Arrivederci, Brasil:

7 mil cidadanias italianas devem ser concedidas a gaúchos em 2017

Publicado em 29 e 30 de abril de 2017

TEXTOS
Mauricio Tonetto
mauricio.tonetto@pioneiro.com

IMAGENS
Marcelo Casagrande
marcelo.casagrande@pioneiro.com
Diogo Sallaberry
diogo.sallaberry@pioneiro.com

INFOGRAFIA
Guilherme Ferrari

Quase um século e meio depois da chegada dos primeiros italianos ao Brasil, milhares de seus descendentes sonham em fazer o caminho inverso dos antepassados e dar adeus ao país que um dia foi sinônimo de prosperidade para europeus que fugiam de uma terra castigada pela fome e pela miséria. Somente em 2017, o Consulado Geral da Itália em Porto Alegre deve conceder 7 mil cidadanias a residentes no Rio Grande do Sul, o equivalente a mil famílias. Desse total, 64% ou 4,5 mil são somente para a Serra, e 2,5 mil para a Capital e Região Metropolitana. É o dobro do ano passado e quase três vezes mais do que 2013, por exemplo.

Apenas em 2007 e 2008 houve tanta procura como agora. Com a crise financeira internacional de 2008, a Europa entrou em um período de recessão, que teve consequências também no controle da migração. A entrada de cidadãos de fora do bloco tornou-se mais rígida. Com isso, a Itália deixou de ser atraente para os brasileiros, que viviam um ótimo momento na economia nacional, com geração de empregos e elevação de renda.

Especialistas que trabalham com o tema, inclusive advogados brasileiros que fazem o processo de reconhecimento da dupla nacionalidade na Itália, consideram que houve uma forte retomada pela procura a partir de 2014 com o acirramento da crise política que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e um aumento ainda mais intenso nos últimos 12 meses com a baixa perspectiva de recuperação do país. Não há números de quantos pedidos são liberados todos os meses, mas além das 7 mil cidadanias que devem ser concedidas até o final do ano, outras milhares de pessoas já encaminharam documentos e engrossam a fila. O cenário nacional pessimista, aliado à violência, empurra um número crescente de famílias a buscar o passaporte que dá acesso não só à região dos antigos familiares, como a todos os países da União Europeia e, consequentemente, a oportunidades de recomeço no primeiro mundo.

Há duas formas de obter essa conquista: por meio do consulado na Capital ou diretamente na Itália. Na primeira alternativa, a fila de espera pode ultrapassar 10 anos. Na segunda, varia de três a seis meses, porém, com um custo entre R$ 20 mil e R$ 30 mil. O cônsul italiano no Estado, Nicola Occhipinti, afirma que a tendência é acelerar o trâmite, pois o parlamento do país europeu aprovou uma lei que definiu que 30% dos lucros obtidos nos consulados fiquem nos próprios órgãos – antes, eram integralmente repassados ao Ministério da Economia de Roma. Com isso, novos funcionários devem ser contratados. A meta é chegar a 12 mil novos cidadãos anualmente.

– O governo vê tudo isso com ambiguidade. Uma parte com suspeita, outra com alegria e entusiasmo. Hoje temos 500 mil brasileiros com cidadania italiana. Em 40 ou 50 anos, o ideal é 4 milhões, o que significará uma ponte jurídica, econômica e social sólida entre as nações. Somos o único país do Ocidente a ter esse patrimônio humano, e a maneira de valorizá-lo é pelo reconhecimento da cidadania – afirma Occhipinti.

Para ele, o fluxo compensa a saída de jovens italianos para outras partes do mundo:

– Vejo como uma maneira de equilibrar esta hemorragia. A diferença de brasileiros sem passaporte e com passaporte vai aumentar, com mais oportunidades para quem tem.

