Ainda não se encontrou um modelo de educação capaz de apagar um cenário doloroso que se desenha ano a ano. O abandono dos estudos, chamado de evasão escolar, cresce tão veloz quanto as taxas de desemprego e de fome em todo país.
Com quase 500 mil habitantes, Caxias do Sul apresenta índices de evasão escolar maiores que os registrados no país e no Rio Grande do Sul. Pais negligentes, a distorção de idade versus série (somada à dificuldade de aprendizado) e o desinteresse são os principais motivos que levaram 9,3% dos estudantes do Ensino Médio a abandonar os estudos na cidade. Apesar de alta, a taxa ainda consegue ser maior do que a contabilizada em território brasileiro ou gaúcho. O último relatório gerado pelo Ministério Público (MP) aponta que 2.125 crianças ou adolescentes estão infrequentes ou evadiram de
escolas públicas caxienses só em 2017.
– É preciso dar um jeito nesta condição. A criança precisa ir para a escola. É um direito constitucional dela. A responsabilidade é de todos: do sistema educacional e das famílias. Não são poucos problemas e não são simples. Mas não podem ser ignorados – afirma Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento Todos Pela Educação.
Num ranking mundial de evasão escolar, composto por 100 países, o Brasil é o terceiro com o maior índice, ficando atrás apenas da Bósnia Herzegovina e das ilhas de São Cristovam e Névis, no Caribe. A situação é tão grave que um de cada quatro alunos que iniciam o Ensino Fundamental abandona a escola antes de completar a última série. Relatórios mensais gerados pelo MP em Caxias ilustram o problema em extensos gráficos, capazes de mapear os colégios em que há mais classes vazias. Obviamente, a responsabilidade pela decisão de o estudante evadir não é exclusiva da escola, mas demonstra claramente a necessidade de haver políticas públicas voltadas ao tema em sala de aula.
– A maior causa da evasão é o desinteresse. A escola não pode ser aquele espaço só focado na transmissão de conhecimento, ela precisa desenvolver o ser humano. O Ministério Público não tem como atuar para tornar a escola mais atrativa para o aluno, mas a escola, sim – acredita a titular da Promotoria Regional de Educação, Simone Martini.
Na cidade, não há uma região exclusiva onde a situação esteja mais evidente, mas escolas com maior número de alunos são, proporcionalmente, as com mais ocorrências de abandono dos estudos. Para se ter ideia, a Escola Municipal de Ensino Fundamental Dolaimes Stedile Angeli, o Caic, começou o ano com 840 alunos matriculados. Passados quase seis meses, 736 alunos seguem ativos na lista de chamada, ou seja, quase 100 debandaram antes de concluir o Ensino Fundamental.
Nas próximas páginas, o Pioneiro procura desvendar os motivos que distanciam crianças e adolescentes do convívio escolar, mostra as consequências da perigosa troca da educação pelas ruas e sugere quais os caminhos para reverter, aos poucos, esta situação.
– Os serviços de apoio, como saúde e assistência social, precisam estar unidos para reverter o quadro. É preciso incluir ações que levem prazer ao ir para a escola, e isto não cabe só à escola. É preciso oferecer ao estudante condições de esporte, cultura, trabalho – pontua a presidente do Conselho Municipal de Educação, Marcia Adriana de Carvalho.
As frases de alunos espalhadas nesta reportagem são descritas no artigo “Por que ir à escola”, da professora Nilda Stecanela. Ele foi publicado em dezembro de 2016 e traz depoimentos de alunos da rede pública. de Caxias.
A escola deve ser mais amiga, fazer coisas, gincanas, atividades legais que interessem os jovens. A escola deve ser um lugar onde ninguém tem preguiça de ir, ser mais interessante.
VULNERABILIDADE
Na Paulo Freire, a soma de famílias negligentes e vulneráveis é o que afasta os pequenos da sala de aula
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. O autor da frase é Paulo Freire, célebre educador brasileiro e patrono da escola com maior número de alunos que abandonou os estudos neste ano em Caxias do Sul. Construída em um bairro pobre, a Escola Paulo Freire se esforça diariamente para reverter os baixos índices de alfabetização. Também tenta se firmar em uma comunidade que não parece se importar muito com a escola. Prova disso é a frequência com que o prédio é alvo de depredação ou a quantidade de vezes que a Guarda Municipal é acionada por lá.
