Marcelo Casagrande
volta do crescimento | Apesar de crescer 8% em 2017, indústria caxiense terá um longo caminho até voltar ao mesmo patamar de faturamento obtido nos anos pré-crise
FERNANDO SOARES
fernando.soares@pioneiro.com
Em 2000, a internet era discada na maioria dos lares brasileiros. Não existiam smartphones, apenas celulares “tijolões”. Fernando Henrique Cardoso era presidente do Brasil, enquanto Olívio Dutra ocupava o posto de governador do Rio Grande do Sul. O catarinense Gustavo Kuerten, o Guga, figurava como o melhor tenista do mundo. E, segundo o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico (Simecs), a indústria de Caxias do Sul fechava o ano com faturamento de R$ 12,7 bilhões, um patamar semelhante ao que se verificaria quase duas décadas mais tarde. Em 2017, a receita totalizou R$ 12,1 bilhões, mesmo crescendo 8% frente ao ano anterior.
A recessão enfrentada nos últimos anos fez com que o setor produtivo caxiense entrasse no túnel do tempo para uma viagem nada agradável. Dona do maior parque industrial do Rio Grande do Sul e do segundo polo metalmecânico mais importante do Brasil, Caxias do Sul viu a indústria perder terreno. Conforme dados do Ministério do Trabalho, por meio da RAIS e do Caged, mais de 20 mil postos de trabalho foram cortados e quase 300 empresas fecharam as portas entre 2013 e 2017. No mesmo período, o faturamento anual das empresas caiu pela metade.
No ano passado, os números negativos começaram a ficar para trás. O crescimento do setor e uma tímida retomada das contratações, com 284 vagas geradas, segundo o Caged, trouxeram um alento. Mas, a partir de agora, a cautela impera entre o empresariado caxiense. Com o final da recessão, o segmento deve iniciar um novo ciclo. Uma etapa que deverá ser marcada por um crescimento constante, mas com cifras modestas.
– Teremos uma retomada do crescimento, mas de forma bem lenta. Aquele crescimento fora da curva e os recordes que tivemos antes da crise não eram reais – aponta Reomar Slaviero, presidente do Simecs.
Para as empresas de Caxias voltarem ao patamar de receita pré-crise serão necessários em torno de oito anos, na avaliação de Slaviero. Sendo assim, a recuperação total da recessão viria somente em 2026.
A euforia vivida entre 2010 e 2013, uma época com crédito farto e que trouxe recordes de vendas na maioria das companhias, dificilmente se repetirá de agora em diante.
– Não adianta ser irresponsavelmente otimista em investir em um crescimento não sustentável. Melhor termos um crescimento menor e sustentável do que picos de crescimento – pondera Mauro Bellini, vice-presidente de Indústria da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC).
Das temporadas de dificuldades enfrentadas pela indústria, ficam diversas lições. Na percepção de Bellini, a principal delas é “fazer mais com menos recursos”, algo que passou a ser crucial para as empresas locais seguirem competitivas no mercado.
Redobrar os cuidados com as finanças é outro ensinamento que fica. A criação de reservas se torna crucial para superar novos momentos de instabilidade.
– Tem que cuidar o caixa. Quem não cuida do caixa, não sobrevive à recessão – sinaliza o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Gilberto Petry.
Marcelo Casagrande
MARCOPOLO | Gomes Neto espera crescimento moderado na produção de ônibus
Aos poucos, a ociosidade nas fábricas de Caxias do Sul começa a ficar para trás. Conforme a Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC), a utilização da capacidade instalada está na casa dos 75% ao longo deste ano, o índice mais alto desde 2015. No entanto, isso não significa que as empresas voltaram a produzir na mesma intensidade de antes. Afinal, há menos funcionários nas unidades fabris e a demanda, apesar de crescente, tende a ser mais modesta.
– Vai ser muito mais moderado o crescimento da produção. Dificilmente aqueles volumes de 2010 a 2013 vão se repetir no futuro – calcula Francisco Gomes Neto, diretor-executivo da Marcopolo.
Segundo os balanços financeiros da Marcopolo, a produção de ônibus no mercado interno caiu de 18,2 mil a 7,1 mil unidades anuais, entre 2013 e 2016. Por tabela, o faturamento despencou de R$ 3,6 bilhões a R$ 2,5 bilhões. No ano passado, os números voltaram a subir. Foram fabricados 8,5 mil veículos e o faturamento atingiu R$ 2,8 bilhões. Para 2018, o diretor-executivo projeta um incremento de 15% nos negócios.
Situação semelhante também é verificada nas Empresas Randon. O diretor de Tecnologia e Inovação Sandro Trentin lembra que a produção de implementos rodoviários, puxada principalmente pelos semirreboques, despencou de 70 mil a menos de 30 mil unidades ao ano. Agora, deverá voltar a um patamar de 30 mil a 35 mil produtos em 2018.
– Não acredito que vamos voltar tão cedo aos patamares mais altos que já tivemos, de 60 mil a 70 mil produtos por ano. Vamos levar de três a cinco anos para retomar uma produção anual na casa de 40 mil a 45 mil implementos – projeta Trentin.
Durante o período da crise, as receitas da Randon despencaram de R$ 6,6 bilhões a R$ 3,6 bilhões, segundo as demonstrações financeiras. O faturamento cresceu a R$ 4,2 bilhões em 2017 e deve chegar a R$ 5 bilhões em 2018.
