Ao longo da trajetória como república, o Brasil inspirou grandes canções sobre um modelo de país mais equilibrado e justo. Há exatos 50 anos, a polêmica e mal compreendida Para não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré, ganhava o segundo lugar do Festival Internacional da Canção para, em seguida, incendiar protestos num país sob a batuta de militares. Era 1968, o ano que nunca terminou, e obra alcançava a 12ª posição entre as músicas nacionais mais tocadas nas rádios, dividindo atenção com os astros da Jovem Guarda, movimento oposto ao da MPB. Nos 40 anos seguintes, o Brasil e sua situação política e social invariavelmente pontuavam músicas de sucesso da MPB, do rock, do rap e do samba.
No auge do Estado Novo, período em que Getúlio Vargas esteve no poder, o célebre Ary Barroso talvez tenha se questionado se a terra tropical retratada em Aquarela do Brasil era apenas projeção de um ideal ou realidade. Anos depois, num cenário diverso daquele propagado pelo samba-exaltação, o Brasil governado por militares via a desconstrução da aquarela na voz de Elis Regina, que não acreditava na "terra boa e gostosa". Chico Buarque projetava que "amanhã há de ser outro dia". Se houve, foi um dia fugaz. Cazuza queria mudança, pedia que a máscara caísse. Estivesse vivo, Renato Russo ainda estaria tentando entender um país ferido pela corrupção, milhares de assassinatos, preconceitos, extremismos, escolas sucateadas e desigualdades, cenário caótico cantado por Chico Science.
Em 2018, as preferências definitivamente são outras. O público redefiniu a playlist — basta conferir a relação das mais ouvidas no Spotify neste mês para constatar que nenhuma composição faz alusão à situação social e política do Brasil. Estaríamos surdos pelos gritos da euforia raivosa que prega, mais uma vez, um novo recomeço nas eleições ou é a arte frustrada por uma profecia poética nunca concretizada? No Brasil, a melodia com conteúdo, por vezes panfletária, favoreceu o surgimento de muitos talentos no rock, no rap, no samba, na MPB. O ufanismo, a esperança e o pessimismo geraram manifestos que apontaram um oásis, um eldorado perdido. Ainda não deciframos o mapa para essa nação.
Hoje tudo parece ter mudado: a voz que cantava e lutava por um paraíso do futuro parece não ser mais ouvida com tanta paixão, o violão pode ter desafinado ou a multidão engoliu os versos que um dia embalaram coros. Ainda somos a nação prestes a acontecer, como imaginou a poesia em diferentes períodos.
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