– O maior problema é que a família deixou de ter a educação como prioridade por aqui. Nosso histórico de evasão vem reduzindo ano a ano, mas a infrequência escolar ainda é alta. E esse é o primeiro passo da evasão, já que ao sentir dificuldade de aprendizado, o aluno dificilmente segue na vida escolar – reconhe o diretor Marcos Roberto da Silva Alves.
Neste ano, pelo menos 58 estudantes da Paulo Freire foram alvo de Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai), um documento enviado pela direção do colégio às autoridades após insistentes tentativas de contato com a família do aluno. Para enviá-la, a escola precisa identificar pelo menos cinco faltas consecutivas do estudante ou 10 intercaladas. Ainda que exista muita negligência de pais por lá, são razões econômicas as que mais pesam para crianças não irem à escola. Isto fica evidente principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
– Quando chove ou quando esfria, metade dos nossos alunos não vêm. E isso acontece porque não há condições nem de comprar um guarda-chuva, por exemplo. Ou porque só tem um na família e o pai usou para trabalhar. É uma realidade muito diferente de outros bairros – revela o diretor.
A vulnerabilidade interfere para valer na continuidade dos estudos. Ao Pioneiro, uma aluna do 8º ano de um colégio estadual da cidade contou que não costuma frequentar a escola a partir do dia 20 de cada mês. O motivo: não há dinheiro para bancar as passagens da garota, que precisa se deslocar do Cidade Nova até o Cinquentenário para estudar. A mãe trabalha como cozinheira e passou a fazer horas extras no último mês para poder bancar os R$ 92,50 destinados ao transporte da filha.
– Meu namorado está pagando minhas passagens, mas as dela, é sempre um sufoco. Nossa mãe fica muito triste, mas agora ela conseguiu trabalho à noite também. Mês que vem, as coisas melhoram – confia uma irmã da adolescente, de 22 anos, que voltou a estudar após não conseguir emprego.
Quando comparo nosso ensino com os outros países, sinto-me uma criança, aprendo conteúdo de 8ª série do ginásio americano no 3º ano do ensino médio.
DIRETOR VAI AOS BAIRROS
Marcos vai além do papel de diretor, e visita as famílias
Uma das apostas da escola do Loteamento Marini para driblar a evasão escolar é focar na qualidade do aprendizado. Já que é impossível professores mudarem a realidade de vulnerabilidade do entorno do Paulo Freire, o jeito é apostar na segunda razão que mais causa abandono dos estudos por lá: a dificuldade de aprendizado. Por isso, desde 2013 há dias da semana em que professores de reforço entram em sala de aula - justamente as com menor índice de aproveitamento, e colocam em prática o método de docência compartilhada. A prática é aplicada nas séries iniciais. A modalidade fica ainda mais forte quando professores de apoio pedagógico entram em sala de aula.
— Há momentos da semana em que há quatro ou cinco professores em sala de aula. E o fantástico é que ele consegue atender a pequenos grupos, de até cinco alunos — explica o diretor da instituição, Marcos Roberto da Silva Alves.
A escola Paulo Freire vive outro momento importante no combate à evasão. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Caxias do Sul (UCS) estudará a saúde mental da comunidade escolar: pais, professores e os quase 800 alunos, além de profissionais da Unidade Básica de Saúde (UBS) do Mariani. A ideia é fruto do grupo de trabalho comandado pela promotora de Educação Simone Martini, que deve estender o estudo para outras escolas.
— Nós queremos entender o problema e fazer com que os atingidos pelo problema pensem sobre ele. As hipóteses envolvem a medicalização da infância, onde tudo é tratado com remédio, o enquadramento de “aluno” como uma categoria, que muda a acolhida dele em sala de aula, e a importância do atendimento educacial especializado_ pontua Délcio Agliardi, professor da UCS, pesquisador e escritor.
Segundo o diretor, pelo menos 15% dos estudantes da Paulo Freire fazem uso de alguma medicação.
Reflexo das comunidades mais carentes, a falta de condições materiais divide espaço no ranking da evasão do colégio Paulo Freire com a dificuldade de aprendizado. Este déficit foi corroborado após a última Prova Brasil, aplicada em 2015. Apenas 18% dos alunos do 9º ano, por exemplo, apresentaram conhecimento satisfatório em matemática. O índice de aproveitamento é baixo, e cresceu em relação à edição da prova em 2013, quando o colégio ficou colocado em antepenúltimo no ranking de aproveitamento escolar.
