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Sustentabilidade depende de investimentos 

Antônio Prado recuperou a identidade de seu
patrimônio histórico, mas enfrenta desafio
para torná-lo economicamente viável


Texto
Lucas Demeda
lucas.demeda@pioneiro.com

Fotos
Lucas Amorelli
lucas.amorelli@pioneiro.com

Muito tempo passou desde que falar sobre o tombamento do Centro Histórico de Antônio Prado nas ruas da cidade era entendido como um convite para briga. Em 1987, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) restringiu o uso de 48 imóveis centenários no município, com o intuito de preservá-los. Como resultado, Antônio Prado mantém o maior legado arquitetônico da imigração italiana do Brasil, mas a imposição do governo federal deixou parte da comunidade ressentida de seu próprio patrimônio.

Nas três décadas que se seguiram, um dos casarões tombados incendiou e foi reconstruído e todos os outros foram alvo de inquéritos do Ministério Público Federal (MPF), que tem sete ações ajuizadas em aberto para tentar garantir a preservação dos imóveis centenários. Entre os réus, estão proprietários dos locais e a própria União que, apesar de reconhecer os bens como parte do patrimônio nacional, não aporta recursos suficientes para mantê-los.

Por outro lado, projetos de educação patrimonial recuperaram a identidade das construções, e hoje todos os estudantes da rede pública de educação têm contato com a própria história durante as aulas.

Há consenso, porém, de que o trauma do tombamento só desaparecerá para quem se sentiu prejudicado com a medida a partir do momento em que o patrimônio histórico traga retorno para a comunidade – e, de preferência, financeiro. 

No meio do caminho, a prefeitura 

Mobirise

No meio dos impasses entre proprietários das casas tombadas, o governo federal e a Justiça, está a prefeitura do município. Em Antônio Prado, há quem diga que a administração municipal não tem como interferir na questão do patrimônio. Outros acreditam que o Executivo deliberadamente se afastou do tema, considerado impopular nas urnas.

Seja qual for a versão escolhida, o Secretário Municipal de Turismo e Comércio, Fábio Lopes, afirma que a situação vai mudar. Mesmo tendo assumido a pasta há cerca de um mês, ele antecipa um planejamento para o setor.

– Eu afirmo, com certeza, que isso (o patrimônio) é o ouro do futuro. É difícil, eu concordo com a comunidade, mas não existe outro caminho – decreta.

Entre os planos da pasta, está a criação de um grupo de trabalho para mediar impasses que hoje acontecem entre proprietários e o Iphan ou o MPF. A ideia é tentar acelerar acordos para a preservação dos imóveis, antes que os problemas cheguem à Justiça. Ao mesmo tempo, a prefeitura quer "dar o exemplo" ao revitalizar a Praça Garibaldi. Também está prevista a colocação de fiação subterrânea no entorno da área, que abriga várias das casas protegidas.

– Em todo o final de semana, isso está lotado de turistas. E é um turismo espontâneo, são pessoas que vêm de várias partes para visitar. Eu afirmo com toda a segurança, isso que hoje talvez esteja trazendo um tipo de prejuízo para uma parcela da comunidade, amanhã será motivo de muito orgulho – reforça.

Apesar de não poder investir diretamente em imóveis privados, o secretário fala também em buscar alternativas para fomentar o empreendedorismo local.

– Se o proprietário, por exemplo, quer reformar a casa e não tem condições, tem que ser disponibilizada para ele uma linha de crédito. É nesse sentido que vamos trabalhar. Tem que ter uma alternativa. Faremos um plano para captar possíveis empreendedores, agencias locais, e isso precisa de financiamento, mesmo que seja público. Antônio Prado não tem potencial turística, ela é turística. Eu vejo um futuro com a cidade avançando e muito, justamente pelo fato de ter preservado a sua história de uma forma diferente dos outros municípios – projeta.

Fluxo de visitantes

Fonte: Secretaria de Turismo e Comércio de Antônio Prado

Mobirise

"O que foi feito aqui não se faz para ninguém", diz morador

Mobirise

Para parte da população, no entanto, o futuro da cidade não é tão animador quanto projeta o município.

– Eu estou resignado – resume o proprietário de uma casa tombada que não quis ter a identidade revelada.

Segundo alguns depoimentos, os ânimos da população em relação ao tombamento acalmaram não por uma gradual aceitação do patrimônio, mas sim pela submissão a uma realidade vista como inevitável. Mas nem todos os críticos entregaram os pontos. Em pleno dia 15 abril de 2018, uma coluna de opinião do jornal local Panorama Pradense abre com a expressão "maldito patrimônio histórico".