A crise dos últimos anos acelerou um processo que já vinha ocorrendo há mais tempo: a perda de participação da indústria dentro do Produto Interno Bruto (PIB) de Caxias do Sul. Segundo dados da Fundação de Economia e Estatística (FEE), o Valor Adicionado Bruto (VAB) do setor produtivo caiu de R$ 7,6 bilhões, em 2013, a R$ 5,6 bilhões, em 2015, o último dado disponível. Isso representa uma retração de 27%, muito acima da queda no PIB de Caxias, que foi de 3,5% no mesmo período.
O peso das fábricas dentro do PIB municipal atualmente é o menor em duas décadas. Em 2015, representou 27,2% da economia caxiense. Antes do início da recessão, em 2013, representava 35,9%. No seu auge, havia chegado a 40%. A queda ocorre pelas dificuldades enfrentadas pelas fábricas e também pela expansão de outros segmentos, em especial dos serviços, que hoje respondem por 56% da atividade econômica local.
Até 2014, Caxias era dona do maior VAB Industrial no Estado. Em 2015, foi ultrapassada por Porto Alegre e caiu para a segunda colocação.
Diogo Sallaberry
recuperação judicial | Fadanelli diz que Flantech conseguiu renegociar dívidas com credores
Cidade gaúcha mais industrializada, Caxias do Sul sai da crise com menos empresas do que já teve um dia. Em três anos, 281 fábricas fecharam as portas, de acordo com os dados da RAIS, do Ministério do Trabalho. Desse montante, 151 atuavam especificamente no ramo metalmecânico, o carro-chefe do município. No total, Caxias passou de 3.127 a 2.846 estabelecimentos industriais, entre 2013 e 2016.
Marcelo Casagrande
RANDON | Trentin salienta que presença no Exterior abre espaço para novos produtos em Caxias
Diogo Sallaberry
retorno | Mattos (D) conseguiu um novo emprego neste ano
A escalada do desemprego foi um dos principais termômetros das dificuldades enfrentadas recentemente pela indústria de Caxias do Sul. Entre 2013 e 2017, de acordo com dados da RAIS e do Caged, foram cortadas mais de 22 mil vagas, incluindo a construção civil na conta. Mas, aos poucos, as contratações estão voltando.
Levando em consideração apenas a indústria de transformação, foram gerados 284 postos formais no ano passado. E, em 2018, a recuperação segue. No primeiro trimestre, o segmento demitiu 4.763 e contratou 7.227 pessoas, o que resultou em saldo positivo de 2.464 vagas. Uma dessas posições foi obtida por Diogo Gonçalves de Mattos, que no início do ano foi contratado para ser líder de produção em uma siderúrgica.
Funcionário da Guerra por 12 anos, Mattos estava inativo desde maio de 2017, quando a fabricante de implementos rodoviários interrompeu as atividades. A partir de então, passou a sobreviver de bicos, como trabalhos em restaurante e em uma lavoura. Quando surgiu a possibilidade de voltar à indústria, não pensou duas vezes, ainda que o salário oferecido fosse em torno de 40% menor em comparação ao que tinha.
– Iniciei em uma função diferente da que tinha anteriormente. É um recomeço – comemora.
Mesmo com a reação do mercado de trabalho, é pouco provável que a indústria volte a ter a mesma força produtiva que teve nos seus melhores dias. Isso porque as empresas enxugaram suas operações ao máximo, ao mesmo tempo em que a automação de processos é crescente.
– A tendência é não ter o número que tínhamos de trabalhadores, até pela questão da Indústria 4.0. A tecnologia aumenta e diminui os postos de trabalho – analisa Claudecir Monsani, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul e Região.
Segundo Monsani, as novas vagas que estão sendo abertas no município têm remuneração inferior às que eram geradas no passado. A média salarial da categoria caiu de R$ 2 mil a R$ 1,5 mil. Com os trabalhadores com menos dinheiro no bolso e a redução da categoria, o número de sindicalizados despencou de 20 mil para os atuais 10,2 mil.
Felipe Nyland
barbeiro | Favaro mudou de área e abriu a própria empresa
Com o corte expressivo de vagas na indústria, a alternativa escolhida por muitos ex-funcionários de fábricas foi migrar para outras atividades. Gastronomia e o mercado da beleza são os dois segmentos que mais acolheram as pessoas saídas do setor produtivo. No Senac de Caxias do Sul, a demanda por cursos nestas áreas subiu em torno de 30% somente no ano passado.
Marcelo casagrande
mecatrônica | Casagrande (E) e Neukamp (D) pretendem trabalhar em postos ligados à tecnologia
Uma geração conectada, que aspira cargos voltados à tecnologia e não hesitará em sair de Caxias do Sul para buscar as melhores oportunidades de trabalho. Esse é um perfil comum entre os novos industriários formados pelo Instituto Senai de Tecnologia em Mecatrônica, o principal fornecedor de mão de obra para a indústria local.
Marcelo casagrande
para começar | Barbosa vê setor do plástico como alternativa
A adaptação à quarta revolução industrial, a Indústria 4.0, é um dos maiores desafios que começam a se impor às empresas do setor. Porém, avança lentamente no Brasil o uso de tecnologias como internet das coisas, manufatura aditiva (impressão 3D de peças), big data e máquinas interconectadas na linha de produção. De acordo com pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), menos da metade das empresas brasileiras utilizam alguma tecnologia digital.
O gerente-executivo de Política Industrial da CNI, João Emílio Gonçalves (foto), salienta que a adoção das tecnologias será fundamental para garantir a competitividade da indústria nacional nos próximos anos.
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