— Nós conseguimos identificar qual a maior dificuldade de aprendizado, em que séries estavam, e trabalhar isso. Se o aluno não sabe ler e escrever, ele some da escola_ resume o diretor Marcos.
CRISTÓVÃO
De 2015 para cá, Cristóvão reduziu mais de 400 alunos
O Instituto Estadual de Educação Cristóvão de Mendoza é imponente. É o maior prédio construído do Estado, único a manter o Magistério na cidade, escola em que dois técnicos da seleção brasileira estudaram - o atual Adenor Leonardo Bachi, o Tite, e Luiz Felipe Scolari, Felipão. É uma moldura do cenário da educação estadual na cidade, mas ocupava a primeira colocação do ranking da evasão no mês de maio. Em julho, passou para o terceiro lugar, mas não se trata de uma competição em que algum colégio deseje este troféu. O assunto infrequência e evasão é desafiador e deixa o gigantesco prédio do bairro Cinquentenário com uso bem abaixo do previsto.
— Nós atendemos a mais de 70 bairros de Caxias do Sul, então nosso público é bem diversificado. E isso provoca, principalmente, dificuldade no transporte e na locomoção. Temos alunos do Magistério que vêm de Farroupilha, Flores da Cunha, e que há meses que não sobra para a passagem do ônibus_ confessa a diretora Fabiana Simonaggio.
São 1261 alunos inscritos no Cristóvão. Uma redução de mais de 400 estudantes em relação a 2015, quando a escola completou 85 anos. Em 2017, 126 se tornaram infrequentes. Nem todos evadiram, mas os que voltam para a sala de aula dificilmente seguem até o fim do ano. O maior problema, como em todo Estado, é no Ensino Médio. Em uma turma do primeiro ano, dos 31 alunos, 16 quase não comparecem. As classes vazias angustiam os professores. Pais confessaram à direção que precisariam escolher a cada mês um dos filhos para ir à aula: não há dinheiro para a passagem escolar de todos. Há crianças que ficam em casa para cuidar do irmão mais novo. Pequenos que começam a trabalhar a pedido dos pais, e precisam abandonar os estudos. Maternidade ou paternidade também figuram na lista que afastam crianças da sala de aula no Cristóvão. Boa parte destas crianças entra na sala do Serviço de Orientação Educacional (SOE) dispostas a abrir o jogo com a coordenadora pedagógica Carla Marchioro, que tem “papo reto” com a turma.
— Eles me contam que servem como “aviões” para os pais venderem droga, que não têm condições de deixar o irmão em casa, que não sentem vontade de vir aqui. E há pais solicitando a presença do Conselho Tutelar, porque eles não conseguem mais reverter a situação_ desabafa Carla.
Na escola, aprendemos, fazemos novos amigos e somos preparados para o mercado de trabalho.
O cenário é caótico e dramático nas escolas do Estado. O índice de evasão na rede é maior por acolher alunos mais velhos, principal faixa etária que não dá sequência às aulas. Exemplo: em Caxias, 48% dos alunos que desistiram dos estudos têm entre 15 e 17 anos. Matriculados na rede estadual, que é a responsável pelo Ensino Médio, estes alunos se mostram resistentes e pertencem, na maioria das vezes, de famílias destruturadas.
— Em pesquisa, uma jovem mencionou que as coisas que acontecem na família (e também na vida como um todo) afetam o que se passa na escola, mas, o que acontece na escola pouco afetaria a família ou a vida. Isso nos desafia a pensar nas fronteiras de alcance da escola — afirma Nilda Stecanela, doutora e mestre em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).
As estatísticas fornecidas pela 4ª Coordenadoria Regional de Educação, a 4ª CRE, ilustram a queda de matrículas. O número de estudantes reduziu em 6.598 nos últimos 10 anos. A redução da quantidade de alunos diz respeito também à qualidade da oferta, como lembra o doutor em Educação em Ciência e jornalista Fabio Berti:
— Parece óbvio que essa retração no números de matrículas esteja intimamente vinculada à queda violentíssima na qualidade ofertada. Paralisações frequentes ocasionadas pela desvalorização de professores e professoras, falta de docentes em diversas áreas do conhecimento, infraestrutura abaixo da linha da precariedade são alguns dos motivos evidentes — acredita.
