+ENTREVISTA

Caminho de superação

Formada em magistério e psicologia, empresária anuncia para este ano o terceiro prédio no villagio iguatemi, num investimento de até R$ 6 milhões

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silvana toazza

silvana.toazza@pioneiro.com

Nascida no meio rural de Caxias do Sul e filha de mãe analfabeta e pai semialfabetizado, Maristela Tomasi Chiappin, 46 anos, viu na educação um ideal para mudar o destino de sua família e para se realizar pessoalmente. Virou uma empresária de sucesso em filão atípico de empreender: o do ensino particular, normalmente vinculado a congregações religiosas.

Mas Maristela percebeu que tinha vocação e amor pela área. E foi assim, com o sonho de deixar sua marca na formação de crianças, que ela se emancipou aos 17 anos, recém-formada em Magistério, e solicitou aos pais – o pai Giácomo Tomasi, hoje com 80 anos, e a mãe Ilda Bassani Tomasi, já falecida – a venda do único terreno que seria sua herança para investir, em 1988, na Algodão Doce, uma ousadia para uma época em que a educação infantil engatinhava e era comum crianças ficarem em casa com as mães ou avós.

– Fazíamos os brinquedos e a decoração com materiais alternativos, como, por exemplo, balanços de cabos de vassoura – lembra a gestora, que em 15 anos chegou a possuir sete unidades de escolinhas infantis em diversos bairros de Caxias.

Seria o suficiente para ser uma empresária de sucesso, porém, Maristela percorreu um caminho de superação e persistência que a levou a criar a Rede de Ensino Caminho do Saber, para abarcar várias fases de ensino. Tornou-se uma empreendedora incansável quando o assunto é propor um olhar inovador sobre a formação educacional e o desenvolvimento do cidadão.

O grupo trabalha hoje com quatro bandeiras: Companhia do Carinho e Caminho Kids (de educação infantil), Caminho do Saber (ensino fundamental) e Impulso (ensino médio). Após rigorosas auditorias, foi premiado nacionalmente em 2014 pelo Sebrae no filão de educação.

A diretora-presidente da rede, formada em Psicologia pela UCS, comemora em 2018 três décadas de dedicação diária como empresária da educação. Também assumiu em janeiro de 2018 o cargo de vice-presidente de Serviços da CIC de Caxias.

Embora jovem se comparada a outros grupos de renome na educação, alguns centenários, sua empresa figura entre as cinco maiores de Caxias, com 1,3 mil alunos e 158 funcionários, incluindo professores e equipes do administrativo, financeiro, setor de qualidade, atendimento e relacionamento.

– Os que pretendem empreender devem correr riscos, sim, mas calculados, investir em parceiros líderes, ter uma pitada de coragem e ousadia – ensina.

A seguir, entrevista com Maristela Tomasi Chiappin, casada há 23 anos com Jair Pedro Chiappin, diretor-financeiro da Rede de Ensino Caminho do Saber – “alguém tem de gostar de números” –, e mãe de Júlio César Chiappin, 20 anos, que se formará em Administração de Empresas e já atua na companhia criada pela mãe. 

Marcelo Casagrande

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Eu não tinha um ‘paitrocínio’, que me ajudasse nos investimentos. Venho de uma história difícil, com mãe analfabeta

