FERNANDO SOARES
fernando.soares@pioneiro.com
Porthus Junior
parceria Martini (E) e Dallegrave (D) se ajudam há 12 anos
O perfume que exala dos parreirais da Serra Gaúcha indica a quem transita pela região que o tempo de colheita já começou. E a cada ano, durante o verão, se renova uma tradição de longa data em diversas propriedades, a da ajuda mútua entre famílias de produtores para a retirada dos cachos de uva. Mesmo com os problemas enfrentados no campo, como a falta de sucessores na atividade rural, essa prática se mantém firme há décadas.
No interior de Caxias do Sul, as famílias Dallegrave e Martini são parceiras há 12 anos na colheita da uva. A cada safra, o trato se renova. Em um primeiro momento, Noeri Martini, sua esposa e o filho vão até a propriedade do vizinho Hamilto Dallegrave, em Caravaggio da Terceira Légua, para coletar a fruta. Posteriormente, Hamilto, sua esposa e o filho se dirigem até a propriedade dos Martini, em São Pedro da Terceira Légua, e fazem o mesmo processo.
– É difícil encontrar mão de obra. E também, dessa maneira, a gente mantém as famílias unidas. Quando um precisa do outro, a gente se ajuda – justifica Hamilto.
Para as duas famílias, o calendário acaba sendo um aliado. Em seus sete hectares de parreiras, os Dallegrave têm variedades que estão entre as primeiras a serem colhidas na safra, como Violeta e Isabel. Por dia, são tiradas 8 toneladas de uva. Sem o auxílio dos amigos, o volume cairia pela metade. Já os Martini privilegiam as uvas mais tardias, como Bordô e Niágara, em uma área de seis hectares. Assim, eles conseguem se organizar com facilidade para trabalharem juntos.
A maior agilidade na colheita e a economia financeira, decorrente da não contratação de funcionários, são alguns dos frutos resultantes da união. No entanto, um benefício acaba se sobressaindo sobre os demais: o fortalecimento da amizade.
– Trabalhando juntos, os dias passam mais rápido. Vamos contando piadas, falando besteira, conversando em meio aos parreirais. Às vezes também falamos assuntos sérios – revela Noeri Martini.
roni rigon
Além de ser feita por vizinhos, a aliança também é frequente entre familiares. A família Moret, com propriedades na Linha Paulina, no interior de Bento Gonçalves, há quase 100 anos começou a plantar uva. No início, os avôs Luiz e Eugênio se ajudavam nas safras.
Agora, o controle das áreas está com os primos Adilson, Remi e Sergio. Cada um tem seu pedaço de terra, que varia entre quatro e seis hectares.
– Nos ajudamos no início da safra, principalmente. Não tem por que trazer empregado para os primeiros dias, só geraria despesa. Então, nos ajudamos na colheita porque aqui é tudo parente – relata Adilson Moret.
Até agora, os Moret colheram duas levas de uva Violeta, que foram entregues a uma vinícola do município. A perspectiva é de que na próxima semana mais variedades estejam maduras e, assim, a colheita deve se intensificar. Então, serão contratados funcionários. Sergio e Remi terão o reforço de oito diaristas, enquanto Adilson contratará cinco. Mesmo com os empregados, os parentes não deixam de se apoiar.
– Todos os dias, entregamos a uva na vinícola. E a gente vai se ajudando também quando é necessário fazer alguma carga – diz Sergio.
Neste ano, a família de Bento Gonçalves deverá colher, somando as três propriedades, em torno de 500 toneladas de variedades como Isabel, Moscato, Niágara e Violeta.
marcelo casagrande
pioneiro Renato Moresco é um dos primeiros produtores do Rio Grande do Sul a apostar no uso de uma colheitadeira feita exclusivamente para a uva
A paisagem composta por homens e mulheres com as mãos para o alto em meio às videiras, retirando cuidadosamente os cachos de uva e colocando-os na bandeja, pode se tornar menos comum no futuro. Isso porque, aos poucos, alguns produtores começam a recorrer à mecanização da colheita. A Emater Caxias do Sul calcula que duas dezenas de agricultores na Serra já possuem colheitadeiras específicas para a fruta.