A coordenadora da 4ª CRE, Janice Moraes, acredita que o desafio de tornar a educação mais atrativa começa a ser redesenhado com uma ferramenta online lançada neste semestre, e que conta com acervo de videoaulas, resumos e exercícios. O Geekie Lab é ofertado para 19 mil estudantes, sendo seis mil das escolas estaduais e outra parte da rede municipal.
— A tentativa é válida porque, contra o censo comum, as pessoas não evadem por motivo de trabalho, é por falta de interesse. Tudo mudou, menos a sala de aula. Com acesso à informação mais rápido, é possível inserir o aluno neste mundo digital ao dar suporte para o professor. É uma alternativa — avalia.
Em entrevista ao RBS Notícias nesta semana, o secretário Estadual de Educação Ronald Krummenauer defendeu-se afirmando que todos os recursos da pasta estão, praticamente, dirigidos ao pagamento da folha. E Janice completa:
— As coisas não andam porque esbarramos no fator humano.
A RESPONSABILIDADE
>> A obrigação de atendimento de 4 a 17 anos foi determinada por meio da Emenda Constitucional nº 59 em 2009 e, depois, reforçada pelo PNE (Plano Nacional de Educação) e por uma alteração de 2013 na LDB
>> Governos estaduais e municipais, que devem garantir a matrícula, também podem sofrer sanções em caso de falta de vagas.
>> O descumprimento dos deveres do poder familiar, previsto no ECA, pode gerar pena de multa.
É inquestionável o papel social que exerce na Zona Norte de Caxias do Sul o Centro de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente, o Caic Dolaimes Stedile Angeli. A escola de ensino fundamental fica quase às margens da Rota do Sol, em um prédio com arquitetura e estrutura semelhante aos espalhados por todo país. Mas há classes no Caic que estão se esvaziando aos poucos. Neste ano, a quantidade de alunos que deixou de frequentar a escola equivale a quatro turmas. A diretora Andiara Lucena Mello contabiliza 104 matrículas a menos desde o início do ano. Por lá, a evasão tem nome: crise econômica. Ela reflete em troca de moradias e bairros, início indevido do trabalho infantil e uso de drogas.
— As famílias se vêm obrigadas a trocar de bairro no meio do ano letivo. Porque o aluguel é mais barato em outra região da cidade, voltam para a casa de parentes, ou ainda retornam para suas cidades. E é difícil encontrar vagas para estas transferências no meio do ano letivo. Também há os que não conseguem bancar sequer a passagem de ônibus para vir à aula, ou crianças que vão trabalhar — explica Andiara.
A diretora sente a mesma frustração despertada há sete anos, quando passou a integrar a equipe do colégio. Se em bairros menos vulneráveis as dificuldades giram em torno do desinteresse, a realidade no Caic é diferente. Parece que a comunidade não se sente dona do espaço. Aos fins de semana, moradores invadem o Caic para consumo de drogas ou prostituição, e acabam quebrando telhado, cerca e roubando alguns materiais. Segundas-feiras significam tempo de reparos na estrutura, um trabalho que não deveria se tornar cotidiano, acredita a diretora. Isto não aconteceria caso os moradores entendessem que este é um espaço em que também podem opinar e usufruir, acredita o líder comunitário Carlos Alberto Rodrigues. Morador há 36 anos da Zona Norte, Carlão, como é conhecido, diz que não há cultura de educação na Zona Norte, e que as prioridades nas casas são voltadas estritamente à situação econômica. Carlão mostra que as famílias não entendem a ligação entre os verbetes educação e renda:
— As crianças estão chegando aos 15, 16 anos e precisam trabalhar, e geralmente na construção civil. Então largam os estudos. Não porque os pais mandam, mas porque querem comprar uma jaqueta, um tênis legal. Se não fizerem isto, elas não ganham. Ou então vão trabalhar para o tráfico, consumir drogas — lamenta Carlão.
Nem escola, nem líderes comunitários conhecem o paradeiro de todas as 104 crianças que não retornaram para a sala de aula no Caic em 2017. Ambos admitem que unir forças é essencial para localizar onde estão estes alunos, e assim tentar reverter o cenário de evasão. Pensando isso, desde 2011 as escolas de Caxias do Sul integram a Rede de Apoio à Escola, chamadas de Rae. A indicação é do Ministério Público e tenta fortalecer a rede de vínculos que pertencem ao entorno do estudante. A promotora de Educação Simone Martini reúne mensalmente a secretaria municipal de Educação, 4ª Coordenadoria Regional de Educação, serviços de assistência social, de proteção à criança e representantes de práticas restaurativas para abordar a evasão escolar. Os colégios, por sua vez, devem reunir-se mensalmente com representantes da comunidade e apresentar os casos de alunos que evadiram. A lógica seria a troca de informações, que inclui até profissionais das Unidades Básicas de Saúde (UBS) que visitam os bairros e conhecem características de cada família.
