O Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, é case de sucesso absoluto no turismo: foram cerca de 410 mil visitantes em 2016, um movimento mais de três vezes acima do registrado há 10 anos, conforme estimativa da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale).
É o único local do Brasil cujas cerca de 10 a 12 milhões de garrafas de vinho e espumante produzidas anualmente têm certificação de Denominação de Origem (DO), reconhecido indicador de qualidade. A conquista veio em 2012, mesmo ano em que a Assembleia Legislativa aprovou uma lei que integra a área ao patrimônio histórico e cultural do Estado.
Um olhar mais aproximado, porém, revela mais do que uma paisagem idílica e uma experiência de desenvolvimento bem sucedida. A própria prosperidade do Vale gera dilemas sobre o futuro da região.
– Há uma dinâmica territorial muito intensa no território dos Vinhedos, cada vez mais rápida e com mais atores envolvidos – alerta Ivanira Falcade, doutora em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora do Mestrado em Biotecnologia e Gestão Vitivinícola da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Conforme a pesquisadora, que mapeou a zona de Denominação de Origem em esforço coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Uva e Vinho, o aumento do interesse pela área traz consequências. Uma delas é o incremento do valor da terra, que, em combinação com a pressão urbanizadora dos municípios próximos e o envelhecimento da população rural, abre espaço para a especulação imobiliária. Além disso, o fluxo de visitantes incentiva a instalação de empreendimentos turísticos cada vez maiores, nem sempre ligados à vitivinicultura.
São questões que, segundo Ivanira, contribuem para a gradual descaracterização do Vale.
– Há uma mudança bem significativa no uso do solo ao longo das rodovias. Há espaços ocupados por outras construções e atividades econômicas que não são mais vinhedos. Se pensarmos no que o Vale gerou, de forma direta ou indireta, com uma economia multivariada, descaracterizar é mais ou menos matar a galinha dos ovos de ouro – define.
A preservação das características “originais” do Vale dos Vinhedos é uma questão complexa, com tantos níveis quanto os ocupados pelas parreiras nas encostas das colinas da região.
A lei que reconhece a área como patrimônio estadual é, segundo o governo do Rio Grande do Sul, mais simbólica do que regulatória. A ocupação do Vale é definida pelas cidades de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, que dividem a área.
Pesam na elaboração dos Planos Diretores de cada município os interesses de produtores de uva e vinho, empreendedores turísticos da região e da população local, entre outros.
Em três reportagens, o Pioneiro ouve os atores e mapeia os principais fatores determinantes na ocupação do Vale dos Vinhedos para entender para onde vai o destino da região
O Vale dos Vinhedos não é uma região político-administrativa, como um bairro ou um distrito. A área de cerca de 81 km² (mapa ao lado) é delimitada pela indicação geográfica conquistada pelos vitivinicultores para certificar os produtos feitos ali.
60% do território estão no distrito Vale dos Vinhedos, de Bento Gonçalves; 33% pertencem a Garibaldi; e 7% a Monte Belo do Sul.
Em 2012, o Vale foi reconhecido como Denominação de Origem (DO). Os vinhos que saem das vinícolas participantes da Aprovale obedecem regras de cultivo e produção, assegurando que 100% da matéria-prima vêm da área delimitada.
Essa é a mesma área considerada como patrimônio histórico e cultural do Estado.
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