Ainda falta muito para que o maior patrimônio arquitetônico da imigração italiana no Brasil esteja nas condições em que ele merece. A preservação dos 48 imóveis tombados no Centro Histórico de Antônio Prado depende dos sempre escassos recursos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e da boa vontade de seus proprietários, muitos dos quais ainda se ressentem das restrições da uso impostas pelo governo federal na década de 1980.
Foi a provocação necessária para ele que empreendesse oito anos de entrevistas que resultaram no livro Memória & Identidade: Antônio Prado Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em que ele reconstituiu a história dos locais.
A paixão de Roveda pelo patrimônio se revela enquanto ele anda pelas ruas centrais da cidade enumerando detalhes que coletou durante décadas de pesquisa.
– Entrevistei praticamente todos os proprietários de casas tombadas. Fui para a Itália, pesquisei a história do padre Pellegrini, foi com ele que começou a história da cidade – comenta, ao passar pela Igreja Matriz.
O entusiasmo de Roveda contagia. A beleza do patrimônio se revela nos detalhes, de uma escadaria com uma imagem sagrada oculta embaixo das pedras – coisa que Roveda garante que só ele sabe – até os lambrequins de madeira que adornam os telhados de várias casas tombadas.
– O lambrequim começa com uma função de pingadeira, já que não existia calha. Para a chuva pingar e não apodrecer o telhado. Depois, se torna objeto de ornamentação. Tu já ouviu falar de eira, beira e soleira? Quem não tinha isso era um pé rapado. Para quem tinha, era sinal de posse. Quem não tem eira nem beira é um "pelado" – explica o pesquisador.
É essa proximidade com a história particular da comunidade que Roveda tentou resgatar com identificação das casas tombadas. Hoje, cada construção tem, em sua fachada, um depoimento em primeira pessoa, em português e em talian.
– Tem todo um conceito envolvido, de pertencimento, de raízes. Aqui tem a comunidade falando. Essa casa, por exemplo, da Luiza Maria Grazziotin. Tu não vai encontrar isso escrito num livro. Ela mesma diz, "meu avô João também tinha uma garagem de madeira. Meu pai tinha um carro com motorista, com boina, quepe e luva". Isso é um detalhe riquíssimo, que tu só encontra no depoimento da pessoa. Ela registrou porque era importante para ela – destaca.
Embora a cidade tenha dado passos importantes, é consenso entre especialistas que o patrimônio só estará realmente protegido quando a comunidade passar a abraçá-lo.
– Hoje temos memória, identidade e cultura. Mas a parte econômica precisa se dar, porque quem cedeu esse patrimônio privado também tem que ter um respaldo. É uma área nobre, esse recorte é o centro de Antônio Prado. Em termos econômicos, teria um grande retorno para o proprietário, poderia resolver a vida de um herdeiro. E com um patrimônio em cima, é o inverso. Eu tenho que botar dinheiro, manter e tenho que usar dentro das diretrizes da área – reconhece Roveda.
Esta visão é compartilhada por parte da população, para quem um futuro promissor teria sido prometido a partir do tombamento, com uma saída pelo turismo.
— Naquele momento, se gerou uma esperança muito grande, mas existiam algumas pessoas que tinham outros projetos para sua vida privada e obviamente elas não tiveram retorno financeiro — afirma o Secretário Municipal de Turismo e Comércio, Fábio Lopes.
A visão de que o processo não foi conduzido de forma benéfica para o município ecoa por Antônio Prado. O dono de uma padaria na área central, que não quis se identificar, exemplifica este ponto de vista.
– Acho que começaram errado. Tinha que ter feito primeiro um hotel grande, com uma estrutura legal, como em Gramado e Canela. Agora, não tem mais volta. Têm pontos legais para visitação, mas as pessoas chegam aqui e no domingo não tem nada aberto. Se passa um ônibus de turismo, fica meia hora e vai embora – reclama.
Entre iniciativas de incentivo ao turismo, ele lembra apenas da transferência do museu municipal para uma das casas tombadas e da criação de festas típicas, como a Fenamassa e a Noite Italiana.
Mesmo assim, até para quem apoiou a preservação, a sensação é de que falta algo para a cidade deslanchar.
– Hoje, visita quem já conhece. Mas se viesse uma excursão grande, acho até que não teriam como todos se hospedarem ao mesmo tempo – pondera Elaine Manica, proprietária da casa Paim Sobrinho.
A residência é uma das únicas tombadas que foram restauradas totalmente pelos donos e é considerada exemplo positivo de conservação pelo Ministério Público Federal (MPF). Hoje, Manica mantém uma agência de viagens no imóvel, mas reconhece que não é simples mantê-lo.
– Minha mãe era proprietária de uma casa dessas. Eu nasci, me criei, casei e fui morar numa casa dessas. Para quem está nessa situação, são casas normais. Mas o meu marido abraçou a causa. Hoje, eu vejo que valeu a pena, mas falta uma estrutura de fora. No nosso caso, meu marido tinha condições e bancou a reforma. Muitos não tinham, foram feitos restauros com o Iphan e algumas empresas adotaram as casas, no início. Mas depois também caíram fora. Gastamos muito, e agora já tem pontos com cupins, sempre tem que estar pintando novamente. Acho que não aconteceu muita coisa desde então. Do poder público, não vi nada, acho que estaria na hora de fazer mais – acredita.
Quando o passado determina o futuro
Saída é pela educação patrimonial
Sustentabilidade depende de investimentos
Compartilhe