— A rede de atendimento se reúne toda a ultima segunda-feira do mês, para discutir alternativas e assuntos pontuais. Queremos que o agente de saúde, a pastoral, o presidente do bairro, o policial sejam o apoio externo da escola. Em cidades pequenas, o professor vai na casa e traz o aluno de volta. Em uma cidade grande como Caxias, podemos acionar estes mecanismos — explica a promotora Simone.
A rede está engatinhando e deve passar por dificuldades apontadas pelas equipes diretivas. O principal entrave, segundo a diretora do Caic Maria Stedile Angeli, Andiara Mello, é contar com a participação da comunidade.
— Nós já tivemos 4 ou 5 reuniões neste ano com a comunidade. Só tivemos a participação de dois pais. Ninguém do círculo participou_ reconhece a diretora.
A secretária municipal de Educação, Marina Mattielo, admite que boa parte das escolas enxergam a rede como só mais uma atribuição diante de tantas adquiridas. No entanto, reforça o compromisso a partir do próximo ano, quando diretores eleitos em 2017 tomarão posse nas escolas, de tratar a rede como obrigatoriedade nas comunidades.
— O acompanhamento será maior, mas não só para cobrar. Está tendo dificuldade nesta escola? Vamos chamar as escolas, presidentes de bairros, comunidade, para que estes grupos sejam instituídos com outra força. O novo treinamento aos novos gestores será focado nisto, na qualificação da rede — revela Marina.
(...) Se Eu Não Estudar,
Não For Um Bom Aluno,
Como Vou Ser Na Vida Real?
A conclusão do Ensino Fundamental no Brasil é visto como o ponto de corte da criminalidade para especialistas que pesquisam sobre violência, população carcerária e evasão escolar. Nos Estados Unidos, é o Ensino Médio. Não significa que todos os que concluírem estas etapas não têm propensão para cometer crimes, é claro, mas as estatísticas de escolaridade em todo país refletem diretamente a correlação entre analfabetismo e criminalidade. Em Caxias do Sul, mais de 60% dos apenados não concluiu sequer o Ensino Fundamental. Apenas 23,6% passou por alguma série do Ensino Médio - dado que inclui a reduzídissima estatística de apenados que têm curso superior, de 1,6%.
Os dados da Superintendência dos Serviços Penitenciários, Susepe, podem ser vistos como aliados ao tema do livro Formação de Jovens Violentos - Estudo sobre a Etiologia da Violência Extrema, do sociólogo Marcos Rolim. Lançado em maio deste ano, o livro apresenta uma investigação da violência que mata ou fere mesmo quando não há provocação nem reação da vítima. E a grande descoberta é relacionada à evasão escolar.
Não gosto como tratam a gente.
A professora tem um jeito de pensar muito diferente do nosso, aí a gente quer ver quem manda mais.
Contrariando o censo comum que imagina que crianças só largam os estudos para trabalhar, resistência e desinteresse pelos estudos são as principais causas da evasão escolar em Caxias do Sul. As histórias envolvem a resistência destes alunos costumam ser protagonizadas em famílias desestruturadas, onde os filhos desconhecem limites e acabam desrespeitando os pais. É o que aconteceu com uma jovem de 17 anos, que estaria inscrita para cursar o segundo ano do Ensino Médio em um colégio público de Caxias. Ela desistiu dos estudos ainda no começo do primeiro semestre deste ano. O motivo: desinteresse pela sala de aula. A trajetória da adolescente que envolve uso de drogas desde os 12 anos terminou de uma forma trágica, já que a família implorou ao Conselho Tutelar que convencesse a jovem a retornar à sala de aula.
— Houve problemas entre eu e a mãe dela desde que foi criança. Nunca foi questão financeira, porque ela estudava em colégios particulares, foi internada em clínica particular. Mas quando nós perdemos o controle sobre ela, a situação ficou insuportável — resume o pai da jovem.
