Basta uma olhada mais atenta aos campos e áreas de vegetação de algumas cidades do Rio Grande do Sul para ver que, na data em que se celebra o Dia Nacional do Mata Atlântica, neste sábado, há pouco para comememorar e muito a se fazer quando o assunto é conservar as espécies nativas. Números levantados em estudos recentes confirmam a situação crítica do bioma: originalmente, a Mata Atlântica ocupava mais de 1,3 milhões de km²; atualmente, restam cerca de 0,16 milhões de km² de remanescentes florestais e áreas naturais. O RS, com 52% do seu território sob a faixa de domínio da Mata, traz uma condição preocupante, já que apresenta apenas 13,5% da área conservada, um total de 19,7 mil km², de acordo com levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Para se ter uma ideia, a área que não foi desmatada seria o equivalente a 11 vezes o município de Caxias do Sul.
A situação da Serra é ainda mais desastrosa se analisarmos o Atlas da SOS Mata Atlântica, que mapeou os 100 municípios que mais desmataram de 1985 a 2015. Em 30 anos, das 20 cidades que mais destruíram espécies nativas no Estado, as cinco primeiras estão na região. Bom Jesus, Jaquirana, Lagoa Vermelha, Vacaria e São Francisco de Paula lideram o ranking, que traz Caxias do Sul em nono lugar. Em contrapartida, das quatro que mais conservaram, quatro também são da Serra: São José dos Ausentes, Bom Jesus, Jaquirana e São Francisco de Paula.
Os municípios que aparecem nas duas listagens, no entanto, mostram que nem tudo está perdido. Com o passar dos anos, o aumento da conscientização ambiental, e também graças a instrumentos legais e políticas públicas adotadas pela União, estados e municípios, também se constatou que, nos últimos 30 anos, houve uma redução de 83% do desmatamento do bioma no Brasil. O levantamento, no entanto, não assinala claramente as causas da regeneração — se ocorreram de forma natural ou se decorrem de iniciativas de restauração florestal —, mas tudo leva a crer que sim:
— O desafio agora é preservar o que resta e recuperar e restaurar as florestas nativas que perdemos. Mas os números são um bom indicativo de que estamos no caminho certo — acredita Marcia.
A preocupação com a conservação se torna ainda mais relevante se pensarmos na importância da Mata Atlântica, considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988 e Reserva da Biosfera pela Unesco. A qualidade do ar e da água, a regulação do clima e a força do solo dependem diretamente dos remanescentes desta floresta, que abriga 20 mil espécies de plantas e também é fonte de recursos e matérias-primas essenciais à economia do país. Mas, mesmo com as diretrizes da Política da Mata Atlântica, de 1998, e com o trabalho de conscientização e preservação realizado por entidades e pelo poder público, também segue sendo um dos espaços mais explorados do Brasil.
— Precisamos falar sobre saneamento, sobre preservação. Estamos em 2017 e muitas pessoas ainda não têm nem água. É devastador — diz Marcia Hirota, diretora-executiva da SOS Mata Atlântica, ONG criada em 1986 com a missão de defender a Mata Atlântica.
O reflexo de que pelo menos um pouco se está fazendo pela conservação do meio ambiente no país é que, segundo a SOS Mata Atlântica, sete dos 17 estados contemplados pela Mata já apresentam nível de desmatamento zero. O Rio Grande do Sul é um dos que está muito próximo, com menos de 200 hectares de desmatamento desde 2011 (uma área equivalente a 200 Maracanãs). Entre 2005 e 2013, por exemplo, o Estado apresentou um incremento de cerca de 82 mil hectares das áreas florestais. Este aumento, segundo a bióloga e professora do Instituto de Saneamento Ambiental (Isam) da Universidade de Caxias do Sul (UCS), está situado principalmente em regiões de relevo mais acidentado, como a Serra gaúcha. Por ser um lugar com encostas íngremes e com declividade acentuada, a mecanização agrícola não é favorecida.
— Além disso, a diminuição da mão de obra familiar no campo, provocada pelo êxodo rural e pelo decréscimo no número de filhos por casal, fez com as áreas mais difíceis de serem cultivadas fossem abandonadas, favorecendo a regeneração natural — destaca a também doutora em Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento.