Em Caxias do Sul, o escritório Cidadão Italiano tem 80 processos em análise no momento – que podem contemplar de um a até 40 descendentes. De acordo com o advogado Lonis Stallivieri, os pedidos aumentaram muito nos últimos 12 meses:

– São pessoas que perderam o emprego e não conseguem recolocação, pessoas que não veem futuro aqui, pessoas que querem empreender na Europa e nos Estados Unidos. Tenho escutado histórias de quem quer fugir do Brasil por causa da economia quebrada e da sem-vergonhice dos nossos políticos.

O tribunal romano estipulou que a espera de 10 anos pela cidadania é ilícita e que o Estado é obrigado a pagar uma multa de 11 mil euros(R$ 38 mil) de indenização às famílias que se sentem prejudicadas pela demora e entrarem com ação judicial. 

"Levei um tiro e foi a gota d'água"

Formada em Letras pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) e mestre em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Cássia Gianni de Lima, 26 anos, nunca pensou em abandonar tudo para se aventurar na Itália. Até que foi vítima de uma tentativa de assalto em 2016 e escapou da morte por pouco. Ela e o namorado foram abordados por criminosos no carro em que estavam quando voltavam para casa, no bairro Madureira, em Caxias, na metade do ano passado. Um bandido disparou quando eles fugiram e a bala atingiu as pernas de Cássia, que teve de passar por cirurgia e seis meses de fisioterapia.

— Achei que ia me recuperar emocionalmente, mas não consegui. Isso foi o que nos animou a realmente pensar em viver fora com seriedade. Foi a gota d'água — relata.

Ela já havia morado na Itália em 2011 e pensava em migrar para os Estados Unidos, onde as chances de emprego para o companheiro eram maiores. Porém, como tinha a cidadania, acabou optando pela cidade de Treviso, próximo a Veneza. Em 28 de janeiro de 2017, o casal desembarcou no Vêneto. Em pouco tempo, ela foi contratada por um escritório especializado em processos de cidadania para ser um canal de comunicação com brasileiros em Rovigo, município de 50 mil habitantes da mesma região.

— A qualidade de vida aqui é muito alta e o custo é baixo. Se você mora na Itália e tem um emprego razoável, vive super bem. Com um salário mínimo dá para fazer mercado, pagar aluguel e economizar. Não penso mais em retornar — conta.

Seus principais clientes são moradores de Caxias do Sul, São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro. Ela presta serviços que vão desde o aluguel de apartamento para o estabelecimento de residência até o acompanhamento nos órgãos públicos italianos durante toda a tramitação do processo. O prazo mínimo legal que a Itália estabelece para a moradia é de 45 dias, e a cidadania não costuma sair em menos de 90 dias. De cada 100 interessados, de acordo com ela, menos de 25 se mostram realmente dispostos a pagar e esperar.

— Posso dizer seguramente que a cidadania abre portas e facilita bastante questões de visto para outros lugares, como Austrália, Japão e Canadá. Sair da sua terra não é um processo fácil, só que a pessoa pode obter a cidadania para ficar um tempo apenas e estudar, por exemplo — avalia Cássia.

"Não pretendia, até que me enfiaram um revólver na cabeça"

No próximo dia 8 de maio, o advogado Gustavo Ruzzarin Basso, 40 anos, a mulher e a filha de 4 anos se despedem de Caxias do Sul por três meses e vão morar em Como, uma comuna de 84 mil habitantes na Lombardia, ao lado de Milão. Na cidade, polo industrial de manufatura da seda, eles farão a cidadania com o objetivo principal de dar à garota uma opção de futuro no Velho Continente. Basso confessa que não imaginava embarcar nesta jornada, apesar da insistência da esposa. Há quatro anos, ele começou a ir atrás dos documentos necessários para a nacionalidade "sem muita pretensão", como ele próprio diz. Mas assim como aconteceu com Cássia Gianni de Lima, a violência o tirou do lugar.

— Não pretendia, até que me enfiaram um revólver na cabeça para levar meu carro na frente da casa da minha mãe, há dois anos, no bairro Cinquentenário. Desde então, eu penso que, se puder, caio fora. Do jeito que as coisas estão, não há previsão de melhora — desabafa.

