Mobirise

Meu ônibus, minha casa

Ônibus do Alemão do Pinhão tem tudo o que um lar precisa

Texto
Raquel Fronza
raquel.fronza@pioneiro.com

André Fiedler
andre.fielder@rdgaucha.com.br

Infografia e diagramação
Márcia Dorigatti
marcia.dorigatti@pioneiro.com

Fotos
Roni Rigon
roni.rigon@pioneiro.com

Antes mesmo de se vencer a curva em direção ao Litoral Norte, surge no horizonte o ônibus de Junio Daniel Zili, 40 anos. Parado no acostamento, o veículo se destaca em meio aos campos do Km 248 da Rota do Sol, na região de Contendas, em São Francisco de Paula. Na traseira, como se fosse um cartão de visitas, um nome sugestivo chama a atenção: Alemão do Pinhão. Ele é um dos tantos vendedores da iguaria que se distribuem ao longo da estrada nos Campos de Cima da Serra.

O ônibus, que não é ligado há um ano, acabou se tornando o maior diferencial do comerciante. Não só por servir de chamariz para o pequeno negócio, mas também por ser a casa de Zili. É no veículo equipado com banheiro, TV via satélite e, desde o fim de novembro, com luz elétrica, que ele vive a maior parte da semana. Mas esse, digamos, conforto ele não tinha quando começou a vender os pinhões e outros produtos coloniais, há seis anos.

– Quando me instalei aqui, tinha uma mesinha na beira da estrada. Sempre tive padaria, fui a Torres colocar uma e não deu muito certo. Aí fui a Gramado, minha família é de lá, e vi as pessoas vendendo pinhão. Comprei dois sacos (para vender) e me “atraquei”. Mas o ônibus está aqui há três anos. Eu passava muito trabalho sem água e sem luz. Quando comprei, ele não tinha nada, veio até com os bancos – conta.

Zili também passa algumas noites na casa que possui em Arroio do Sol ou na chácara em Cambará do Sul, onde a esposa costuma ficar e onde guarda os pinhões em uma câmara fria. Como dorme quase sempre na beira da estrada, é ele quem acaba socorrendo motoristas que ficam empenhados ou sofrem acidentes. Além disso, o comerciante ajuda a limpar os bueiros da estrada para evitar aquaplanagem.

– Aquela ponte (sobre o Rio Contendas, a poucos metros da banca), quando chove, dá água de meio metro. Eu e o vizinho da fazenda vamos lá, pegamos uma alavanca e desobstruímos os canos. E quando dá acidente, temos telefones de guinchos. Tenho um jipezinho com guincho na frente e já tirei muito carro que saiu da estrada – lembra.

A vida na beira da rodovia também traz vivências e conhecimento. Ao longo dos anos, Zili já enfrentou invernos rigorosos e verões escaldantes, além do mau tempo. Em março deste ano, por exemplo, um temporal destruiu a tenda onde vende os produtos, ao lado do ônibus.

Contratempos e dificuldades à parte, morar na Rota do Sol também proporciona ao Alemão do Pinhão amizades com pessoas dos mais diversos pontos do país. Até churrasco turistas já apreciaram ao lado do comerciante.

– O ruim é ficar sozinho, mas você conhece gente de tudo o que é canto. Nós sobrevivemos por causa dos catarinenses, paulistas, paranaenses e cariocas. Todos perguntam onde fica Gramado. O gringo de Caxias não sei como coloca gasolina para ir à praia – brinca Zili.


Para vender pinhões, Junio Zili vive às margens da rodovia, na localidade de Contendas. Ele também ajuda a manter a estrada
e auxilia os motoristas

Imprudências 

Viver na beira da estrada obviamente também traz riscos, a maior parte gerado pela irresponsabilidade de motoristas que aproveitam brechas da fiscalização e abusam da velocidade. Ultrapassagens proibidas em frente à banca são rotina.

– Há dois meses um rapaz de um Vectra me salvou. Atendi ele, olhei pra cima e não vinha carro. Quando me virei, ele me puxou e uma Land Rover preta passou na contramão. Senti o espelho no meu peito. Aqui tem muita imprudência – afirma Zili.

O excesso de peso de caminhões é outro problema observado pelo comerciante. Por isso, Zili defende um pedágio que ajudaria a preservar a Rota do Sol, além de dar mais conforto e segurança aos motoristas.

– Da Serra até Caxias são 120 quilômetros desertos, nem telefone pega – destaca.

Compartilhe