A legislação que passou a valer durante esses anos também é um dos fatores que ajudou a frear um pouco da destruição da Mata Atlântica, na opinião de Gisele. Com a publicação do Decreto 750/93, revogado em 2008, o qual regulamentou os dispositivos da Lei da Mata Atlântica de 2006 (11.428) e a Lei dos Crimes Ambientais de 1998 (9.605), as penalizações devido ao corte das formações florestais ficaram mais explícitas. A lei, então, favoreceu a fiscalização e coibiu o desmatamento sem licença ambiental.
— A maior parte dos desmatamentos atuais na Serra estão associados, principalmente, a obras de infraestrutura, como estradas, loteamentos e outros tipos de empreendimentos que necessitam a remoção da vegetação florestal. E a maior parte, senão todos, são licenciados pelo órgão ambiental, seguindo a legislação (o empreendedor sendo obrigado a realizar a compensação ambiental) — exemplifica.
No entanto, Gisele afirma que as regiões naturais dos campos de altitude, no qual estão inseridos parcialmente os municípios de Caxias do Sul, Vacaria, Bom Jesus, São Francisco de Paula, Cambará do Sul, Jaquirana e São José dos Ausentes, apresentaram uma redução significativa de sua área ao longo das três últimas décadas. A justificativa, segundo a bióloga, é o avanço das atividades agrosilvopastoris na região. Com base em imagens de satélite de 1985 e 2017, é possível verificar o avanço do plantio de Pinus elliottii na região. Em Caxias do Sul, na região de Fazenda Souza, por exemplo, as áreas de campo foram substituídas pela fruticultura; já em Bom Jesus e São José dos Ausentes, os plantios de batata e Pinus elliotti são dominantes e, em Vacaria, a soja.
— Vemos um aumento das áreas florestais do bioma Mata Atlântica no RS, mas essas regiões merecem atenção especial em função do avanço da fronteira agrícola sem nenhuma avaliação prévia do impacto pelo órgão ambiental —alerta.
Os campos nativos que vêm sucumbindo diante desse avanço da fronteira agrícola nos Campos de Cima da Serra também preocupam o biólogo e mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Brack. A inércia e a falta de planos do governo para conter o desmatamento fazem com que a situação fique cada vez pior, segundo Brack:
— O que é talvez mais grave é o fato de que a região de desmatamento poderia ser considerada como uma caixa-d'água das bacias dos rios Taquari, Jacuí e Guaíba como um todo. A ausência de florestas afeta negativamente a existência de nascentes e de água com qualidade para o abastecimento da maior parte da população do Estado.
A imensidão de verde que abraça a pequena Bom Jesus já foi muito devastada, mas hoje luta para se recuperar. O municípío com pouco mais de 12 mil habitantes, que tem a criação de gado e as lavouras como atividades predominantes, ocupa o primeiro lugar no ranking das cidades que mais desmataram espécies nativas em 30 anos, segundo a ONG SOS Mata Atlântica. De 1985 a 2015 foram retirados 6.618 hectares de mata, de um total de 262.467 hectares. No entanto, a cidade também está entre as que mais conservaram neste período (58% da área), perdendo apenas para São José dos Ausentes. A conscientização, o fortalecimento e o cumprimento das leis podem justificar essa mudança, segundo o secretário municipal do Meio Ambiente de Bom Jesus, Milton Almeida Silveira:
— Acredito que o município pode estar em primeiro nessa lista muito pelo que era feito quando não existiam leis específicas. As pessoas, há 30 anos, também não tinham a noção da importância das espécies nativas para o meio ambiente. Hoje há aplicação de multa pelo corte ilegal, o que coíbe muito a prática.
Para reverter a situação, a administração pública vem incentivando agricultores e produtores a plantar e cultivar espécies nativas. Os sistemas agroflorestais, consórcios de culturas agrícolas com espécies arbóreas utilizados para restaurar florestas e recuperar áreas degradadas, são uma das ações, como explica o engenheiro agrônomo da secretaria da Agricultura de Bom Jesus, Edson de Oliveira Jardim.
— A tecnologia ameniza limitações do terreno, minimiza os riscos de degradação inerentes à atividade agrícola e otimiza a produtividade. O único problema é que ainda há muita burocracia. Conseguir recursos para lavrar um terreno é muito mais fácil do que para começar uma agrofloresta, infelizmente — lamenta Jardim.
