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+vitivinicultura

O sangue de Cristo

serra tem cinco vinícolas que fabricam o vinho de missa, bebida feita com autorização da igreja 

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FERNANDO SOARES
fernando.soares@pioneiro.com

FELIPE NYLAND

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SALTON Vinícola liderada por Daniel Salton tem a maior fatia deste nicho

Desde que Jesus Cristo partilhou com os 12 apóstolos o pão e o vinho, como representação de seu corpo e sangue, conforme relata a Bíblia, a bebida à base de uva ocupa um papel central dentro das missas celebradas pela Igreja Católica. Mas não é qualquer vinho que pode ser utilizado pelo padre no momento da Eucaristia. O produto necessita obedecer a uma série de critérios antes de ser derramado no cálice. Atualmente, a Serra Gaúcha conta com cinco vinícolas que seguem a essas determinações e estão aptas a fornecerem aos religiosos.

O chamado vinho litúrgico se diferencia dos demais por se assemelhar a um licor. Entre suas características estão o tom rosé, o dulçor e o elevado teor alcoólico, que pode chegar a 18%. Como não leva conservantes, o álcool acima da média é o que ajuda a conservar a bebida após a abertura da garrafa.

Apesar das peculiaridades, a representatividade deste tipo de rótulo dentro de toda a produção vitivinícola equivale a uma gota em um oceano. Entre as empresas gaúchas, a fabricação totaliza menos de 500 mil litros ao ano, em meio a um volume total de 485 milhões de litros de vinhos e espumantes.

– Existe uma demanda pelo vinho de missa, mas ela é baixíssima e restrita a um público. O mercado se mantém estagnado, mas é um nicho em que algumas vinícolas veem
oportunidades – destaca o presidente do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), Dirceu Scottá.

A Salton, de Bento Gonçalves, detém mais da metade deste mercado no Brasil. A vinícola foi a pioneira no ramo, engarrafando a bebida licorosa a partir da década de 1920. Desde então, o artigo se mantém em linha e hoje é distribuído para todo o país. No entanto, o volume produzido diminuiu ao longo dos últimos 10 anos. Era de 500 mil litros/ano e passou aos atuais 300 mil litros/ano. Isso em uma empresa que fará mais de 14 milhões de litros de vinhos e espumantes em 2017.

O diretor-presidente da Salton, Daniel Salton, credita a retração à queda no número de missas no país. Por outro lado, o dirigente lembra que, neste ano, o vinho canônico tem desempenhado um bom resultado. As vendas estão maiores, na comparação com 2016, e totalizaram R$ 4 milhões. Igrejas e lojas de artigos religiosos compraram 80% das garrafas, enquanto o restante teve como destinos as redes de supermercados e os turistas que visitam a Salton.

– Em relação ao ano passado, foi um dos únicos produtos da vinícola que cresceu em faturamento. Mas não é o vinho que vai salvar a Salton, pois ele representa 1,3% da nossa receita – calcula Daniel Salton.

Rótulo recente

Um dos mais recentes vinhos litúrgicos a entrarem no mercado é assinado pela Casa Perini, de Farroupilha. Em 2015, a empresa realizou o registro de um rótulo licoroso próprio. A produção anual é pequena, chega a cerca de 900 garrafas. Neste sentido, a bebida é distribuída a religiosos da Serra e só pode ser encontrada no empório situado na sede da empresa.

– Em faturamento, o vinho de missa não é representativo. Mas tem o aspecto histórico e também o nosso vínculo com o Todo Poderoso, que nos permitiu fazer uma vinícola que dá o pão de cada dia à nossa família – comenta Benildo Perini, diretor da marca.

A história da Casa Perini com o vinho litúrgico vem de longa data. João Perini, pai de Benildo e fundador da vinícola, fornecia o líquido aos padres amigos da família desde a década de 1950. A fabricação se dava a partir do uso de uvas de castas americanas. Agora, no novo vinho licoroso da companhia, utilizam-se frutas de castas europeias.

