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30 anos
sem ser município

No dia 12 de maio de 1988, os deputados estaduais acataram o veto do então governador Pedro Simon (PMDB) e sepultaram a tentativa de emancipação no bairro


Texto
André Tajes
andre.tajes@pioneiro.com

Fotos
Diogo Sallaberry
diogo.dallaberry@pioneiro.com
Roni Rigon

Mobirise
Ana Rech encontra-se a 12 km da sede administrativa municipal. A localidade possui aproximadamente 16 mil habitantes.

Há 30 anos, a comunidade de Ana Rech dividiu-se entre emancipacionistas e não-emancipacionistas. O período de maior acirramento ocorreu entre os dias 22 de abril e 12 de maio de 1988. Neste sábado, dia 12, completam-se 30 anos da votação da Assembleia Legislativa que acatou o veto do então governador Pedro Simon (PMDB). Por 30 votos a 13, os parlamentares sepultaram a tentativa da criação do município de Ana Rech.

O movimento mobilizou homens, mulheres e crianças, simpatizantes dos movimentos pró e contra a emancipação. Os grupos saíram às ruas da localidade em passeatas ou na Praça Pedavena, carregando faixas, cartazes, em carros de som ou em comunicados usando as cornetas da igreja, buscando o convencimento dos eleitores indecisos para o plebiscito que votou pela emancipação. Das pequenas vias de Ana Rech, o movimento tomou as galerias da Assembleia Legislativa para pressionar os deputados estaduais e o governador Pedro Simon, contrário a emancipação. Em Caxias, o prefeito Victório Trez (PMDB) articulava com aliados para não perder o bairro.

Após muitas incertezas, no dia 22 de abril, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) confirmou a realização do plebiscito de emancipação para dois depois. O domingo, 24 de abril, dia de votação, atraiu a atenção da comunidade caxiense para o bairro, considerado região administrativa pela administração municipal, que buscava sua autonomia política.

Com 5.464 eleitores inscritos, compareceram nos locais de votação 4.283 moradores de Ana Rech. O resultado do plebiscito foi confirmado pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) no mesmo dia, às 19h35min. Os emancipacionistas venceram com 2.815 votos para o sim, contra 1.408 votos para o não. A vitória nas urnas encheu de esperança os defensores da emancipação.

No dia 5 de maio, a Assembleia aprovou por 53 votos a favor e um contrário (do então deputado estadual Germano Rigotto, do PMDB) a criação do novo município. A consolidação agora dependia apenas da sanção de Simon. Porém, no dia 11 de maio o caxiense vetou o projeto de lei. No dia seguinte, dos 55 parlamentares, compareceram à sessão 44 deputados — 30 deles acataram o veto de Simon e 13 votaram contra. Assim, os deputados que haviam aprovado a criação do município sepultaram o sonho da maioria dos moradores de Ana Rech de constituírem um novo município.

A historiadora Loraine Slomp Giron lembra que Ana Rech tinha o desejo de se tornar município desde 1927 quando conquistou a independência, mas que Caxias interferiu e não deixou a localidade de se emancipar.

— Ficou guardada a vontade durante muitos anos e várias vezes houve essa tentativa de criar um movimento de emancipação. Em 1988, a nova Constituição permitiu que os municípios que tivessem as condições necessárias de se emanciparem. Então, o velho sonho renasceu.

Loraine conta que, a pedido de Victório Trez, produziu um documento mostrando que Ana Rech integrava a Colônia Caxias e que não poderia se separar do município.

Segundo a historiadora, Ana Rech perdeu sua identidade ao não ser emancipada, e o principal objetivo era evitar que se tornasse subúrbio, como realmente aconteceu.

— Ana Rech estaria bem melhor se tivesse sido emancipada. Tenho convicção disso. Uma coisa é a verdade histórica e a outra é a opinião política _ disse ao comentar sobre o apanhado histórico com a defesa da manutenção do bairro junto ao município-sede.

Na opinião do presidente da Associação Amigos de Ana Rech (Samar), Alberto De Sales, a decisão contra a emancipação não trouxe nenhum prejuízo ao bairro. Ele conta que a cassação da emancipação ainda hoje é tema comum das rodas de conversas dos moradores. Ele diz que a decisão de cassar o município trouxe uma revolta e indignação, mas que nunca atingiu a união da comunidade.

