Grandes histórias também têm doses altas de esforços e superações. O caxiense Luís Roberto Viganó, de 58 anos, fez um roteiro digno de campeão. O resultado conquistado nos Estados Unidos no mês de agosto é o ápice da sua vida no tiro esportivo. Mas para alcançar uma marca história e o ponto alto do pódio na sua categoria, teve que passar por cima de um problema de saúde que faria muitas pessoas desistirem
Viganó participou da 119ª edição do Grand America 2018, considerado o mundial de Trap Americano – também chamada de Sparta pelos norte- americanos. O caxiense teve uma precisão altíssima: em 900 tiros, quebrou 898 pratos. Se você acha pouco, ele teve uma sequência de 891 acertos. E no meio de tudo isso, vem a superação para realizar um sonho.
– Comecei a primeira prova e estava um pouco nervoso, e isso faz a pessoa errar. Acertei o primeiro tiro e errei o segundo, porque disparei antes do tempo. Aí o (Marcos, companheiro de equipe) Damiani me fez sinal de calma. Depois daquele prato, fui quebrando, quebrando e fechei a primeira passada. Na segunda quebrei 100 e depois mais 100. Quando estava no final da tarde me deu uma dor no lado direito. Pedi para me levarem ao hospital, porque atacou o cálculo renal – relembra Viganó, que conta como foram as horas seguintes:
– Caí no chão e tive que ser levado as pressas ao hospital. Fiquei cinco horas na UTI, tive falta de oxigênio também e fiz duas tomografias porque haviam encontrado um tipo de fissura no meu rim. Mas, no segundo exame, não mostrou nada. Eles me medicaram e fui para casa, já tarde da noite. Meus amigos ajudaram com todos os medicamentos receitados.
Nem 24 horas depois, Viganó estava na pedana e com sua arma em punho para seguir.
– No outro dia, eu fui para a prova ainda meio zonzo, com o pessoal em cima e me dando os remédios. Aí entrei, quebrei mais 100, depois mais 100, de tarde quebrei outros 100 – conta o caxiense, aos risos.
De prato em prato, o representante do Clube Caxiense de Caça e Tiro foi derrubando os alvos no solo sagrado do trap americano. Faltando sete disparos, ele errou pela segunda vez. Porém, ainda assim, foi o campeão sub-veterano na categoria AAA, classe principal para um atirador.
Foi a realização de um sonho para quem começou com 15 anos caçando com o pai e via o esporte como algo muito distante pelo valor que deveria ser empregado para a prática.
– Meu pai é caçador, e quando ia para a fronteira me levava junto caçar perdiz. Quando tive idade, com 21 anos, comprei a minha arma e fui à caça de perdiz. Não praticava tiro esportivo nessa época, porque era caro e eu atirava na perdiz. Mas, após proibirem a caça, fiquei 10 anos parado. Depois deste período vim para o clube e conheci o tiro ao prato – conta o caxiense.
Em meio a tudo isso, Viganó trabalhou muito. Abriu sua empresa, constituiu família, vendeu a companhia, se aposentou, voltou a trabalhar. Tudo isso, envolvendo o esporte junto e conciliando tempo. Para quem acha isso uma loucura, ele explica o que o motiva e também, de certa forma, como conseguiu ter uma média incrível em meio aos melhores do mundo.
– O tiro esportivo significa tudo para mim. Aqui é onde tenho os melhores amigos. Acampamos, jantamos, almoçamos e atiramos todos juntos. É uma família. Sou apaixonado pelo tiro e pelas pessoas que compõe esse esporte – declara-se Viganó.
Se Viganó esteve nos Estados Unidos e atingiu essa marca histórica, isso se deve a outras duas pessoas que estiveram com ele: Marcos Damiani e Giovanni Pacheco. A ideia de ir ao país da América do Norte foi do segundo que, mesmo há pouco tempo no esporte, queria ter essa experiência de estar entre os melhores.
– Estou há 15 meses atirando e surgiu essa oportunidade. É como se fosse a meca do tiro. Foram quase 5 mil atiradores e a nossa equipe acabou no segundo lugar do Mundial. Eu comecei a atirar, me apaixonei pelo esporte e, influenciado por essa turma, tive despertado esta vontade de ir para a competição. Consegui um sexto lugar num evento principal, algo que nunca imaginei ser possível – afirma Pacheco.
Mas, para realizar esse sonho de ir à “meca” do trap americano, os custos saíram dos próprios bolsos.
– Nós temos muitas dificuldades como atletas. Em todos os esportes no Brasil é assim. Arcamos com R$ 10 mil para fazer essa viagem – complementa.
Giovanni tem uma história peculiar. Ele nunca foi caçador ou teve os pais como atiradores de inspiração. Essa paixão partiu de um amigo que o convidou para conhecer o clube em Caxias do Sul.
Natural de Porto Alegre, sua história esportiva era com a água. No surfe e no iatismo.