Sobre o vinho de missa

  • A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) possui algumas recomendações para a fabricação do vinho utilizado na Eucaristia.
  • Segundo a CNBB, o vinho deve ser exclusivamente obtido da fermentação da uva, sem conservantes ou outras substâncias.
  • Pode-se adicionar açúcar de cana e é permitido fazer a correção do teor alcoólico com destilado vínico.
  • O vinho se parece mais com um licor, com dulçor acentuado e coloração rosada. Além de remeter ao sangue de Cristo, o tom da bebida permite que as manchas nos paramentos sejam limpas com facilidade.
  • O teor alcoólico do vinho litúrgico costuma variar de 16% a 18%, dependendo do rótulo, ficando bem acima dos vinhos comuns.
  • Na missa, utiliza-se uma pequena dose de vinho, que é complementada por algumas gotas d’água. Uma garrafa de 750ml geralmente dura entre 15 e 20 missas.

Do garrafão ao bag-in-box  

DIOGO SALLABERRY

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mercado Ricardo Chesini conta que vinho litúrgico de sua vinícola é vendido em todo o país

Nos primórdios da produção dos vinhos de missa na Serra, o mais comum era que a bebida fosse fornecida em garrafões. Com o passar do tempo, a garrafa de 750ml ganhou espaço. E agora há quem invista até no bag-in-box para vender às igrejas. Dentro deste nicho, a Adega Chesini, de Farroupilha, foi a primeira a apostar na embalagem de papelão. Começou em 2005 e, hoje, essa opção de envase abrange metade dos 50 mil litros da bebida canônica gerada anualmente.

– O bag-in-box conserva melhor o vinho depois de aberto. Não foi fácil no início, pois havia desconfiança dos padres com o formato. Mas isso está mudando aos poucos – salienta Ricardo Chesini, administrador da vinícola.

A atenção da marca com o rótulo litúrgico não é em vão. Afinal, o vinho de missa, apesar de não ser o carro-chefe, é o único da Chesini com presença em todo o Brasil. No momento, é fornecido para 180 municípios em 21 Estados brasileiros e tem sido o cartão de visitas da empresa fora do Rio Grande do Sul. Os principais mercados são Santa Catarina, Paraná e Distrito Federal.

A vinícola farroupilhense começou a fazer o vinho litúrgico na década de 1970. Felipe Chesini, nonno de Ricardo, iniciou a produção a partir de um pedido do bispado de Caxias. Até o início dos anos 2000, a bebida era feita de maneira informal. A partir de então, buscou-se registro e a fabricação ganhou escala industrial.

Para ganhar mercado, Ricardo começou a participar de feiras de produtos católicos e a estabelecer contatos com fornecedores espalhados pelo Brasil. A tática tem dado certo, já que a demanda pelo vinho licoroso cresce, em média, 10% por ano.

Elo entre religião
e vitivinicultura

FELIPE NYLAND

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capucHinhos Frei Cleonir administra produção em Vila Flores

Um ponto em comum une a maioria dos fabricantes de vinhos de missa: a forte ligação dos produtores com a religião católica. Na Serra, muitos dos vitivinicultores que começaram neste segmento eram próximos aos padres de suas comunidades ou do bispo de Caxias do Sul. Contudo, o caso da Frei Fabiano, de Vila Flores, é único. Na vinícola dos freis Capuchinhos, os próprios religiosos fazem a bebida.

O nome da vinícola é uma homenagem a Fabiano Cavalca, frei que começou a elaborar vinhos a partir da década de 1950. O rótulo para missa, porém, surgiu apenas nos anos 1970, com uma produção inicial de 2 mil litros/ano. Hoje, o volume é de 50 mil litros anuais, sendo um dos campeões de vendas da marca.

– O vinho de missa representa um quinto da produção total de 250 mil litros. Tem uma procura grande, inclusive por parte dos turistas que vêm até nossa pousada. Eles veem o vinho e ficam curiosos ao saber que é utilizado na missa – conta o frei Cleonir Dalbosco, administrador do complexo que, além da vinícola, conta com pousada e cantina.