— As pessoas a favor e contrárias moram nas mesmas casas e frequentam os mesmos lugares em Ana Rech. Todos sentam na mesma mesa para conversar.

Apesar de negar que houve perda para a localidade, o presidente da Samar ressalta que Ana Rech tinha as mesmas condições turísticas de Gramado.

Número de atividades econômicas da região administrativa segunda a prefeitura.
  • Comércio: 1.181
  • Serviços: 1.002 
  • Indústrias: 556

Cronologia dos momentos decisivos

Timeline

22 de abril de 1988

O Tribunal Regional Eleitoral define a realização do plebiscito de emancipação.

24 de abril

Realização do plebiscito. 

4 de maio

Assembleia Legislativa vota a emancipação de Ana Rech, decidida pela população, conforme o resultado do plebiscito.

5 de maio

Assembleia aprova a criação do novo município por 53 votos a favor e um contrário (o do então deputado estadual

11 de maio

Governador Pedro Simon vetou projeto de lei aprovado pela Assembleia. 

12 de maio

Assembleia acata o veto de Simon. Trinta deputados votaram a favor do veto.

Na década de 1990, os emancipacionistas buscaram anular no Supremo Tribunal Federal (STF) à decisão da Assembleia que cassou a criação do município.

8 de abril de 1990:

Marcado a eleição para o município criado.

“Tu vai me lembrar uma passagem triste”

O Pioneiro ouviu dois caxienses que tiveram participação decisiva no processo de cassação do município de Ana Rech.

 Ao ser questionado pela reportagem para comentar o tema, o ex-governador Pedro Simon reagiu com a seguinte frase: “Tu vai me lembrar uma passagem triste, que foi muito dolorosa no início”.

O ex-governador diz que tomou a decisão após uma análise “muito profunda” e ouviu amigos pessoais e entidades como a Câmara da Indústria, Comércio e Serviços (CIC). Ele lembra que havia um receio de que Ana Rech poderia se transformar em município dormitório de Caxias do Sul e que a localidade se constituiria um centro de progresso maior do que se transformar em município.

— O comando político de Ana Rech ficou muito magoado comigo. Eles queriam a emancipação, mas acho que não era o momento. Tomei a decisão como caxiense, e não como governador. Sou apaixonado por Caxias. Não tinha nenhum interesse, foi uma decisão absolutamente aberta.

Trinta anos depois, Simon ressalta que tomou a melhor decisão para a comunidade, e diz que nada impede de a comunidade analisar se deve continuar como está ou se querem partir para a criação do município.


"Ana Rech tinha atenção do poder público"

Após o resultado do plebiscito, o ex-deputado estadual na época Germano Rigotto (PMDB) foi o único parlamentar a votar contra a emancipação. Ele explica que Ana Rech não tinha a interrupção entre a localidade e a sede do município, um dos itens previstos em lei para a emancipação. Rigotto lembrou que a Assembleia aprovava todos os processos de emancipação.

— Até hoje tem distritos que são afastados 10, 15, 20 quilômetros distantes da sede, com grandes interrupções e sem população vivendo no perímetro, distritos distantes, abandonados, com dificuldades de infraestrutura. Ana Rech tinha atenção do poder público. Era um quadro totalmente diferente.

Apesar da mobilização favorável a Ana Rech, Rigotto lembra ainda que havia uma decisão partidária contra a emancipação e uma aliança de todos os setores de Caxias contra a emancipação.

— Minha decisão não foi fácil. Tomei a posição que mais representava o desejo da maioria do município. Não tenho nenhum arrependimento.

Para Rigotto, a intenção do movimento pró-emancipação era ter arrecadação própria para desenvolver o novo município, além da autonomia política com a criação dos poderes Executivo e Legislativo. Segundo Rigotto, nem todos os municípios que se emanciparam conseguiram oferecer mais desenvolvimento e melhor qualidade de vida para a população.

Entrevista: Daniela Boff, ex-presidente da Samar

Mobirise
Para a professora Daniela Boff, 42 anos, a tentativa de emancipação política de Ana Rech deixou um legado para a comunidade. Em 1988, aos 12 anos, ela acompanhava seu pai, o agricultor Valter Gonçalo Boff, morto em 2013, nas passeatas em Ana Rech e em Porto Alegre. Daniela é uma das admiradoras do processo de emancipação.
Ela lembra das mobilizações na Praça Pedavena com o auxílio da Kombi de seu pai, um dos líderes do movimento, que usava as cornetas retiradas das torres da igreja para comunicar as novidades sobre o processo de emancipação.