Ainda que com apenas dez profissionais atuando em Caxias, o Conselho Tutelar devolveu às salas de aula 758 alunos em 2016. Quando encaminhados ao Ministério Público, outros 399 estudantes voltaram ao convívio escolar. A conselheira coordenadora Marjorie Monique Sasset Aver afirma que situações em que um órgão externo se torna responsável por intermediar o caos entre família e aluno vem se tornando cotidianas.
— Quando se torna adolescente, há o interesse de ter seu próprio dinheiro para comprar roupas, ir à escola não é mais legal. Também se tornam velhos para estar aí, porque já reprovavam, e se tornam motivo de chacota. Conforme vão envelhecendo, ir à escola não se torna legal. Em certos lugares, vira até rótulo — comenta a conselheira.
Vamos para a escola pra gente não ficar tão sozinho (em casa).
Fundado em 2006, o Todos Pela Educação é um movimento que tem como missão engajar o poder público e a sociedade brasileira no compromisso pela efetivação do direito das crianças e jovens a uma Educação Básica de qualidade. Neste ano, o movimento divulgou pesquisas com dados alarmantes voltados principalmente ao estado gaúcho. O Rio Grande do Sul é a unidade da federação que mais retrocedeu nos indicadores de qualidade no fim do ensino médio. Apenas 8,9% dos jovens concluíram o 3º ano com aprendizado considerado adequado em matemática em 2015, uma queda de 4,9 pontos percentuais em relação a 2013.
O gerente de Conteúdo Ricardo Falzetta conversou com o Pioneiro sobre o cenário de evasão escolar e condena o sistema de educação apresentado atualmente.
Caxias do Sul apresenta índices de evasão escolar superiores ao brasileiro e gaúcho. O que isso representa?
Ricardo Falzetta: De forma geral, o que a gente consegue analisar em relação às taxas de evasão é que elas são muito altas. E se formos comparar com outros países, temos uma taxa absurda, o que mostra total um fracasso do sistema escolar. Essas taxas se ampliam no Ensino Fundamental II, nos anos finais, e se ampliam mais no Ensino Médio. De forma geral é o que acontece e o que deve ser revertido. Quando acontece em regiões mais ricas do país, como é o caso de Caxias do Sul, demonstra que há falta de investimento com a educação local. E isso é lamentável.
E quais as principais causas desse contexto de evasão?
Na grande maioria dos casos, estamos falando de alunos que vem de um histórico de reprovação forte. Começa a ser retido de 15 a 17 anos os alunos que deveriam estar no Médio e estão no Fundamental. E todas as pesquisas, nacionais e internacionais, mostram que a reprovação é um dos recursos mais perversos na educação. Ele não dá certo. Isso contraria o censo comum, entre pessoas de mais idade, viviam outra época que a reprovação colocava o aluno nos eixos. Mas o problema não é o aluno, é o sistema. Em 99% das vezes o problema não é o aluno, é do sistema como um todo. E agora há a questão econômica do país, os jovens de baixa renda que acabam deixando a escola por uma questão econômica. Eles precisam buscar o mercado de trabalho para complementar a renda. Isso é perverso, porque esse jovem não está preparado, acaba indo pro mercado de forma precarizada. Isso também precisa ser combatido.
E quais os caminhos para o cenário da evasão escolar mudar?
Pras famílias de menor renda, a gente precisa pensar em políticas compensatórias para manter este jovem na escola. São questões que vão se somando e acaba tendo esse efeito de taxa de evasão altas, e como consequências em todas as demais áreas. Não há culpabilização do professor, é um problema de sistema. É um professor mal remunerado, com carreiras mal desenhadas, e que ao longo do tempo faz com que a profissão seja pouco atraente. Acaba atraindo pra profissão os que já vem de precariedade na sua formação desde o ensino fundamental e própria graduação. Vira um ciclo vicioso que acaba gerando uma consequência.
A educação que deixa a desejar tem consequências na área da saúde, da segurança, no próprio desenvolvimento econômico do país. Tudo muito ligado.
Eu acho que o caminho o diagnóstico fazer ele é o primeiro passo. Entender quais são os problemas e aplicar políticas localizadas, não tem outra solução. É se você pega exemplos de busca ativa, nome técnico de uma destas políticas. Caso de Ceará, de Sobral, diariamente o diretor da escola passa por todas as salas de aula checando se tem algum aluno que não está. Se não tem, ele liga imediatamente para os pais. Tem que ter uma conversa mais do que exaustiva com essa família para entender se é negligência, se não for tem que ter esse convencimento todo. Se é problema de transporte, de infraestrutura ou condição... Tem que dar um jeito para dar essa condição. Ela precisa ir para a escola. Isso é um direito da criança, constitucional. Ele precisa ser garantido de todas as formas. A família tem uma obrigação.