Atualmente, as máquinas são utilizadas em aproximadamente 200 hectares, o que representa apenas 0,5% dos 39 mil hectares de parreirais na região. No entanto, a perspectiva é de que os números avancem a cada safra. Um dos precursores no uso do equipamento está em Coronel Pilar. O produtor Renato Moresco comprou uma colheitadeira no final de 2017 e está colhendo sua primeira safra mecanizada neste ano.
Mesmo que esteja em fase de adaptação ao processo mecanizado, Moresco constata que a máquina possibilita maior agilidade no recolhimento da uva. O equipamento tem capacidade para captar, em média, 3 toneladas por hora. No momento, o produtor de Coronel Pilar está colhendo de 1,5 a 2 toneladas a cada 60 minutos.
Com 10 hectares de variedades como Bordô, Isabel e Niágara, a família Moresco deve produzir entre 180 e 200 toneladas de uva neste ano. Metade do montante será obtida a partir do trabalho com a colheitadeira. Na próxima safra, a intenção é de mecanizar 80% da colheita. Para isso, durante o inverno, serão feitas algumas adaptações nos parreirais para permitir que a máquina transite no local com maior facilidade.
– Mecanizamos a produção principalmente pela escassez de mão de obra durante a colheita. E também porque temos que evoluir, não podemos ficar parados – conta Renato Moresco.
Diretor de uma fabricante de colheitadeiras em Farroupilha, o engenheiro agrônomo Anderson Benato calcula que o trabalho de uma máquina equivale ao de 20 pessoas em uma colheita manual.
Até agora, o empresário já vendeu quatro unidades na região, a valores que oscilam de R$ 90 mil a R$ 200 mil, dependendo do modelo. Para a próxima safra, contabiliza seis encomendas garantidas.
Mesmo assim, o empresário acredita que ainda é necessário vencer a desconfiança em relação à colheita mecanizada. Algumas empresas evitam comprar a fruta vinda da mecanização e até mesmo os agricultores se mostram ressabiados com a tecnologia.
– O produtor hoje ainda não acredita nessa tecnologia. Na verdade, ele não conhece. Acreditamos que esse mercado vai começar a girar em quatro ou cinco anos, quando houver essa adaptação à tecnologia – calcula Benato.
A perda de uva, com a máquina, fica em torno de 3% a 5% do total de grãos colhidos. O grande desafio, porém, é o escoamento da produção. Como algumas uvas acabam sendo abertas no procedimento, o ideal é levar até a cantina em quatro horas, evitando o início do processo de fermentação.
Menos quantidade, mais qualidade. Essa é a combinação que marca a safra da uva que está sendo colhida na Serra neste momento. Responsável por 92% da produção do Rio Grande do Sul, a região deverá gerar 720 mil toneladas da fruta, conforme estimativa da Emater Caxias do Sul. Em comparação à safra recorde de 2017, com 850 mil toneladas, a redução é de 15%.
O assistente regional de Fruticultura da Emater Caxias, Enio Todeschini, afirma que a quantidade, apesar de menor, está dentro da média histórica. No entanto, uma das principais características desta safra é a antecipação da colheita. Desde meados de dezembro há produtores colhendo os primeiros cachos das variedades industriais. As de mesa, em alguns casos, começaram a ser retiradas ainda no final de outubro. De um modo geral, o processo está adiantado em 20 dias nos parreirais serranos.
– Nesse ritmo, não vai ter mais uva para colher já na metade de fevereiro – calcula Todeschini.
A falta de frio durante o inverno é a maior responsável pela situação. De acordo com a Embrapa Uva e Vinho, neste ano houve 188 horas de temperaturas abaixo de 7,2 graus. O número fica bem abaixo das 536 horas do ano anterior e da média histórica de 409 horas anuais.
– Com a menor disponibilidade de frio, teve falta de brotação e brotação irregular. Essa brotação irregular impacta no número de cachos e, depois, na sua formação. O número de bagas por cacho é menor – explica Henrique dos Santos, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho.
A estima da Emater leva em conta toda uva produzida com fins comerciais. Por outro lado, o Ibravin prevê uma safra de 650 mil toneladas, mas levando em conta o volume registrado na indústria.
O comércio ilegal
de produtos é uma das atividades que mais prejuízos traz para a população
e para o país
Familiares e vizinhos mantêm tradição antiga de se ajudarem uns aos outros durante a época da colheita da uva
Novo Secretário de Desenvolvimento, Emílio Andreazza, colaborou na construção do plano de ação na área
Quatro dicas para fazer seus recursos renderem mais em 2018
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