— Hoje vou fazer uma receita muito especial: um strogonoff.
A receita não é de Rita Lobo, Bela Gil ou Edu Guedes, tampouco do badalado trio de jurados do MasterChef, Paola Carosella, Erick Jacquin e Henrique Fogaça. A frase é do youtuber paranaense Tiago Riesemberg que, aos cinco anos, já prepara pratos complexos como strogonoff e, por isso, contabiliza mais de 460 mil fãs no Facebook e mais de 130 mil inscritos no seu canal no YouTube. Esses números ajudam a ilustrar uma paixão cada vez mais precoce entre os brasileiros: a culinária. O sucesso dos realities gastronômicos na televisão não repercute apenas nas redes sociais ou nas conversas informais entre amigos. Trata-se de um fenômeno que também alimenta a onda dos pequenos cozinheiros. Com vasta experiência no segmento da confeitaria, a chef caxiense Daniela Ferronatto é adepta à inserção das crianças no universo das experiências culinárias:
— Acho muito válido a criança vir junto para a cozinha. Assim ela já conhece os alimentos e aprende a fazer as receitas. Também vejo como uma terapia, pois tira um pouco a atenção do celular e da televisão. Mas é importante que os pais estejam atentos à idade. A partir dos 5 anos elas vêm para a cozinha com a ideia de aprender. Antes disso, a intenção é brincar, o que também é importante, pois o contato manual com os alimentos é sempre válido.
Seja como passatempo entre pais e filhos ou como forma de elaboração de pequenas tarefas para ajudar nas atividades domésticas, colocar a mão na massa também ajuda no desenvolvimento psicomotor dos pequenos, de acordo com especialistas. A prática, é claro, também pode favorecer hábitos alimentares mais saudáveis.
Não há dúvidas de que levar os pequenos para a cozinha pode ser uma forma de criar momentos divertidos em família. Mas os benefícios da culinária para as crianças vão além, pois envolvem aspectos cognitivos, motores e psíquicos. É o que afirma a doutora em educação Terciane Ângela Luchese, professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS). De acordo com a pesquisadora, as crianças aprendem muito a partir das experiências cotidianas. Trata-se de um intercâmbio que resulta em aprendizado e, sobretudo, no estabelecimento de vínculos afetivos:
– Essa experiência fantástica de misturar ingredientes e descobrir sabores é algo extremamente significativo na vida de uma criança. Considero a prática extremamente educativa. Claro que há sempre uma medida de bom senso e de equilíbrio, pois não se deve colocar uma criança mexendo com fogo ou outros utensílios perigosos. É preciso ter sempre a companhia de um adulto, desde que seja uma supervisão que não interfira na criatividade. Essa experimentação é saborosa não só no resultado, mas na construção de vínculos.
A professora, no entanto, deixa um alerta: o incentivo dos pais deve respeitar a disposição da criança em participar de atividades culinárias, já que a eficácia do caráter pedagógico está diretamente relacionada ao prazer das brincadeiras. Terciane garante que é importante respeitar o tempo da criançada e, principalmente, evitar a cultura da competitividade.
– Não é legal incentivar tarefas na cozinha como preparação para o mercado de trabalho. Precisamos cuidar para que as crianças possam vivenciar as experiências sem, necessariamente, depositar uma expectativa de futuro, mas como um ambiente de produção de conhecimento, de alegria e satisfação com o momento.
A pediatra Mara Mendes amplia o leque de benefícios. Além de garantir que não existem contraindicações na brincadeira dos pequenos chefs, a médica ressalta que o manuseio dos alimentos estimula a motricidade fina, ou seja, ajuda a desenvolver a capacidade para executar movimentos delicados com controle e firmeza.
– A maioria dos alimentos naturais não precisa de cozimento. Vamos supor que a gente prepare uma salada, com alface, cenoura, brócolis ou beterraba. Você pode pedir para a criança picar os ingredientes, inclusive com a mão, e ir colocando em potinhos. Isso estimula o desenvolvimento neuropsicomotor por meio do cheiro e da forma dos alimentos, além da oportunidade de experimentar sabores diferentes – detalha a médica.
Daniela ensina a filha Geórgia, de sete anos, a trabalhar com os alimentos na cozinha
– Um pouco de chocolate branco... e agora é só encher de granulado!
Entre risos e pulinhos de entusiasmo, a pequena Geórgia Ferronatto, de apenas sete anos, finaliza a decoração de um apetitoso bolo de chocolate coberto com ganache (confira a receita abaixo). O avental da menina, que obviamente não sai ileso da aventura culinária, é a prova de que um pouco de bagunça não faz mal a ninguém. Pelo contrário: pode ser uma importante ferramenta de aprendizado e fortalecimento dos laços familiares.
A mãe da pequena confeiteira não esconde a satisfação por compartilhar o momento com a filha. Daniela conta que o bolo de chocolate já virou uma rotina de domingo. Além de saboroso, o passatempo também ajuda a despertar a curiosidade da menina por novos sabores:
– É muito bacana ver o quanto ela se interessa. Inclusive isso me ajudou a introduzir alguns alimentos na rotina da nossa casa. A Geórgia não é uma criança que come de tudo, mas começou a provar outras coisas quando eu consegui trazê-la para a cozinha. Isso é o mais legal porque dizer “não gosto” é muito fácil. Depois que se prova vira outra história. Então percebo que houve um aprendizado no paladar, no entendimento do que é doce, salgado ou azedo. Com crianças é normalmente assim, elas vão aprendendo aos poucos.
Mas a experiência de levar os pequenos para a cozinha requer uma série de cuidados. Antes de irem para a cozinha, Daniela já deixa os ingredientes separados em vasilhas. Já os utensílios como colheres e espátulas ficam organizados sobre o balcão. Tudo isso para evitar contratempos na hora da pequena chef entrar em cena.
Outra dica importante é conversar antes sobre os passos mais complicados da receita, como ralar ou picar os ingredientes. Claro que não dá para esquecer de acompanhar a criança durante toda a atividade na cozinha.
A lista de precauções tem recompensa: o largo sorriso estampado no rosto de Geórgia toda a vez que finaliza uma receita com sucesso. Enquanto manuseia a espátula para cortar o primeiro pedaço de bolo, ela brinca de dar nome à receita:
– Bolo de chocolate com granulado? Não! É chuva de granulado!
Ingredientes
Para o bolo
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