Preparar a terra, semear e colher. Saberes ancestrais que a família Menegat transmite de geração para geração desde os tempos dos imigrantes, no final do século 19. Localizada no distrito de Vila Segredo, no interior de Ipê, a propriedade hoje comandada por Vilmar Menegat se tornou referência regional em produção orgânica. Aos 56 anos, o agricultor é responsável por um banco de sementes crioulas com 65 tipos de grãos – são mais de 20 variedades somente de feijão e milho, além de grãos como linhaça, chia, pipoca, trigo e lentilha.
Também conhecidas como sementes tradicionais, as sementes crioulas são cultivadas desde o período pré-colonial pelos povos indígenas. Por definição, são variedades desenvolvidas, adaptadas ou produzidas por agricultores familiares, assentados da reforma agrária, indígenas e quilombolas, desde que reconhecidas culturalmente por suas comunidades. Além de preservar saberes (e sabores) tradicionais, elas garantem a manutenção do patrimônio genético da terra.
No caso da família Menegat, o cultivo dessas sementes se confunde com a história da propriedade, levando Vilmar a criar, em 1989, um sistema de armazenamento e catalogação das espécies cultivadas nos seis hectares contíguos à antiga casa de madeira construída pelo avô.
– Eu mantenho a tradição da minha família. Lembro que as sementes crioulas sempre foram a base da nossa produção. Meu pai já usava para o plantio e para alimentação dos animais. O banco foi uma consequência. Acabei organizando pela procura dos consumidores nas feiras – relata o produtor, que participa regularmente da Feira dos Agricultores Ecologistas, junto ao Parque da Redenção, em Porto Alegre.
Localizado no porão de casa, o banco tem um sistema de armazenamento simples, mas eficaz: a cada safra, Vilmar reserva sementes de todas as variedades cultivadas na propriedade e guarda em potes de vidro. Para vedação, utiliza uma tira de papel em chamas e tampa os recipientes. Com o processo, o oxigênio do interior do pote é queimado – o que garante a durabilidade das sementes de um ano para o outro.
– Como eu vendo produtos orgânicos, sempre tive a intenção de oferecer ao consumidor também as sementes. E acabou virando uma marca. Na feira, as pessoas já me conhecem como o guardião das sementes – conta, bem humorado.
Entre os produtos levados para a comercialização na Feira dos Agricultores Ecológicos, na Capital, os que mais fazem sucesso são os milhões e feijões coloridos. Um dos destaques é o feijão olho de cabra, que além de possuir uma chamativa coloração vermelho e branca, possui grãos maiores do que as variedades comumente encontradas nos supermercados.
– O público procura o que é diferente. Ou seja, aqueles grãos que são mais coloridos. Muitos consumidores têm lembranças da infância no meio rural e dizem não encontrar no mercado as sementes que eu cultivo. Eles buscam a cultura que resgata essa memória.
Além de garantir a autossuficiência da propriedade, o cultivo das sementes crioulas também transformou a terra de Menegat num atrativo para visitantes de outras regiões do Brasil e até mesmo de países vizinhos. Em um pequeno caderno espiral, o agricultor de 56 anos recolhe as assinaturas e os locais de origem de quem conheceu o banco de sementes: é possível encontrar nomes desde estudantes de biologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) a produtores orgânicos de outros países, como Argentina, Chile e Uruguai. Tudo isso para ampliar a rede de apoiadores da agricultura sustentável.
Mesmo sem filhos, Menegat não demonstra preocupação com o futuro da propriedade. Para o agricultor, o mais importante é o legado que deixará quando o assunto é sustentabilidade e preservação das sementes crioulas.
– Pra mim, a melhor coisa que pode acontecer é que outras pessoas busquem essas sementes para que elas não se percam. Se tivermos interesse dos consumidores e vontade de outros produtores, é possível dar continuidade a esse trabalho – pondera Menegat.
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