– Meu primeiro esporte era o surfe, só que a pessoa vai amadurecendo e fica difícil ir à praia todo fim de semana. Mas sempre tive esse contato com a água e a natureza. Acho que o tiro me cativou por causa desse visual aqui do clube – conta Pacheco, que lembra do seu primeiro tiro:
– Um amigo, que tem arma, me trouxe num sábado de sol. Eu estava em casa sem muito o que fazer, a mulher estava trabalhando e passei a tarde aqui (no clube). Enfim, só sei que 15 dias depois estava encaminhando a documentação, um ano depois recebi a minha primeira arma e estou aqui até hoje. É um esporte que, pelo tempo que estou praticando, tenho resultados consideráveis. Me apaixonei.
Como todo atleta amador, Giovanni Pacheco mescla sua vida profissional e a prática esportiva. Ele é engenheiro em uma empresa da zona norte de Caxias e conjuga seu tempo livre entre a família e o clube.
– Nessa época antes do mundial, vinha para o clube ás 11h30min e saía às 13h30min. Almoçava correndo e já estava trabalhando de tarde. É complicado dividir tempo com família, negócios, atividades sociais e os treinamentos. Mas, no fim, tudo é gratificante – resume.
Os nossos dois personagens praticam e representam o Clube de Caça e Tiro de Caxias do Sul, que no momento é presidido por um cara que representa muito para o esporte da cidade. Jean Labatut foi atleta da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos de Atlanta, em 1996, na fossa olímpica. Seu foco neste momento não é encontrar novos talentos ou achar um atleta que repita seu feito, mas desmistificar o esporte na cidade.
para o público que não é um esporte da elite. Não está longe de ser alcançado. Esse é o nosso foco, desmistificar que o tiro é caro demais ou é perigoso. Pelo contrário. Você vai ouvir falar sobre acidente num clube de tiro uma vez a cada 20 anos – destaca Labatut, que complementa sobre como a modalidade ajuda para a formação das pessoas:
– Posso te falar de cadeira, porque pratico desde os 13 anos de idade e o tiro te torna maduro mais rapidamente. Além disso, dá disciplina, responsabilidade e o convívio com pessoas de todas as idades. Isso é muito válido na formação do caráter.
Para a prática da modalidade é necessária uma arma, documentação e ser membro do clube. O investimento inicial gira em torno de R$ 5 mil. Depois, os cartuchos e os pratos são comercializados no local.
Para quem nunca deu um tiro na vida, é só chegar no clube aos fins de semana que os instrutores irão mostrar como funciona e ajudarão nos primeiros manejos.
– Estamos aqui em Ana Rech. Você chega, tem instrutores, sabemos onde estão as armas para iniciantes, temos cartuchos para venda. Não há grande dificuldade. É como qualquer outros esporte, basta treinamento. O tiro é treino, um equipamento razoável e um pouco de mira também, mas esse é o menor dos problemas. Venham aqui e daremos todo suporte e instruções para iniciar – diz Labatut.
O tiro esportivo tem outras diversas modalidades que vão do acerto no prato até no alvo, mais simples e tão exigente de concentração quanto as outras.
Na pistola, há o disparo de 10, 25 e 50 metros. O objetivo é acertar o centro de um alvo com 50cm de diâmetro e a arma é de ar comprimido. Na carabina, também com ar comprimido, o objetivo é acertar um alvo de 15cm de diâmetro.
No entanto, em Caxias do Sul, o mais praticado é o tiro ao prato e que também possui divisões. A mais conhecida é a fossa olímpica. Os pratos são lançados em ângulos de 45º para esquerda ou para direita e numa velocidade de 120 km/h. O atirador tem a possibilidade de efetuar dois disparos para quebrar o prato. A exceção é nas finais, onde é permitido apenas um tiro.
Na fossa universal, são cinco máquinas lançadoras de pratos (na olímpica são três), e eles saem em velocidade de 100 km/h. As regras de disparos se mantém. Por fim, ainda há o skeet. Duas casas, com 36,7m de distância entre elas, arremessam os pratos numa velocidade de 60km/h. São lançados dois alvos e o atirador tem direito a dois disparos. Cada passada é de 25 tiros em oito posições diferentes, formando uma meia-lua.
O Clube de Caça e Tiro de Caxias do Sul recebe a partir de hoje a etapa Regional Sul do Campeonato Brasileiro, promovido pela Liga Nacional de Tiro ao Prato. Devem participar cerca de 400 atletas, separados nas categorias simples e duplas.
Mesmo sendo uma prova regional, atletas de outras localidades do país também estarão no evento, que terá outras duas competições realizadas simultaneamente. Hoje e amanhã, no turno da noite, ocorre a Copa Castelani. Ao longo dos três dias, também ocorrerá a Copa Beretta, onde os valores arrecadados são destinados ao Instituto Caxiense de Combate ao Câncer. O evento é aberto ao público.
Texto
Cristiano Daros
cristiano.daros@pioneiro.com
Design
Andressa Paulino
andressa.paulino@pioneiro.com
Juliana Rech
juliana.rech@pioneiro.com
Fotos
Felipe Nyland
felipe.nyland@pioneiro.com
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