Quem assina é o técnico em eletrônica Aírton Pontel, 60. O morador é dono de um terreno que margeia uma residência protegida e se sente diretamente afetado pelas restrições de uso e a burocracia imposta pelo tombamento.

— O que foi feito aqui não se faz para ninguém. Isso foi jogado goela abaixo. Foi uma calamidade, uma barbaridade. Eu perdi muito com isso – lamenta.

Para o morador, não faz sentido investir em um setor com retorno incerto quando a cidade patina para atender as necessidades básicas dos moradores.

– A população não consegue nem pagar as contas. Turista que tem dinheiro não vem aqui. Isso vai ficar eternamente assim, com todo o dinheiro que foi gasto. A cidade não tem nem infraestrutura básica. Estão começando a casa pelo telhado – reclama.

Pontel concorda que há algum valor nas construções, mas crê que há formas menos traumáticas de preservar a história:

– Hoje, você enxerga os maiores monumentos do mundo pelo computador. Ou poderíamos ter feito como Caxias, escolher um lugar para uma réplica de Antônio Prado Antiga. Claro, eu adoraria que a coisa tivesse funcionado. Mas não foi assim.

Para ele o tombamento, da forma como foi efetuado, minou o desenvolvimento da cidade.

– O susto que levaram quando foi feito o tombamento perdura até hoje. Os italianos aqui são muito apegados aos bens materiais, e com razão, porque só sabem trabalhar. Então, quando a coisa aconteceu, a turma do dinheiro foi embora. O que tinha gente de dinheiro aqui na época, que investiu em outras cidades, vocês não têm noção. Eu mesmo perdi a minha aposentadoria. O tombamento comeu. A casa que eu fiz aqui (nos arredores da cidade), teria feito na avenida central, com uma sala comercial. Não deu. Então, até que tiver força, vamos trabalhando – relata. 

PARA ONDE VAI O PATRIMÔNIO? 

Com todos os elementos em jogo, é difícil projetar como Antônio Prado seguirá lidando com sua história. Confira a opinião de especialistas ouvidos pela reportagem:

Acompanhar o patrimônio é bem complexo. O patrimônio tombado acarreta ônus para as pessoas e aos proprietários, além de muita resistência, é muito natural do processo. Gera dificuldades, é oneroso. Eu acho que o patrimônio de Antônio Prado está relativamente bem cuidado. Mas, para estar em melhores condições, a gente precisava que a comunidade se apropriasse dele realmente. Fizesse daquele limão uma limonada. Aproveitasse todo o potencial histórico, cultural e turístico, e também fizesse render frutos para a cidade. Porque o tombamento é traumático. Mas isso tem que ser superado, não vai ser “destombado”. Então tem que se encontrar alternativas.

Luciana Guarnieri, procuradora da
Procuradoria da República de Caxias do Sul.

Nós estamos vivendo num sistema de globalização capitalista, quase ninguém consegue escapar disso. Sim, precisamos nos sustentar. Como conciliar a preservação com a questão econômica? Acho que uma primeira mudança tem que ser nessa voracidade do capitalismo, que passa destruindo não só as casas, mas também as pessoas. Não é a toa que temos tanta gente alijada desse sistema, e isso não é mais privilégio das metrópoles, a gente está vendo isso em Caxias, em Flores da Cunha. O turismo tem se mostrado um dos caminhos mais eficientes, mas acho que tem que ter um cuidado grande no tipo de turismo que se quer nos lugares. Se você pensar num turismo de massa, o patrimônio pode estar mais em risco do que na mão de um proprietário.

Terezinha Buchebuan, ex-chefe do escritório
técnico do Ipham em Antônio Prado e professora de Arquitetura e Urbanismo da UCS.

Precisar quando nós vamos ter um retorno com isso, com ganhos para o proprietário, é quase impossível dizer. O patrimônio serve mais para a memória histórica e cultural de uma época, de um povo e de uma imigração. Tem que mexer com a estrutura para poder ter uma sustentabilidade. Hoje, é um trabalho muito desigual trabalhar com a cultura e o patrimônio, tu paga para trabalhar. A educação tem que ser contínua, as crianças vão vindo e se renovando, e os mais velhos saindo. Até chegar a um ponto em que a gente tenha como implantar um projeto que dê essa sustentabilidade econômica. Sobre o turismo, fizeram mil propostas, mas têm que entender que esse é um patrimônio vivo. É a loja, é a casa, mas não pode petrificar, retirando todas as pessoas que dão vida. O turismo tem impactos positivos e negativos. Tem que saber muito bem trabalhar isso, porque tu pode estar agredindo uma comunidade querendo fazer as pessoas engolirem o turismo.

Fernando Roveda, Mestre em Turismo
e autor do projeto Memória & Identidade.

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