— Sempre que a música Ala puxa, tchê (dos Serranos) tocava, reunia as pessoas na volta da praça para informar a comunidade sobre as novidades. As pessoas saíam de casa e das empresas.

Ela preserva fotos, uma fita VHS com gravações do dia da votação do plebiscito e fita K7 com o hino da emancipação, que tem na ponta da língua e canta: “Somos o povo de Ana Rech Unidos na libertação Não adianta as ameaças do seu Victório e da turma do não.” 
  • Pioneiro: Qual o teu sentimento ao reviver esse assunto?
    Daniela Boff: Não é um sentimento saudosista. Tenho claro que foi um movimento além do seu tempo, onde a população exerceu a função de votar. É preciso lembrar que as pessoas não são obrigadas a votar no plebiscito. A comunidade abraçou a causa porque estava descontente pelo descaso do poder público. Ficou um grande legado. 
  • Qual foi o momento mais marcante?
    O dia do plebiscito. Ana Rech era uma festa. Tinham nonos de bengala que não tinham obrigação de votar. As pessoas estavam na rua conversando sobre o assunto, as pessoas tinham o voto consciente. 
  • Como avalia a decisão de cassarem a emancipação?
    Ana Rech seria bem diferente. Hoje não consigo me identificar tanto com Ana Rech como me identificava na época. Ana Rech cresceu de uma maneira diferente do que anto em que a gente viveu, teve muito a urbanização. Ana Rech recebeu muitas pessoas de fora e elas não têm a identidade daqui. 
  • Se tivesse virado município, não teria crescido ainda mais?
    Acho que não, porque teríamos uma política pública própria de crescimento, de urbanização. Não sou contra o crescimento, mas a questão é: o que se quer para Ana Rech? A gente quer que olhem para a Samar que vem mantendo a nossa identidade. A gente quer que olhem para o moinho que foi demolido de madrugada, que se preserve o que tem e se mantenha a memória viva.
  •  Após a cassação do município, Ana Rech ficou esquecida pelo poder público?
    Naquele momento, Ana Rech estava muito abandonada e esquecida por Caxias. A gente não achava justo porque tínhamos um potencial político e turístico. O poder público tem que olhar para a questão cultural e do patrimônio histórico.
  •  Após o plebiscito ficou uma rivalidade?
    Não. Nunca houve grandes brigas. Cada lado sabia por que estava defendendo e tinha seus argumentos. Até hoje lembramos das histórias, das provocações, mas tudo bem pacífico. Não ficou nenhuma mágoa.

Símbolo da emancipação

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A pirâmide que foi o símbolo da tentativa de emancipação política da região administrativa de Ana Rech não existe mais. O objeto que estava nos fundos do terreno do empresário e idealizador, Enor Bernando Wartha, 75 anos, foi destruído meses depois do início da reforma da praça Pedavena, em 2010.

— Ganhei um carregamento de madeira das árvores tiradas da praça e jogaram em cima da pirâmide. Foi de propósito, não foi de coincidência _ diz o empresário.

Wartha conta que, antes de fixar a obra na frente do terreno onde mora, a pirâmide, ainda de alumínio e com a inscrição "Vote sim!", circulava pelas ruas do bairro na carroceria de seu Corcel 2.

Com a derrota, Wartha reproduziu o símbolo em alvenaria com a inscrição "Ana Rech. Município cassado" e o fixou na parte da frente de seu terreno, localizado ao lado da praça, onde permaneceu por mais de duas décadas.

O símbolo provocativo irritou lideranças políticas contrárias à emancipação. A oportunidade de retirar a pirâmide do local veio a partir do pedido de um porta-voz do então prefeito José Ivo Sartori (PMDB), conta o empresário. A reforma da praça estaria condicionada à saída da pirâmide.

O empresário lembra com saudade do período e diz que as lideranças pró-emancipação queriam transformar Ana Rech um local de muitos restaurantes, parecido com o bairro Santa Felicidade, em Curitiba.

Os números do plebiscito

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