Ele procurou, então, a advogada Michelle Kasper de Camargo, amiga de infância, que tem um escritório especializado em cidadania italiana para brasileiros em Como. Além de obter a cidadania, Basso espera visitar cidades turísticas da Itália e dar um pulo na Suíça, um antigo sonho:

— Quem sabe, no futuro, ficaremos por lá. Vejo como um bom investimento se a pessoa vai não apenas para o documento, e sim para passear. Espero encontrar uma Caxias melhorada, com uma cultura melhor do que a nossa.

Na mesma comuna vive há sete meses o chef de cozinha Marcus Mattana, que trabalhou no restaurante japonês Umai-Yoo e no Clube Juvenil, em Caxias. Em 10 dias na cidade, ele já recebeu propostas de emprego, e há um mês resolveu empreender, abrindo um food truck de gastronomia internacional, o Rota 33. Apesar da saudade dos filhos — uma jovem de 15 anos e um menino de 7, que ficaram com a ex-esposa —, Mattana afirma que voltar ao Brasil "é a última opção":

— É alucinante, completamente diferente, e o custo de vida é menor. A minha casa, que fica num convento de 700 anos de idade, é melhor estruturada do que meu apartamento no bairro Exposição. Entro e muitas vezes a porta está aberta, como se fosse há 100 anos em Caxias. Deixo a bicicleta na rua sem me preocupar. Um assalto vira notícia o ano inteiro.

Ele pondera que a adaptação pode ser complicada para alguns brasileiros, pois os italianos demoram para se mostrarem amigáveis.

— Eles te tratam de maneira formal e nem sequer se pode falar com intimidade no início. A gente estranha porque eles não te dão espaço de aproximação. Depois de um tempo, viram amigos de verdade — diz Mattana.


As cunhadas que transformam os sonhos de brasileiros em realidade

Há 10 anos, a advogada formada pela PUCRS Daniele Mariani, 37 anos — cuja família é de Caxias do Sul —, estava enrolada em dívidas. Com uma filha pequena e o financiamento da faculdade para pagar, ela traçou um plano arriscado: ir para a Itália, juntar dinheiro e retornar a Porto Alegre. Por causa da cidadania, conseguiu diversos empregos formais, mas nenhum na sua área. À medida que foi se ambientando, descobriu que podia validar o título profissional na Europa e entrou com o pedido. Seu último trabalho foi numa franquia de roupas na famosa Piazza del Duomo, em Milão. Vários clientes brasileiros, ao saberem que ela era advogada, a procuravam na loja para tirar dúvidas sobre a cidadania. Ela despertou para o tema e, depois de ter o título homologado, conseguiu um emprego num escritório especializado e ficou no país. Ela estima que, desde 2014, quadruplicou o número de conterrâneos interessados em dupla nacionalidade, o que gera forte preocupação nas autoridades italianas:

— A situação está meio complicada, pois teve uma invasão de gente desqualificada. Já fechei minha agenda para este ano e diariamente digo não para ao menos duas pessoas. Tenham cuidado com os vigaristas.

Há cinco anos, Daniele recebeu o irmão e a esposa, Michelle Kasper de Camargo, 35 anos, também advogada. Natural de Bento Gonçalves, ela fez um trajeto semelhante ao da cunhada: foi para a Itália, validou o diploma e começou a auxiliar brasileiros nos processos de cidadania. Os primeiros clientes foram amigos. Logo o passaparola (boca a boca) se espalhou e ela abriu seu próprio escritório. Conforme Michelle, os gaúchos costumavam ver a dupla nacionalidade de maneira sentimental, como um reconhecimento às tradições, ao contrário dos paulistas, que enxergam o documento como importante aliado de negócios e oportunidades de carreira. Situação que, segundo ela, vem mudando.

— É um país extremamente burocrático e se você não entende as leis e a língua, as chances do processo dar errado são enormes. Para ficar, tem de aprender a falar italiano. Você pode ser a pessoa mais inteligente e capacitada na sua área, mas, sem isso, não adianta, nem mesmo com o inglês — adverte Michelle.