Sem estudo não arruma trabalho.
Preciso estudar para no futuro ter uma ficha correta, um currículo bom.
Infrequência ou evasão escolar são termos nunca usados por professoras que já passaram pela pequena Escola Municipal de Ensino Fundamental Vinte e Um de Abril. O número de alunos sequer chega ao que leva o nome do coleginho: são 20 crianças inscritas. A lista de chamada é singela, mas nunca tem a palavra “falta” impressa. Segundo a coordenadora da escola, professora Silvana Andrade, a escola nunca precisou abrir uma Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai). Por isso, ela consta na lista do Ministério Público (MP) como uma das poucas que não há fichas enviadas.
— Os pais vivem a escola junto do aluno. Então, só há falta quando a criança está com algum problema de saúde. E mesmo assim, os pais avisam — orgulha-se a coordenadora.
A escola tem estrutura simples e bastante reduzida quando comparada com colégios onde há laboratórios e outros espaços para aprendizado. No entanto, o que diferencia o estabelecimento de ensino é a participação da família. Enquanto em colégios maiores - como o Paulo Freire - há pais que sequer buscaram boletins escolares do primeiro trimestre em pleno mês de agosto, nunca há um chamamento de pais com ausência na Vinte e Um de Abril. A professora que dá aula para as turminhas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental mora em Nova Petrópolis. Diz que não se importa em deslocar diariamente para a escolinha porque aprendeu a gostar do ambiente de uma forma que não havia vivienciado em outros colégios.
— As famílias dão bastante importância para a educação. É tão importante que nunca aconteceu de ficar sem notícias de alunos. Não há violência escolar, não existem tantas famílias com dificuldades. Posso dizer, sem dúvidas, que os alunos são frequentes_ defende Silvana.
Reforçar o aprendizado nas séries iniciais e garantir que menos crianças e jovens abandonem a sala de aula por distorção de idade e série é foco dos projetos recém lançados pela secretaria Municipal de Educação (Smed). De cara, 55 das 85 escolas municipais receberão um importante reforço que já era indicado pelo Ministério Público: turmas de psicopedagogia. Trata-se do Vincular, projeto implantado em 7 de agosto e que abrange 66% das escolas, atendendo a uma demanda represada há dois anos em Caxias do Sul.
— Será um maior atendimento para as crianças que não acompanham o ano em curso. É voltado ao público que transita entre a dificuldade pedagógica e dificuldade psicólogica. Não é uma criança que tem uma deficiência, por exemplo. Trataremos de investigação e levantamento de hipóteses: por que essa criança com potencial não aprende?_ ensina a psicopedagoga da Smed, Paula Martinazzo.
Na prática, 1.120 estudantes receberão atendimento em sete núcleos espalhados pela cidade e agrupados por demanda. São eles: uma unidade central, onde hoje acontece o Vinculação, um posto itinerante, e nas escolas Basílio Tcacenco, Professora Marianinha Queiroz, Zélia Rodrigues Furtado, Paulo Freire e Érico Veríssimo. Estes postos foram identificados após avaliação da assessoria pedagógica da Smed, que avaliou quais colégios da cidade apresentavam maior defasagem de aprendizado dos alunos nos anos iniciais. Por isso, estudantes do 1º ao 4º ano, com idades entre 6 e 10 anos, frequentarão uma vez por semana o espaço por 45 minutos.
— Há crianças que não estão autorizadas a aprender e por isso não escrevem. Porque quando ela aprende a escrever, não consegue mais parar. Então identificados a situação que ela está passando por meio do desenho, que é anterior à escrita e fala muito sobre o emocional — afirma.
Ainda que a evasão escolar não esteja ligada principalmente aos anos iniciais do Ensino Fundamental, que é o foco do programa, o passo é importante para evitar que a criança se sinta desmotivada nas próximas séries, e assim passe a deixar de frequentar o colégio. O projeto deve ser ampliado no próximo ano, de acordo com a demanda já repassada à Smed.
Destinada àqueles que não tiveram acesso ou não puderam cursar os ensinos Fundamental e Médio na idade própria, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) sofrerá alterações a partir do próximo ano na rede municipal. Somente estudantes com mais de 18 anos poderão se inscrever no EJA Ensino Fundamental e Médio na rede municipal. Com isso, uma nova modalidade será implantada em escolas municipais da cidade: Turmas de Aceleração.
