O EXEMPLO

Com 80 anos, seu Júlio Zaniol é goleiro e joga pelo menos
duas vezes por semana com os amigos em Antônio Prado


Publicado em 29 de setembro de 2017

TEXTOS
Cristiano Daros
cristiano.daros@pioneiro.com

IMAGENS
Marcelo Casagrande
marcelo.casagrande@pioneiro.com

INFOGRAFIA
Guilherme Ferrari

ARTE
Andressa Paulino

O conceito básico de experiência é conhecimento adquirido através da prática ou de uma vivência. Digamos que para quem tem 60 anos de carreira só como goleiro, o que não falta é experiência. Aos 80, Júlio Zaniol é um exemplo para sua família, para os amigos e jovens que sonham e gostam do futebol.
A idade avançada pode assustar quem acompanha essa história ou deixar o leitor descrente que este avô ainda entre em quadra, e ainda como goleiro. Mas a idade não é um impeditivo, nem para que ele se atire para defender um pênalti.
Num país com dimensões continentais e com 200 milhões de habitantes fica difícil afirmar, mas é possível que o seu Júlio seja o goleiro mais velho em atividade no Brasil.

Trata-se de uma expressão clara de amor ao futebol.

– Fico feliz quando alguém me convida: vem jogar para nós hoje que falta um goleiro – diz ele, aos risos.

Esse envolvimento todo começou de forma despretensiosa. Mais especificamente nas colônias de Antônio Prado, cidade natal de Zaniol. Dos campos do interior, ele foi alçado ao Clube Atlético Pradense, na passagem das décadas de 1950 e 1960. Foi titular por cerca de três anos. Depois, seguiu sua vida futebolística em outros times, seja com amigos ou nas associações da cidade. Hoje, permanece jogando futsal duas vezes por semana, nas segundas e quartas.

– O seu Júlio é o nosso exemplo de jogador. Já imaginou nós chegarmos nessa idade e jogando futebol? – questiona Gilmar de Souza, o Ima, que joga nas segundas-feiras com Zaniol.

É esse sentimento que se tem em quase toda a comunidade de Antônio Prado. Zaniol é uma inspiração de amor ao esporte e também de sáude. Naturalmente, é a inspiração da família. O neto Guilherme, de 11 anos, já afirmou categoricamente que deseja ser goleiro, puxado pelo exemplo do avô.

– Ele tinha uns três ou quatro anos e estava colando as figurinhas desses álbuns do Brasileirão. Aí ele viu os goleiros e me pediu: "mãe, quando eu vou colar a figurinha do vovô?" – recorda Juliana, filha de Zaniol.

Histórias de mais de uma vida defendendo bolas e sendo o terror dos atacantes adversários. Um exemplo do futebol amador.

– Eu gosto de jogar, gosto mesmo – declara Júlio.

Amor dividido entre o futebol e o Prado

Em uma cidade pequena, Zaniol logicamente é muito conhecido. Fez parte de praticamente todos os clubes, associações e sociedades de Antônio Prado. Até sua vida se confunde com a sua cidade natal. Ele faz questão de dizer até o tempo que permaneceu longe da sua comunidade: 10 meses e 10 dias. Foi o período no qual serviu ao Exército na primeira bateria de Caxias do Sul.

Em meio a conversa, Zaniol lembra com saudosismo da recuperação da antiga escola Cenec, que pertencia aos padres.

– Eu fiz parte da diretoria do colégio de Antônio Prazo, o Irmão Irineu. Na época era Cenec. Estudei ali também. O colégio estava para fechar e o padre deixou na mão de três: eu e mais dois amigos. Fiquei como tesoureiro. Comecei a olhar todas as contas e eles não pagavam ninguém. Os professores tinham valores em atraso e não possuiam fundo de garantia. Recontratamos todos, com tudo certinho. A partir daí, comecei a cobrar dos alunos. Reestruturamos o colégio – relembra Zaniol.

Contador por profissão, Zaniol também é responsável pela criação de inúmeros times amadores que surgiram na cidade. Com 80 anos, sua vida está entrelaçada com Antônio Prado.

Ficha Técnica

Nome:
Júlio Zaniol

Data de nascimento:
7/7/1937 (80 anos)

Peso:
90kg

Clubes:
Atlético Pradense, Time dos Mestres

Situação:
em atividade

Posição:
Goleiro 

Eu fico feliz quando alguém me convida: vem jogar para nós hoje, que falta um goleiro 


Sem as luvas Longe do futebol, Júlio Zaniol comanda com as filhas um escritório de contabilidade em Antônio Prado

Um pênalti defendido vive na memória

A desenvoltura em baixo da goleira ainda impressiona. Lógico que os movimentos não são os mesmos do jovem que um dia foi titular do Pradense, mas Zaniol não se intimida com os rivais e não gosta quando alguém tira o pé na hora de chutar.

A memória também já não é a mesma de décadas atrás, mas ela ainda traz em evidência alguns momentos de glória. Um em específico ainda o leva às lágrimas, casualmente em Caxias do Sul.

– Foi ainda no Pradense. Um atacante driblou os zagueiros e quando ia me driblar, eu juntei ele. Ficou o cara com as perninhas lá batendo no ar e o juiz deu pênalti. Um torcedor do time deles desceu do pavilhão gritando: castiga! Aquilo me deu uma sensação... O cara bateu e eu defendi. Isso eu guardo com bastante alegria – conta Júlio.




Baixinho com impulso

A história com o futebol começou nas colônias de Antônio Prado. Zaniol acabara de retornar do período onde serviu ao exército. Num desses domingos tradicionais de colônia, em 1957, recebeu o convite para completar um time jogando como goleiro.

– Peguei tudo naquele jogo – relembra.

A atuação o levou a defender o Pradense, onde de fato aprendeu a ser goleiro, segundo Zaniol, inspirado no titular da época, Marião. Os treinos quase não existiam, e ele aprendia defendendo a meta do time de suplentes nos torneios amadores.

Outro problema que Zaniol tinha era a sua estatura. Com 1m72cm sempre foi baixinho para a posição. Aí entra uma característica vinda do quartel: ele dominou a técnica da impulsão e compensava a falta de altura com habilidade e desenvoltura.

As provas de que Zaniol teve momentos de êxito são observadas em situações que vive até hoje, muito tempo depois de abandonar o futebol de campo.

– Tem um senhor muito conhecido, da família dos Beltrame. Eu jogava muito contra ele no interior. Um dia, parou com a caminhonete aqui na frente do escritório, ele me olhou firme, botou a cabecinha para fora e gritou: frangueiro! Mas foi no sentido de um elogio. Ele sabe que eu jogava muito bem contra eles – conta Zaniol, esbanjando bom humor.

Já aposentado, Júlio Zaniol trabalha em seu escritório de contabilidade com as filhas Juliana e Taíse. Casado com a esposa Idone, ainda tem o filho Ricardo.

Assine a newsletter do Pioneiro e receba as principais notícias da Serra por e-mail

O serviço é gratuito e oferecido de segunda a sexta-feira

Compartilhar