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10 anos de Rota do Sol

Após décadas de esforço coletivo, obras complexas e caras, a Serra finalmente conquistou sua ligação com o Litoral. E lá se vão duas décadas. A partir de hoje, embarque conosco nessa viagem pela história e pelos muitos personagens que fazem parte da estrada mais esperada da região

Texto
Raquel Fronza
raquel.fronza@pioneiro.com
André Fiedler 
andre.fielder@rdgaucha.com.br

Infografia e diagramação
Márcia Dorigatti
marcia.dorigatti@pioneiro.com

Fotos
Roni Rigon
roni.rigon@pioneiro.com

Mobirise

O agregador de forças

Eram 10h do dia 20 de dezembro de 2007 quando os moradores da Serra finalmente puderam celebrar uma conquista aguardada havia 35 anos. Em uma tenda montada no recém-entregue Viaduto da Cascata, na Serra do Pinto, a então governadora Yeda Crusius, acompanhada do antecessor, Germano Rigotto, inaugurava a Rota do Sol. O ato dava fim a anos de incertezas em que o barulho das máquinas era intercalado pelo silêncio das obras paradas.

Integrando a comitiva responsável por dar início à era do caminho asfaltado até a praia, o então diretor de infraestrutura e hoje presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC) de Caxias do Sul, Nelson Sbabo (foto acima), também dava fim a um exaustivo trabalho para garantir que a estrada não fosse esquecida.  

A luta da CIC, liderada por Sbabo, tem origem nas dificuldades que o próprio empresário enfrentou ao longo do tempo, como quando precisava vender vinho em Cambará do Sul, na década de 1960, ou para buscar tijolos no distrito de Vila Seca para vender em Caxias do Sul.

– Colocávamos vinho, vermute em um barril, e íamos vender lá. De todas as viagens que fiz, durante uns três anos, em duas eu fui e voltei sem quebrar na estrada. Começamos nossa empresa em 1960 e precisávamos buscar tijolos em Vila Seca e região. Era um sacrifício danado, principalmente no inverno. Chegávamos na olaria, carregávamos o caminhão e vínhamos. Muitas vezes ficamos atolados. Pessoalmente, senti na pele o que era o sacrifício das pessoas para andar na estrada. Por isso a minha história se confunde, não dá para dizer “o Sbabo está falando da vida dele” – lembra.
História

O termo Rota do Sol foi utilizado pela primeira vez pelo ex-governador Euclides Triches, cujo nome foi escolhido para batizar a estrada.

– Na Itália também tem uma estrada que se chama Rota do Sol e ela segue o traçado do Sol. Por isso, o governador Triches passou a usar esse nome, porque a estrada congrega várias rodovias entre a região oeste do Estado e o Litoral – afirma o ex-chefe da Casa Civil do governo Triches, Victor José Faccioni.

Caxiense, Triches foi a primeira liderança a viabilizar a ligação asfaltada entre a Serra e o Litoral. Ele percorreu um possível trajeto no início da década de 1950, quando era prefeito da cidade. Já como governador, elaborou projetos, lançou a primeira licitação e começou a obra em direção ao Litoral em 1972.

A semente da Rota do Sol, porém, havia sido plantada muito antes: em 23 de agosto de 1931. Em uma reunião da então Associação dos Comerciantes de Caxias do Sul, hoje CIC, os conselheiros apontavam a necessidade da ligação devido ao projeto de construção de um porto em Torres. A preocupação era escoar a produção da Serra.

Com as obras finalmente em andamento, teve início também um complexo trabalho de superação de obstáculos. Para garantir recursos para a construção, era necessário convencer os governos de que a estrada era prioridade. Mas também houve resistência por parte de setores da sociedade, como o representante de uma entidade da Região Metropolitana de Porto Alegre.

– O cara chegou e disse “Sbabo, o que tu estás fazendo nesse movimento da Rota do Sol? Você quer quebrar com o pessoal de Santo Antônio da Patrulha e Osório? Vai desviar o movimento”. E eu disse: “você não tem noção do está dizendo. Eu saio daqui agora mais entusiasmado para fazer o que estou fazendo. E se o senhor acha que o pessoal vai ter prejuízo, avisa eles para se mudaram para a Rota do Sol”. O objetivo era convencer que a rodovia auxiliaria o desenvolvimento – lembra.

O fato de a rodovia cortar três áreas de preservação ambiental também exigiu delicadas negociações com organizações não governamentais (ONGs) e órgãos ligados à área. De quilômetro em quilômetro, porém, cada obstáculo foi sendo superado em um esforço que envolvia até mesmo formas de viabilizar a entrega do dinheiro já disponível para a obra. E 35 anos depois, a luta passou da conclusão para uma projeção do futuro da Rota do Sol.