Denominadas de TAs, este projeto deverá oferecer estudos direcionados à alunos repetentes por pelo menos dois anos. As 29 turmas que começarão no próximo ano funcionarão no turno diurno, com no máximo 20 alunos. A proposta tentará abrigar alunos que migravam para a EJA à noite de forma equivocada, conforme a secretária municipal de Educação, Marina Matiello. Também atende a uma diretriz nacional que deveria estar sendo obedecida desde o ano passado, segundo a secretária.
— Além de ter o professor de referência, o aluno terá um mediador, que entrará em sala de aula como suporte. Se há dificuldade de aprendizado, ele senta e atende o aluno. Se há problema de comportamento, ele sai da aula e conversa com ele. Isso fará com que o aluno crie um vínculo muito forte com esta turma — afirma Marina.
A medida é importante para tentar reduzir a distorção série e idade, fator que contribui bastante para a evasão. A ideia é que o aluno se sinta mais confortável em uma turma com jovens da mesma faixa etária, e com o mesmo grau de dificuldade. Na prática, uma turma irá acelerar o aprendizado do 6º e 7º ano, e outra somente do 8º ano. A implantação nos outros anos está em estudo.
— Nós temos também a questão de espaço. Estão sendo vistas as escolas que têm condições físicas e populacionais para serem atendidas_ defende Marina.
Hoje em dia, falta respeito de ambas as partes.
Acho que a escola deveria ser menos rude e tentar se aproximar dos alunos e os mesmos deveriam corresponder positivamente.
Escolas com EJA em 2018
ZONA SUL: Prefeito Luciano Corsetti
ZONA NORTE: Dolaimes Stédile Angeli e Presidente Castelo Branco
ZONA OESTE: Rosário de São Francisco
ZONA LESTE: Guerino Zugno e Caldas Júnior
Com a mudança da oferta da Educação para Jovens e Adultos (EJA), haverá redução significativa no atendimento a este público. Das 16 escolas que oferecem o serviço, apenas 6 escolas seguirão com a oferta. As escolas foram divididas por zoneamento (regiões , sul, norte, oeste e leste) e a escolha de turma para os professores que atuarão na EJA será realizada pela Smed por meio de convocação. A mudança, segundo a secretária Marina Matiello, é feita após um estudo que idenfiticou que 46% do público da EJA tem menos de 18 anos. Ou seja: não obedece aos pré-requisitos para fazer parte deste tipo de modalidade de ensino.
A pesquisa também mostrou que 43% do público da EJA é infrequente e 22% cancela a matrícula durante o curso. A aposta da secretaria é que estes alunos migrem para as turmas de aceleração. Ainda que alguns colégios já oferecem esta modalidade, como a Escola Basílio Tcacenco (foto), o modelo chegará a mais escolas em formato de avaliação. A dúvida de especialistas é se alunos que antes frequentavam à noite passarão, de fato, a ir para aulas diurnas.
— Minha posição é: ter a modalidade no diurno. Não se pode colocar os grandes com os pequenos, é uma tragédia. Problemas complexos não podem ter soluções simples. A EJA tem a marca da exclusão social, para muitos, é a única possibilidade. Ela não pode ser uma segunda linha de educação. O desafio é que a pessoa siga aumentando sua escolaridade — opina o professor e doutor em letras Délcio Agliardi.
Com um salário de R$ 380, um jovem de 16 anos morador do Santa Fé é um dos que apostou na EJA para dar continuidade aos estudos. Terminou o Ensino Fundamental no ano passado por meio do EJA em um dos colégios municipais. Em 2017, não seguiu o Ensino Médio porque diz que precisa trabalhar para se sustentar. Mora sozinho em uma casa cedida e trabalha como empacotador em um mercado. Desde o início do ano, não aparece na escola. E a escolha dele é clara: ele quer frequentar o EJA para terminar o Ensino Médio.
— Eu prefiro trabalhar. Me prejudico por um ano ou dois, mas depois vou concluir o Ensino Médio. Mas para mim, precisa ser à noite. Porque preciso trabalhar, entende? — conta.
Sem a escola tu não é nada, a escola é uma forma de aprender o que não sabe pra usar na vida real.
O serviço é gratuito e oferecido de segunda a sexta-feira
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