Além de contribuir para a conservação do meio ambiente, os benefícios dos sistemas agroflorestais despertam o interesse dos agricultores, pois, como estão aliados à produção de alimentos, podem ajudar a incrementar a renda. Antônio Batista Ribeiro Neto, 69 anos, o seu Tito, já colhe os frutos da sua agrofloresta. Na sua propriedade, distante oito quilômetros do centro de Bom Jesus, pés de araçás já se preparam para uma nova safra. No primeiro ano de colheita, ele e o filho Gustavo recolheram e venderam cerca de 200kg do fruto de espécie nativa. Eles também têm plantado árvores de ipê e cedro no terreno e cultivam framboesa e morangos orgânicos e, obviamente, sem agrotóxico.
— Desse jeito, uso a conservação do meio ambiente a meu favor. Tem coisa melhor? — diz o agricultor.
Além das lindas paisagens, São José dos Ausentes também é referência no Estado na conservação do bioma. Com uma área de 117.395 hectares, o município lidera o ranking do Atlas da Mata Atlântica entre os 10 lugares que menos destruíram o meio ambiente em 30 anos. De 1985 a 2015, foram conservados 71.367 hectares, ou seja, 60% na mata natural. Mas engana-se quem pensa que o topo da lista foi conquistado e é mantido sem esforço. Protetores do bioma precisam lutar, inclusive, com autoridades que acreditam que a conservação de espécies nativas é prejudicial para a economia e tornam o município pouco sustentável.
Com a justificativa de que as grinfas das araucárias, encontradas em grande número na região, prejudicam a criação de animais, e que as árvores da Mata Atlântica tiram espaço das lavouras (já que não podem ser cortadas sem licença), há quem não comemore tanto a posição de Ausentes na lista das cidades que mais conservam. O secretário municipal de Agricultura, Jânio Vieira, é um deles:
— Infelizmente, conservar está se tornando cada vez mais difícil. A economia aqui gira com o turismo e a plantação de batata, maçã e bovino de corte. As grinfas são prejudiciais aos animais, que não comem. Também não dá para se plantar nada em áreas com araucárias. Muitas famílias perderam muita renda com isso no decorrer dos anos. Tem criador que tinha 50 cabeças de gado, mas como as araucárias foram crescendo e o espaço ficou pequeno, eles acabaram com 25 cabeças. Isso é pouca renda, poucas condições de vida — garante o secretário.
A titular da pasta de Turismo, Cultura e Meio Ambiente de Ausentes, Aline Maria Trindade Ramos, no entanto, não compactua com a mesma opinião. Ela credita à desenfreada plantação de batatas, que demanda grande quantidade de agrotóxicos, pela destruição do solo no município. Protetora convicta da Mata, Aline luta para que a cidade conserve cada vez mais suas espécies nativas. Na propriedade da família, ajuda a manter um projeto de reflorestamento e conservação com a plantação de araçás, pitangas, goiabas serranas, entre outras. A ação leva o nome do pai de Aline, Pedriomar Nunes Ramos, e começou em 2006.
— É triste ver um solo destruído pelo mau uso. Dói ver esses milhares de Pinus elliottii plantados, sabendo o quanto eles fazem mau ao solo. Andar entre eles é saber que o meio ambiente está sendo destruído: não se escutam animais entre as espécies e nada se desenvolve ao seu redor — lamenta Aline, que também vê a conservação da Mata Atlântica como um chamariz ao turista.
Distante 30km do centro de São José dos Ausentes, a Fazenda Rincão Comprido, propriedade do clã Lopes, encanta pelo visual. São quase 280 hectares de muito verde e área preservada. Produtora de queijo artesanal serrano, a família liderada por Antonio Souza Lopes, 59, mostra em cada canto o amor que tem pela natureza. Ponto de visitação de turistas, o espaço, mantido há 200 anos pelas gerações, oferece trilhas em meio a árvores centenárias. Basta caminhar um pouco pelo amplo terreno para se deslumbrar com um pinheiro nativo de mais de 500 anos e com um ecossistema de xaxins.
— Não se destrói onde se vive. Não há justificativa para derrubar uma árvore nativa e estragar a natureza. Aqui na fazenda, tu podes tomar água em qualquer lugar, sem medo algum de se contaminar. Isso, infelizmente, é raro — garante Lopes.
Edinaira, 27, filha de Lopes, é a responsável por mostrar as belezas da propriedade aos turistas e visitantes. A cada explicação sobre espécies e formas de preservação, mostra o carinho que cultiva pelo meio ambiente. É contra qualquer interferência na mata e acredita que o respeito é essencial na relação entre humanos e natureza.