Com 32 hectares de vinhedos, a Frei Fabiano utiliza entre 70 e 80 toneladas de uva para realizar um lote do vinho litúrgico. As garrafas e os garrafões são comercializados principalmente na Serra, mas também há saída para outras regiões do Rio Grande do Sul e para os demais Estados da Região Sul.

Já a Don Affonso, vinícola de Caxias do Sul, há 40 anos passou a fabricar este tipo de vinho para suprir uma demanda dentro da família. O fundador do negócio, Affonso Gasparin, tinha um filho sacerdote, que lhe encomendou a bebida para utilizá-la nas missas. O produto, entretanto, não está no portfólio comercial da empresa. Atualmente, as garrafas são produzidas apenas para religiosos amigos dos Gasparin.

– O fundador sempre teve esse vinho e fazemos questão de manter a tradição. Às vezes o pessoal de alguma igreja nos liga pedindo o vinho. Fornecemos para umas 10 igrejas em Caxias, Farroupilha e Flores da Cunha – diz André Gasparin, enólogo da empresa.

Segundo André, o processo de produção segue o mesmo de décadas passadas. Um dos pontos mais emblemáticos é o envelhecimento nos tanques de madeira por sete anos antes do envase.

CNBB quer certificar a
produção através de selo

FELIPE NYLAND

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autorização Atualmente, dom Alessandro Ruffinoni é quem dá o aval para vinícolas da Serra

Mesmo que já tenha emitido um documento com recomendações para a fabricação de vinho litúrgico, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) quer ir um passo além na relação com o setor. A entidade pretende certificar as bebidas aptas a serem utilizadas pelos padres nas missas. Isso ocorrerá a partir da criação de um selo para as garrafas. A expectativa é de que a medida entre em vigor até o final de 2018.

– O selo seria a garantia de que o vinho apresenta a qualidade litúrgica – afirma o bispo auxiliar de Brasília e secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner.

Esse movimento vai ao encontro de uma orientação vinda do Vaticano. O papa Francisco, em julho, emitiu uma carta aos bispos reforçando os requisitos necessários para a hóstia e o vinho usados durante a Eucaristia. Sobre a bebida à base de uva, a diretriz é para que ela seja feita de forma “natural, do fruto da videira, sem a mistura de substâncias estranhas”.

A ação conduzida pela CNBB conta com a bênção das vinícolas que participam deste mercado. Até o momento, a Conferência dos Bispos, com o auxílio da Diocese de Caxias do Sul, realizou dois encontros com empresários do segmento para debater sobre como formatar o selo. A última reunião ocorreu no ano passado, em Caxias.

Atualmente, as empresas pedem autorização aos bispados antes de fabricarem o líquido. A Diocese de Caxias, que responde por mais de 30 municípios da Serra, é quem deu aval para as empresas da região fazerem o produto.

– Como provamos que o vinho é feito sem mistura? Confiamos na honestidade das pessoas. Na nossa região, qualquer vinícola pode fabricar, desde que seguindo as características recomendadas – salienta dom Alessandro Ruffinoni, bispo de Caxias do Sul e responsável por assinar as autorizações.

Na catedral caxiense, o vinho é geralmente comprado uma vez ao ano. Desta maneira, o consumo anual na principal igreja do município fica em aproximadamente 15 litros.
O número de opções de rótulos nesse mercado, no entanto, tem diminuído. Algumas marcas, como Nova Aliança e Garibaldi, se retiraram do segmento recentemente. No caso da cooperativa garibaldense, ainda há produção de vinho licoroso, mas o público-alvo agora é outro.

– O nosso apelo não é ser um vinho canônico, mas sim de ser um vinho licoroso, similar ao vinho do Porto – diz Oscar Ló, presidente da Garibaldi.

As 30 caixas feitas por ano desse produto da Garibaldi, que resultam em 130 mil litros, vão principalmente para o Nordeste. E Pernambuco absorve 80% do volume. Isso porque, naquele Estado, existe a tradição de se fazer o bolo de noiva, um doce típico à base de vinho licoroso.

Os fabricantes

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