As cunhadas dão uma série de conselhos aos brasileiros que decidem largar tudo e reiniciar a vida na nação dos antepassados, como dominar completamente o idioma, habituar-se à burocracia, entender a legislação trabalhista e ter tolerância com o compartamento por vezes "grosso" e intrometido dos italianos.

— É um país extremamente burocrático e se você não entende as leis e a língua, as chances do processo dar errado são enormes. Para ficar, tem de aprender a falar italiano. Você pode ser a pessoa mais inteligente e capacitada na sua área, mas, sem isso, não adianta, nem mesmo com o inglês — adverte Michelle.

Os perfis de quem busca ser cidadão italiano

Especialistas consultados pelo Pioneiro traçaram três perfis de pessoas que querem a dupla cidadania:
— Estudantes e formados em nível superior, de 25 a 35 anos, que recém ingressaram no mercado de trabalho
— Chefes de família, de 40 a 60 anos, que pretendem beneficiar os filhos e netos com a dupla nacionalidade
— Funcionários de multinacionais que procuram possibilidades de transferência e migração

Por que buscam a cidadania

— Oportunidades profissionais na Europa e nos Estados Unidos
— Segurança
— Qualidade de vida
— Pós-graduação em universidades europeias
— Fortalecimento do currículo com experiências profissionais na Europa

O que fazer para obter a cidadania

— Por meio do consulado, é preciso agendar um atendimento online pelo site www.consportoalegre.esteri.it. Todas as orientações serão repassadas pessoalmente ao postulante. Para dar prosseguimento ao processo, é cobrada uma taxa de 300 euros para cada adulto
— Para quem pretende fazer a cidadania diretamente na Itália, a dica é procurar uma assessoria especializada e com trajetória consolidada
— O futuro cidadão deverá ficar por cerca de 90 dias na Itália e estabelecer residência. A entrada na Europa tem de ser pela Itália. Se for por outro país, o processo costuma demorar mais tempo
— Os custos na Itália variam de R$ 20 mil a R$ 30 mil
— Não é recomendável fazer o processo na Itália sozinho. Erros em documentos ou no aluguel de um imóvel, por exemplo, podem atrasar todo o processo e elevar os custos

HOST ANYWHERE

Publish your website to a local drive, FTP or host on Amazon S3, Google Drive, Github. Don't limit yourself to just one platform or service provider. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit. Laboriosam, nisi, ea. Excepturi dolores, laborum ipsum soluta aliquid, ullam repellat ratione iste harum voluptatem? Alias id blanditiis, sequi possimus dolorem dolorum.

IMAGE/CONTENT SLIDER

Create a responsive, touch-swipe slideshow with Mobirise bootstrap slider. Add images, text, buttons to slides, set autoplay, full-screen, full-width or boxed layout. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit. Unde sunt, illo quo ipsa. Laboriosam voluptatem sunt nisi velit incidunt labore, sapiente pariatur ipsam fugiat doloremque asperiores eos ipsum, eveniet cum.

CONTACT FORMS

Easily add subscribe and contact forms without any server-side integration. Just link your email to form and get submissions instantly. Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipisicing elit. Accusantium id perspiciatis, sint odit error animi veniam omnis cupiditate distinctio, a quidem deleniti laborum maiores optio laudantium earum vel! Sint, rerum.

Liberação de cidadanias pelo Consulado da Itália em Porto Alegre*

1110

famílias
2007

1084

famílias
2008

579

famílias
2009

650

famílias
2010

224

FAMÍLIAS
2011

831

FAMÍLIAS
2012

385

FAMÍLIAS
2013

449

FAMÍLIAS
2014

402

FAMÍLIAS
2015

473

FAMÍLIAS
2016

1000

FAMÍLIAS
2017

Assine a newsletter do Pioneiro e receba as principais notícias da Serra por e-mail

O serviço é gratuito e oferecido de segunda a sexta-feira

Compartilhar