— Tem um pedaço da trilha que as vacas daqui não passam. Se elas não passam, também não vou passar e não vou deixar ninguém avançar. Ali podem estar outros bichos, espécies que podem se incomodar com o nosso cheiro e nunca mais voltar. É o lugar deles ali, assim como são desses pinheiros nativos. Não se mexe, só se preserva — garante Edinaira, que passa todos esses ensinamentos ao pequeno Emanuel, quatro.
— O único problema é ter que recolher esse "tantão" de grinfa quase toda semana.
A frase, dita entre garagalhadas, é do caxiense Sirleu de Melos Duarte, 66, que vive há 15 anos em uma propriedade em Quebrada Funda, localidade de Jaquirana, onde mantém mais de 40 pinheiros nativos. Ele e a mulher, Sirlei, 63, dizem que sofrem com a dor nas costas, mas não pensam em dar fim nas árvores que garantem beleza extra ao lugar que escolheram para morar depois da aposentadoria.
— Tem até fios de energia que passam entre eles, mas sempre tomamos cuidado. Tiramos as grinfas para os boizinhos que temos não se machucarem, mas todos aqui são cuidados — garante Duarte.
A cidade que o casal caxiense escolheu para morar é conhecida como Capital da Madeira e essa deve ser uma das razões que a colocou no segundo lugar na lista de municípios que mais desmataram entre 1985 e 2015. Ao todo, o decremento de mata foi de 4.193 hectares, de um total de 90.794. O secretário municipal de Meio Ambiente, Douglas Braga Andelieri, acredita que o avanço na agricultura aumentou esse número e lamenta que o desmatamento discriminado ainda ocorra, mesmo com uma legislação mais rigorosa. Mais de 20 empresas trabalham com madeira na cidade.
— De 15 anos para cá, a fiscalização está mais forte, mas não há como fiscalizar todos os lugares. No entanto, acredito que está se destruindo menos. Antigamente não se pensava em preservação: se precisava da madeira, se cortava e deu. Hoje não é assim — acredita.
A terceira colocação na lista das 10 cidades que mais conservaram o bioma no RS em 30 anos pode ser um dos índicios de que a diminuição do desmatamento sustentada por Andelieri possa estar ocorrendo de fato. Das que mais mantiveram a Mata Atlântica, Jaquirana perde apenas para São José dos Ausentes e Bom Jesus.
Leis específicas e mais rígidas estão entre os avanços no controle do desmatamento da Mata Atlântica, principalmente nessas últimas décadas. No entanto, para algumas autoridades, a legislação não é tão punitiva e nem tão clara em alguns aspectos. O secretário municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Lagoa Vermelha, Eder Piardi, acredita que as multas não impedem o corte ilegal de árvores. Das 20 cidades que mais desmataram no Estado, Lagoa Vermelha foi a terceira que mais destruiu vegetação.
— O pessoal "abriu" campo para lavouras, principalmente para plantação de milho, soja e trigo. Já fui fiscal, apliquei multa de R$ 5 mil e R$ 65 mil. Alguns pagam, mas seguem cortando porque é mais negócio para eles cortarem. É ruim porque não se pensa no meio ambiente, só em lucro — lamenta.
Piardi ainda diz que muitos tentam enganar a fiscalização:
— Eles pedem licença para cortar três, mas cortam oito. Não dá para controlar todos. Além de não ter gente para fiscalizar, aqui tem muito morro, é difícil de enxergar.
Envolvido há anos na área, o secretário acredita que a legislação deveria ser mais flexível em alguns casos. O mesmo pensamento tem o secretário de Agricultura e Meio Ambiente de Vacaria, Giuliano da Rosa Marques. Ele afirma que itens nas leis poderiam não ser tão engessados e que deveria ser possível discutir estratégias.
— Temos que preservar, obviamente, mas o mundo todo desmatou. Somos um país de terceiro mundo, temos que pensar que precisamos produzir, as pessoas precisam comer. Deveríamos pensar mais em produção sustentável, em como o produtor poderia fazer mais sem desmatar. Porém, o que vemos são as instituições que tratam do meio ambiente fechando — destaca o secretário.
Em 30 anos, de acordo com levantamento da SOS Mata Atlântica, Vacaria é a quarta cidade que mais desmatou e a quarta que mais regenerou o bioma. Marques diz que o decremento de mata ocorreu antes da mudança da lei em 2010. Em 2008, segundo ele, a produção agrícola era muito forte.
— Não gosto de radicalismo. Não sou a favor dos ambientalistas loucos, mas também não estou do lado daquele produtor que quer sair desmatando tudo — garante.
