o tempo todo viajando, bebendo e comendo. Isso é só a parte fake do negócio.
O chileno Mario Geisse retorna à infância ao recordar de sua primeira experiência enológica. Foi por volta dos 11 anos, quando teve possibilidade em época de férias escolares, de ajudar um vizinho agricultor que fazia o próprio vinho em casa. Tudo de forma muito artesanal, a partir de um pequeno parreiral caseiro na região de Calebu, a 120 quilômetros da capital Santiago. Aquela alquimia da transformação da uva em vinhos foi tão encantadora para o garoto, cujo pai se dedicava à mineração de cobre, que mais tarde, ele decidiu focar seus estudos na área da viticultura e da enologia.
– Me apaixonei pela região. E com a qualidade das uvas que se tinha na época, os espumantes que eu fazia aqui eram melhores do que os espumantes que eu conseguia fazer no Chile.
Em 1978, ainda enquanto trabalhava na Chandon, saiu pela região para procurar o local onde construiria sua própria empresa. Três anos depois, já estava produzindo os primeiros quilos de uvas.
Em 1983, ganhou a companhia do sócio Carlos Abarzúa, que na época residia no Chile e veio ao Brasil para fazer um estágio. A experiência na Serra foi tão positiva que Abarzúa nunca mais voltou a morar no Chile.
– Não existe, na América do Sul, melhor região para fazer espumante do que aqui. Aqui a uva chega madura, com baixo teor de açúcar e boa acidez – ensina Geisse, que deixou a Chandon em 1998 para dedicar-se ao negócio próprio.
Em tempo: em 2017, Abarzúa foi eleito o enólogo do ano pela Associação Brasileira de Enologia (ABE).
Não existe, na América do Sul, melhor região para fazer espumante do que aqui - Mario Geisse.
Foi com a missão de dar “uma nova cara” às linhas de vinhos finos e espumantes da garibaldense Peterlongo que o francês Pascal Marty foi contratado em 2015. Responsável por projetos consagrados no mundo do vinho como Almaviva e Opus One, Marty também presta consultoria a vinícolas nos EUA e China. No Chile, é sócio da Viña Marty, que produz vinhos, desde 2008, em Curicó Valley, 200 quilômetros ao sul de Santiago.
Até 2020, a meta da equipe liderada pelo francês, que conta ainda com o auxílio da engenheira agrônoma também francesa, Carole Dumont, e da enóloga Deise Tempass, é elaborar aquele que será o vinho ícone da empresa, que muito provavelmente será um corte com duas ou três uvas.
– Não é o teu ritmo, é o ritmo das plantas ou dos microorganismos, das leveduras, das bactérias. Tu deixas de ter vida. Tu és conduzido por algo que é superior a ti.
Aos 39 anos, Miguel Ângelo Vicente de Almeida é do tipo com quem você poderia ficar por horas conversando sem sentir o tempo passar. É emocionante ouvi-lo falar da profissão que exerce desde que concluiu curso de Enologia em Lisboa, há cerca de 15 anos. Nascido em uma pequena cidade do distrito de Viseu, capital da região do Dão, ao Norte de Portugal, veio ao Brasil pela primeira vez em 2004 para trabalhar no Grupo Miolo na vindima daquele ano. Fixou residência por aqui em 2008, quando decidiu mergulhar de vez no vinho brasileiro. 10 anos depois, é um dos grandes nomes da enologia do país, onde conduz com braço forte um dos projetos mais promissores da empresa: o Fortaleza do Seival, na região de Candiota, na Campanha Gaúcha. É para lá que ele se muda de janeiro a março, época em que as uvas são colhidas para serem transformadas em vinhos.
– Começo o ano logo com a vindima, onde vivo dentro da adega do Seival e para onde arrasto sempre normalmente duas pessoas comigo que são meu braço direito e esquerdo. Há dois anos, fazemos um sauvignon blanc colheita noturna. Nessas colheitas à noite não durmo. Fico quase 48 horas ligado – conta.
Ainda assim, acredita que, guardadas as devidas particularidades, fazer vinho no Brasil é igual fazer vinho em Portugal, na Alemanha ou em outro lugar. O princípio, segundo ele, é o mesmo: tudo parte da fermentação, que transforma os açúcares da uva em álcool.
– São paisagens que colhemos e transportamos para a garrafa. Mas é diferente fazer vinho numa região de clima úmido e fazer vinho numa região quente e seca. O fazer vinho é igual, mas o resultado é diferente. Talvez aqui (em razão das oscilações climáticas), temos que estar mais atentos, mais perspicazes, arriscar mais. Para chegar em patamares de qualidade bons tu tens que correr muitos riscos. Para chegar em vinhos de grande potencial de guarda tu tens que arriscar mais – avalia.
Defensor ferrenho dos rótulos nacionais, critica o preconceito em torno do vinho brasileiro por parte da população.
– Lá atrás, talvez, os produtores de vinho tenham tido culpa na criação desse estigma, mas hoje em dia não faz sentido nenhum tu teres preconceito. Vinho para estar no mercado tem que ser bom, porque senão não será vendido. É uma atividade econômica e a empresa não terá sucesso. Essa paixão minha pelo vinho brasileiro explica um pouco o que eu faço aqui – explica ele, cujas postagens nas redes sociais não raro se transformam em debates acalorados entre seus seguidores.
Não é o teu ritmo, é o ritmo das plantas, das bactérias. Tu deixas de ter vida. Tua és conduzido por algo superior a ti.
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