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A viagem já foi aventura

Barro e poeira eram companhia de estrada de quem se deslocava da Serra ao Litoral via Rota do Sol na década de 1970. Embarque nessa história e veja como eram as viagens

Texto
Raquel Fronza
raquel.fronza@pioneiro.com

André Fiedler
andre.fielder@rdgaucha.com.br

Infografia e diagramação
Márcia Dorigatti
marcia.dorigatti@pioneiro.com

Fotos
Roni Rigon
roni.rigon@pioneiro.com

Seguir de ônibus para o litoral pela Rota do Sol na década de 1970 não era tão tranquilo como hoje. Quem se aventurava, embarcava em uma viagem sem garantia de chegar ao destino final. Não era possível prever também quantas horas se levaria até a praia, ou ainda quantos contratempos surgiriam ao longo do caminho. Esses percalços estão bem vivos na memória da equipe da Expresso São Marcos, empresa pioneira no transporte Serra/Litoral e que faz excursões pela Rota há mais de 40 anos, quando a estrada de chão era uma ingrata companheira de viagem.

– Tinha casos em que os próprios passageiros desembarcavam para nos ajudar a empurrar o ônibus. De vez em quando, furava três pneus até a praia. Os caminhoneiros que sabiam que passaríamos naquele horário, em determinado lugar, nos esperavam para que pudéssemos passar, porque a estrada não deixava mais de um passar ao mesmo tempo. Além disso, eles já sabiam que poderíamos ficar empenhados e iam nos dar uma ajuda importante para seguir em frente – descreve o motorista Jorge Marino da Rosa Macedo, 59 anos, dois quais 30 são exclusivos de dedicação à empresa são-marquense.

São três décadas, portanto, sorrindo a cada “bom dia” pronunciado aos passageiros que confiam na companhia. O motorista sempre teve a Rota do Sol como itinerário. Se hoje desfruta do conforto de um ônibus moderno, com ar-condicionado e banco flutuante, houve épocas em que passar pela rodovia exigia fôlego e coragem.


Jorge Marino da Rosa Macedo, 59 anos, dois quais 30 são exclusivos de dedicação à empresa
são- marquense. 

– Nós costumávamos dizer que o ônibus tinha horário para embarque. A chegada era quando Deus quisesse – brinca o diretor da São Marcos, Eduardo Michelin.

Jorge Marino, um dos motoristas mais antigos do quadro da São Marcos, tem especial apreço pela Rota do Sol. É natural de São Francisco de Paula e entende bem a importância que o transporte coletivo exerce na vida das pessoas do campo. Até porque demorou para que o valor de um carro coubesse no bolso de boa parte da população.

– Antigamente, motorista de ônibus era como doutor. Todo mundo respeitava a gente porque fazíamos muitas gentilezas. Por exemplo: a menina de Cambará namorava um rapaz de Ana Rech. Ela pedia para entregar uma encomenda, que ele nos esperaria em tal ponto, e nós fazíamos de graça, pela amizade – compara.

As dificuldades que Marino enfrentou ao longo de tanto tempo na cabine do ônibus pela Rota do Sol são fáceis de entender. A partir do momento em que deixava o bairro de Ana Rech, em Caxias do Sul, o motorista só reencontrava o asfalto na BR-101, quase chagando ao litoral. Em dias de chuva, o trajeto era ainda mais imprevisível:

– Nosso papel era garantir ao passageiro que chegaríamos até o fim. E nós chegávamos. Só não sabíamos de que jeito.


“Nós costumávamos dizer que o ônibus tinha horário para embarque.  
A chegada era quando  Deus quisesse”

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Corrente na roda, galinha
no bagageiro

A Expresso São Marcos completou 60 anos em novembro, e opera desde 1975 a linha Caxias do Sul-Torres. Além de Porto Alegre, Caxias do Sul é a única cidade que conta com linha diária para essa cidade litorânea. O diretor da empresa, Eduardo Michelin, reforça que, ainda que o destino seja o litoral, essa não é a única intenção da permanência da linha.

– O ônibus também faz a ligação entre moradores de Cambará, Tainhas, Bom Jesus, São Francisco, Jaquirana... E, mesmo com a estrada precária e, muitas vezes, sem comunicação, sempre houve vida na beira de toda rodovia – destaca.

Mesmo no inverno, três ônibus se deslocam ao litoral diariamente. Um destes horários é da categoria comum, e o trajeto percorrido ainda se assemelha muito ao desenhado há mais de 40 anos. O ônibus sai da rodoviária e, via BR-116, adentra em Ana Rech. Já na Rota do Sol, entra no distrito de Vila Seca, na localidade de Apanhador – onde muitos familiares vão visitar os parentes na Penitenciária Estadual –, em Décio Ramos, Lajeado Grande, Várzea do Cedro e Tainhas. Há paradas no interior de cada um destes pontos.

Em Tainhas, inclusive, o ônibus atravessa uma modesta ponte de madeira, instalada em um trecho onde ficava o antigo traçado da Rota do Sol.

– O horário comum é feito 90% em cima da estrada velha. Hoje é rapidinho, uma barbada. Em outra época, quando era dia de chuva, o uniforme incluía também calçar bota de borracha – lembra o motorista Jorge Marino Macedo.

– Na época de inverno, nós acorrentávamos os pneus dos ônibus, coisas que hoje só se vê em filme americano. Nós andávamos com os carros acorrentados para poder transpor os obstáculos, passar dentro do rio – completa o diretor da empresa, Michelin.

Se atualmente fazer amizade com os passageiros se tornou menos frequente, há anos atrás, a cortesia era característica no relacionamento entre cobradores, passageiros e motoristas.

– Nós fechávamos o olho e fingíamos que não víamos os animais que o pessoal queria carregar junto e levar à praia. Era galinha, cachorro, gato... subia de tudo à bordo – lembra Marino.

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Curiosidades

Tempo médio de viagem (até Torres)

Hoje:

três horas (linha direta)                                                               

Entre as décadas de 1970 e 1990: 

no mínimo, seis horas, podendo chegar a 15.                              

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Vá de ônibus

  • Duas empresas ligam a Serra ao Litoral Norte: a Expresso São Marcos e Expresso Caxiense.
  • Há partidas diárias para o litoral a partir das 7h (para Arroio do Sal).
  • Os preços variam de R$ 48,50 a R$ 50,25.
  • Informações pelos telefones 3218-3000 (rodoviária), 3229-4511 (São Marcos) e 3211-8300 (Caxiense).
  • É possível também comprar antecipadamente as passagens pelo site da rodoviária (rodoviariacaxias.com.br).

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