Há pelos menos cinco anos, a segunda maior cidade do RS atentou para as necessidades do bioma e elaborou o Plano Municipal da Mata Atlântica. A partir de então, Caxias do Sul pode seguir uma política pública ambiental e conseguir cuidar do meio ambiente ancorada por dois projetos: o Inventário da Arborização Urbana e o Cadastro Ambiental Rural (Car). No primeiro, finalizado no ano passado, a gestão municipal tem conhecimento de quais as principais espécies existentes nas áreas verdes e nas ruas e quais os tipos de manejo que elas precisam. Já no Car, as propriedades rurais são cadastradas para que possam ser monitoradas. Mais de 4 mil propriedades já foram cadastradas.
Ambas ações, de acordo com a biológa da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma), Mariana Carissimi, se complementam e dão ao município a oportunidade de planejar o futuro do bioma.
— Com esses instrumentos de controle, é possível direcionar as compensações para as áreas que o município gostaria de preservar. Hoje são ofertadas para compensação as que estavam gravadas no Plano Diretor para serem destinadas à preservação. Agora com o conhecimento de onde estão as áreas rurais, a gente consegue fazer com que os empreendedores façam as compensações em lugares prioritários — esclarece.
Com o Inventário de Arborização também foi possível saber que o Mato Sartori é uma área símbolo de conservação da cidade, segundo Mariana. O espaço, felizmente, tem uma diversidade de vegetação muito alta comparado com o que normalmente acontece nas áreas urbanas. A grande quantidade de espécies diferentes também traz equilíbrio ao sistema.
— Foi uma surpresa porque, normalmente, as áreas mais preservadas estão mais perto dos rios em função do difícil acesso. Agora estamos fazendo uma avaliação técnica para a questão de destinação de recursos para recuperar ou manter essas áreas conservadas. Temos conhecimento de que Caxias ainda tem vegetação primária, vegetação que nunca foi mexida — comemora.
Apesar desse controle, a cidade não figura entre as 10 cidades que mais preservaram Mata Atlântica nos últimos 30 anos. O município, dentre outros 20, é o nono que mais desmatou (2.164 de um total de 164.430 hectares).
— Caxias tem uma característica peculiar: as propriedades são pequenas e o cultivo agrícola não é de escala, como a soja, que precisa de grandes áreas. Aqui é de hortifrutigranjeiros, que normalmente não precisa de uma área muito grande.
Filha de um dos pioneiros do movimento ambientalista, José Lutzenberger, a bióloga Lara teme pelo que pode acontecer no futuro se ações de preservação não começarem imediatamente. Destinando parte da culpa do aumento do desmatamento à pressão imobiliária, à migração da população dos grandes centros para as pequenas cidades, ao recuo da agricultura familiar e à construção de barragens, Lara acredita que é muito difícil reverter o atual quadro de conservação do bioma. Presidente da Fundação Gaia, entidade que luta pelo meio ambiente há 30 anos, ela é enfática ao afirmar que é preciso frear, urgentemente, o desflorestamento. A esperança dos ambientalistas, de que o mundo tenha noção de que é preciso preservar, é a chave para um futuro arborizado para as próximas gerações, segundo Lara.
— Continuar desmatando nos levará a um colapso ambiental. O ideal, e o que deveria ser feito o quanto antes, é planificar as áreas e fazer um zoneamento dos limites dos terrenos. Assim, é possível controlar o uso do solo e colocar em prática uma ação que permita saber o que precisa ser ocupado e o que deve ser preservado — aponta.
Assim como outros estudiosos do tema, Lara diz que ainda estamos engatinhando na discussão sobre preservação. Acredita que muitos já adquiriram uma consciência ambiental, mas ainda precisam aprender a colocar em prática os conhecimentos:
— Muitas ações podemos trabalhar dentro de casa, como escolher o que se consome, cuidar da duração do banho, separar o lixo. É bonito falar, mas por que todos não fazem? Sobre o fato de termos mais ou menos barragens, se vamos avançar na fronteira agrícola, isso ainda é muito inicial, infelizmente. O difícil hoje, me parece, é cada um se responsabilizar com a preservação do meio ambiente.
