Em meio ao contexto de dificuldades enfrentado pelos produtores de kiwi em Farroupilha, uma das principais vitrines da produção local se despedirá do público em 2017. A Festa Nacional do Kiwi (Fenakiwi) chegará a sua 22ª e derradeira edição. O evento, que será realizado entre 20 de julho e 6 de agosto, será o último com este formato. A ideia da prefeitura é, a partir do próximo ano, começar a fazer uma festa multissetorial, ainda sem detalhes definidos.
Além da perda de pomares nos últimos anos, outros fatores pesaram para a decisão de dar ponto final à Fenakiwi. Entre eles, o fortalecimento da uva moscatel e a própria diversificação do perfil da economia da cidade, que passou a contar com uma série de indústrias nas últimas décadas. Ainda, a cereja no bolo foi a perda do título de capital brasileira do kiwi. Farroupilha ficou para trás e, agora, a dona desse título é Campo Belo do Sul, em Santa Catarina.
— Enquanto a doença diminuiu a produção de kiwi, tivemos um crescimento muito grande na uva. Hoje somos o maior produtor de uva moscatel do Brasil. O nosso negócio, em termos de agricultura, mais do que nunca é a uva. Como o kiwi perdeu esse espaço, achamos que é hora de dar à uva essa grandeza de novo – aponta Claiton Gonçalves, prefeito de Farroupilha.
A nova feira, segundo o gestor, não está formatada, mas tende a ser uma espécie de mostruário da produção de Farroupilha, incluindo desde as frutas até os artigos industriais. Nesta nova estrutura, o kiwi deverá ter seu espaço, apenas não será mais o protagonista.
O presidente da Fenakiwi e secretário de Turismo de Farroupilha, Francis Casali, vê a edição deste ano da feira como uma transição para outro modelo. Na Fenakiwi 2017, a expectativa é superar a marca de 80 mil visitantes, atingida na edição passada. O dirigente não acredita que a cidade sairá prejudicada pela troca do perfil de evento municipal.
— Vai se começar do zero (a nova festa), mas é uma oportunidade para desenvolver um novo produto. A Fenakiwi também começou do zero. Não temos medo de criar algo novo – menciona Casali.
Responsável por trazer algumas das primeiras mudas de kiwi para Farroupilha e ajudar os produtores a introduzirem a cultura no município, o engenheiro agrônomo Gervásio Silvestrin lamenta o fim da festa. O proprietário da Silvestrin Frutas acredita que o estudo liderado pela Embrapa Uva e Vinho encontrará a cura para o fungo que mata os pomares.
Silvestrin aposta que a retomada da produção no município ocorrerá a partir do desenvolvimento de mudas sadias, algo previsto na pesquisa. Há a perspectiva, inclusive, de criação de sementes de tipos de kiwi ainda não cultivados na cidade, como o de polpa avermelhada.
A história do plantio de kiwi em Farroupilha está entrelaçada com a da feira, cuja primeira edição ocorreu em 1991. Poucos anos antes do surgimento da festa, no final dos anos 1980, que as primeiras mudas da fruta chegaram ao município. Naquela época, a uva enfrentava dificuldades na cidade, o que estimulou a busca por uma alternativa mais rentável.
Em 1986, o então secretário municipal de Trabalho e vice-prefeito, Clóvis Zanfeliz (PMDB), descobriu um viveirista local que trabalhava com diferentes tipos de frutas. Ele havia trazido quatro mudas de kiwi de São Paulo e as plantou. Três mudas vingaram, mas estranhamente o pomar não dava frutos. Só depois se descobriu que as plantas vivas eram todas fêmeas. Era preciso também a planta macho para realizar a polinização e, assim, obter o resultado esperado.
— Descobrimos um japonês em Novo Hamburgo que tinha a flor macho e enviei o agrônomo da prefeitura até lá para consegui-la. No outro dia, passamos a manhã inteira polinizando as flores. Nunca se deu tanta fruta – recorda Zanfeliz.
Vendo que o kiwi poderia dar certo na cidade, em 1987 a prefeitura organizou uma excursão de Farroupilha até o Chile, um dos maiores produtores mundiais de kiwi, com a finalidade de conhecer mais detalhes sobre o plantio. A comitiva incluiu cerca de 30 pessoas, entre produtores locais e funcionários da administração pública.
Naquele momento agrônomo da prefeitura, Gervásio Silvestrin era um dos integrantes do grupo. Silvestrin veio com uma série de livros sobre a cultura, muniu-se de informações com agricultores chilenos e trouxe diversas mudas na bagagem. A escolha pelo kiwi como alternativa para a economia farroupilhense não foi por acaso.
— A origem do kiwi é de uma região da China muito úmida. A fruta precisa de frio no inverno e se adapta bem à umidade. Com a uva temos problemas em anos mais chuvosos e o kiwi não tem muito problema. O kiwi se adapta melhor até que a própria videira no nosso clima – constata Silvestrin.
As primeiras toneladas de kiwis farroupilhenses começaram a ser colhidas em 1989, mesmo ano em que Zanfeliz assumiu o cargo de prefeito de Farroupilha. A partir daí, veio a ideia de criar uma festa voltada a essa variedade. O ex-prefeito lembra que a empolgação com a fruta era tanta, que o evento foi criado antes mesmo de haver uma produção significativa. Na edição de inauguração, em 1991, quase todo o kiwi era importado. Hoje, Zanfeliz critica o fim da Fenakiwi.
— Não vejo motivo (para terminar). É como se Caxias acabasse com a Festa da Uva e criasse a Festa da Maçã. Com outra nomenclatura, o evento perde sentido e toda sua história.
O serviço é gratuito e oferecido de segunda a sexta-feira
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