Mobirise

A Rota do Sol que dá saudade

A aposentada Vera Silveira de Moura, 72 anos, tenta, em vão, colocar as roupas limpas da família para secar. O varal onde estão penduradas calças, blusas e outras peças, lavadas à mão no tanque, fica nas margens de uma estrada de chão. Por isso, a poeira que sobe a cada carro que acelera acaba colorindo com tons escuros as roupas limpinhas.

Conviver com o pó é rotina para Vera e outras famílias de Aratinga, que vivem em um endereço batizado com nome popular entre caxienses: Rota do Sol. A humilde casa de madeira fica no antigo traçado da rodovia. Vera, a filha, o genro e os netos são alguns dos que assistiam ao intenso vaivém de carros na porta de casa. Em 2007, o traçado mudou, o asfalto passou longe de casa e a família faz parte agora de uma região esquecida, pobre, mas com gente muito trabalhadora.

– Antes, o ônibus passava na porta de casa. Se ficávamos doentes, também, era bem mais fácil buscar socorro. Agora, aqui é um lugar sem recurso, mas também, sem perigo. Por isso ficamos aqui – explica dona Vera.

São famílias dos municípios de São Francisco de Paula, Cambará do Sul, Itati e outras cidades vizinhas que precisaram se acostumar com a mudança do traçado que os deixou órfãos do asfalto. Ainda que o avanço não tenha chegado na porta de casa, houve progresso para aquela gente também. É o que garante o morador Sirilio Santos Fonseca, 62.

– Mudou para melhor para muita gente. Porque daí passou a ter também serviço para as mulheres com as lancherias lá na Rota – opina.

Fonseca, que ganhou a vida trabalhando em uma das serrarias da região, reclama que a estrada de chão batido nunca esteve em condições tão precárias. Na época em que a via era caminho do litoral, a situação era mais “caprichada”, descreve.

Precariedade é palavra comum também aos moradores do interior de Tainhas, localidade de São Francisco de Paula. Há cerca de 100 famílias vivendo no antigo traçado da Rota do Sol, formando um cenário em que o tempo parece não ter passado.

– Nem água tratada nós temos, ficamos isolados – desabafa Valquiria Alves Pinto, 59.

Mobirise

Agradecimento dos operários 

Um gesto que simbolizava a gratidão dos trabalhadores da Rota do Sol por não terem sofrido acidentes de trabalho foi alvo de vandalismo. Uma pequena gruta, com uma estátua de Nossa Senhora Aparecida, foi criada pelos funcionários das empreiteiras em uma das extremidades do Viaduto da Cascata, no sentido Serra-Litoral.

O que resta hoje é a estátua danificada. O concreto que cercava a santa, bem como a grade, não está mais ali. No lugar, há uma imagem pequena, também de Nossa Senhora Aparecida. 

Linha do tempo

Século 19

Tropeiros abrem caminho na mata para levar gado e mulas da região para ao centro do país.

Década de 1930

Começa a construção da Estrada do Pinto, ligação de chão entre São Francisco de Paula e Terra de Areia.

1931

No dia 23 de agosto, em uma reunião da Associação dos Comerciantes de Caxias do Sul, um dos conselheiros aponta a necessidade de uma rodovia entre a Serra e o Litoral em razão do projeto de construção de um porto em Torres. A ata do encontro, assinada por Augusto Dal Castro, registra a criação da Associação de Estradas de Rodagem de Caxias, como uma divisão da entidade. O departamento ficou a cargo do engenheiro Dario Granja Santana.

1939

Começa a demarcação e o nivelamento do solo na Estrada do Pinto. Além de remover terra e árvores, os operários precisavam se amarrar às escarpas íngremes e quebrar a rocha com picaretas e marretas para abrir caminho.

1946

A Estrada do Pinto é entregue.

Década de 1950

Então prefeito de Caxias do Sul, Euclides Triches percorre um possível caminho ligando Caxias do Sul ao Litoral.

1972

Já como governador, Triches dá início aos estudos e lança a primeira licitação para a construção da estrada. As obras começaram no mesmo ano em Caxias do Sul. Nesse período, passa a ser utilizado o termo Rota do Sol.

1990

Após um plebiscito, o trecho entre Caxias do Sul e Lajeado Grande é concluído.

1997

1997: começa a construção do trecho entre Tainhas e Terra de Areia, que inclui os 11 quilômetros de Serra.

1998

Ocorre a conclusão dos túneis do Arroio Carvalho, com 388 metros de extensão. 

2006

É feita a entrega dos túneis da Reversão, os maiores, com 445 metros de extensão.

2007

No dia 20 de dezembro, ocorre a inauguração da rodovia com a entrega da última etapa, o Viaduto da Cascata, com 340 metros de extensão. É considerada a maior obra da Rota do Sol.

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