Desmatamento da Mata Atlântica e da Amazônia: consequências distintas
Em 2009, o pesquisador e ex-diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Eustáquio José Reis, chocou ambientalistas ao afirmar, durante o 11° Festival Internacional de Cinema Ambiental (Fica), que existem benefícios no desmatamento. Na ocasião, o estudioso, que em 2011 foi subsecretário de Desenvolvimento Sustentável da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, se referia ao desmatamento da Amazônia. Para ele, já que o Brasil enfrenta problemas de desigualdade social, as consequências do desmatamento, seja criação de empregos ou fruto da exportação, podem ser oportunidades para as pessoas mudarem de vida.
Oito anos depois do polêmico discurso, Reis continua acreditando nos benefícios, porém não mantém a mesma opinião em relação ao decremento da Mata Atlântica.
— As causas do desmatamento, seja na Amazônia, na Zona da Mata ou em qualquer lugar do mundo, são sempre uma tentativa de exploração econômica. Então as causas, na Mata ou na Amazônia, não tem tanta diferença. As consequências é que são radicalmente distintas — esclarece Reis.
Como justificativa, o estudioso explica que, na Amazônia, há menos de 20% ocupado; já a área da Mata Atlântica está desaparecendo muito mais rápido com a exploração:
— A preciosidade, a raridade da Mata a torna um objeto que deve ser preservado de alguma maneira, independente de qualquer custo. O valor desse bioma, por razões que incluem a biodiversidade que nela existe, ou o interesse por turismo para conhecimento da natureza, é altíssimo. Nada é mais valioso do que manter essa floresta.
Estudo recente do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, que monitora a devastação da floresta, apontou que o desmatamento na Amazônia cresceu quase 30% no ano passado. Esse é o pior índice desde 2008.
As monoculturas de soja e pinus, muito vistas na região dos Campos de Cima da Serra, que provocam degradação ambiental e êxodo rural, estão entre os principais malefícios do desmatamento. Conservar o bioma, como explica o doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, Paulo Brack, implica em revitalizar os ecossistemas para que sejam utilizados de forma funcional, seja na produção de água, proteção do solo ou produção de alimento. Mas, quando o mundo ainda se depara com interesses imediatistas, não há como pensar na manutenção da biodiversidade. Para Brack, ainda faltam políticos para pensar no futuro:
— Quando falamos em uso de uma economia do século passado, com uso intensíssimo de energia e materiais não reciclados, fica difícil pensar em conservação. As empresas, na lógica do mercado mundial competitivo, não pensam em outra coisa que não seja fazer mais e mais negócios, convertendo natureza em dinheiro e patrimônio.
Mudança de paradigma é um caminho
Mesmo considerando um caminho difícil, Brack vê uma luz no fim do túnel ao falar sobre a diminuição do desmatamento. O também professor do Departamento de Botânica da UFRGS acredita que o decremento de Mata seria freado se a economia perdulária, a que desperdiça irrestritamente energia e matéria, fosse desacelerada e se fosse possível restabelecer os ecossistemas naturais. Porém, o mais urgente seria retomar o cumprimento das leis de proteção da natureza, a começar pela Constituição Federal.
— A sociedade brasileira deveria conhecer mais a relação entre florestas e água. Sem mudança de paradigma, não teremos forma de escapar da catástrofe dos ecossistemas que afetará milhões de pessoas. O consumo desenfreado e a acumulação de terras e patrimônio são os motores disso — destaca.
Saber como as empresas funcionam, por que está se loteando tanto e quais as consequências dessas ações também deveriam ser práticas comuns na hora de pensar na conservação do meio ambiente, segundo Maria Carissimi, biológa da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) de Caxias. O processo de conscientização é lento e deve começar dentro de casa, segundo ela:
— Quando se faz uma ocupação urbana irregular, para quem está comprando o terreno é barato, mas para a sociedade e para o meio ambiente isso vai se tornar caro. Às vezes são pequenas coisas que fazem a diferença. Tem quem ache que são só órgãos públicos que têm que cuidar do ambiente, mas tudo começa dentro de casa. É importante se perguntar: "o que eu estou consumindo? Estou cuidando do meu consumo de papel?".
Kelly de Marchi, educadora ambiental da SOS Mata Atlântica, também acredita que o nível de conscientização das pessoas vem aumentando ao longo dos anos. A noção de que a preservação da Mata reflete na saúde e na qualidade de vida pode estar desencadeando essa preocupação maior com o meio ambiente.
— Preservar a floresta é pensar em saneamento básico. Dados indicam que quase 70% dos leitos hospitalares no Brasil são ocupados por pessoas que tiveram contato com água contaminada. Então, se cuidássemos dos recursos naturais, quanto dinheiro público seria poupado?
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