  • Quando criou a Rede Caminho do Saber, percebeu que havia uma lacuna no mercado do ensino privado?
    Sim, por isso, criamos todos esses diferenciais, de ser uma escola que atende nos 12 meses até o quarto ano. Por isso, estamos em janeiro com a escola lotada, em função da Colônia de Férias. Cada vez mais as famílias tiram um período em julho e outro no começo do ano de férias. Portanto, é difícil uma escola parar por três meses. Um adolescente até pode ficar com os avós e tios, mas e os pequenos? Eles estranham. Assim, os pais seguem sua atividade profissional sabendo que os filhos estão bem. Eu sou favorável à questão da tecnologia, mas que ela seja utilizada de forma adequada. Temos o conceito da inovação, do uso de tablet, das lousas eletrônicas em todas as salas de aula. Mas tenho de usar isso em meu favor e não me tornar refém da tecnologia, e só viver isso, deixando de interagir. Por isso, a Colônia de Férias. Hoje (9 de janeiro, dia da entrevista), por exemplo, as crianças estão construindo instrumentos musicais.   
  • Aumentará o número de alunos neste ano?
    Ainda estamos em fase de matrículas, mas acreditamos que ficará em torno de 1,3 mil. Já tínhamos mil, duzentos e pouquinho no ano passado. Já são 29 anos de crescimento.  
  • E eram quantos estudantes na primeira escola?
    Na primeira escola, eu iniciei com oito alunos, na Algodão Doce da Moreira César, esquina com a Bento Gonçalves. 
  • Você fica orgulhosa com a sua retrospectiva?
    Muito. Da trajetória e da equipe. Porque é preciso ter pessoas que compartilhem desse ideal. Não adiantaria ter esse ideal se não houvesse pessoas que comprassem essa ideia: vamos fazer da educação uma coisa diferente, que seja prazerosa, que eu tenha sentido no aprender, que eu consiga aplicar aquele conteúdo. Não é só decorar, é dar significado, para não esquecer no dia seguinte. 
  • Essa é a metodologia?
    Essa é a metodologia, da interação, na qual o aluno de fato é um protagonista, participando do processo de construção.  
  • Aliada à questão da metodologia, da pedagogia, tem a estratégia empresarial... 
    Entre as coisas em que eu acredito muito estão as parcerias sólidas. A educação é um segmento diferente, pois se lida com alma, mas ao mesmo tempo é uma empresa e precisa se sustentar. Tem um ideal grande, mas precisa se manter. Eu preciso agregar qualidade e pensar de forma sistêmica, pensar no todo. A estratégia que a gente utiliza é muita formação continuada. Estudo constante o tempo inteiro. Oferecemos cursos, formação, trazemos profissionais de fora. Não é desmerecendo as escolas daqui, mas nós buscamos como referência o que está despontando. Vou a congressos em São Paulo, fora do país. Por meio do Sindicato do Ensino Privado (do RS), fiz uma viagem educacional, conhecendo escolas do Chile e da Argentina para trazer o que existe de novo em países onde a educação está na frente. Tudo evolui, e a educação também precisa evoluir.  
  • É desafiador?
    Sim, pois a gente acaba ditando tendências. Nossa proposta é de inovar. Não ouvíamos falar em educação tecnológica, e hoje trouxemos esse conceito para Caxias do Sul. Independentemente de qual profissão a pessoa irá seguir, ninguém vai ficar longe da tecnologia, da automação, dos sensores. Independentemente de eu fazer engenharia ou outra profissão, preciso entender e saber o que significa isso. Oferecemos a robótica desde a educação infantil.  
  • E a educação integral?
    Nos países desenvolvidos, a educação em turno integral é uma grande tendência, porque nessa fase as crianças são como uma esponjinha, absorvendo tudo, tendo opção de esporte, teatro, educação artística, para desenvolver inúmeras habilidades. Há 15 anos, não ouvíamos falar em turno integral. Somos hoje a maior escola de turno integral da região. Várias outras escolas estão implantando isso porque percebem essa tendência.  
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  • Como é a estrutura física?
    Nossos prédios foram projetados e construídos para serem uma escola, com as particularidades para cada faixa etária. Na salinha da educação infantil, há dois banheiros, para menino e menina, para que a professora possa atender o grupo e a necessidade daquela criança, sem sair da sala. Hoje nós temos dois prédios, com seis pavimentos em cada construção, mais o ginásio e a quadra externa.  
  • Esse bairro, o Villagio Iguatemi, não tinha essa projeção na época do investimento?Fomos a primeira obra do Villagio Iguatemi. Não tinha nem energia elétrica aqui. 
  • Como teve a ousadia de se instalar num local inóspito?
    Olhar de futuro. Para onde Caxias do Sul iria expandir? Ou evoluía pelo lado do bairro Cruzeiro, que cresceu muito, ou para cá, por conta do shopping. Como eu sou dessa região, eu fazia esse trajeto, eu disse: vai crescer muito para cá.  
  • No começo foi difícil?
    Muito difícil. Eu venho de uma história bem difícil. Minha mãe não era alfabetizada. Meu pai era semialfabetizado. Eu não tinha um “paitrocínio”, que me patrocinasse ou ajudasse nos investimentos. Sou filha única. Não tenho familiares em Caxias. Meu pai é natural de Bento Gonçalves. Minha mãe, de Veranópolis. Aos 17 anos, eu quis abrir uma escola como professora. Eu me emancipei para abrir a escolinha porque eu queria a instituição no meu nome, pois já pensou se desse errado? Não eram os meus pais que tinham de responder. Eles já tinham uma vida sofrida. Eu iniciei vendendo o único terreno que seria minha herança para começar a primeira escola de educação infantil, que foi dando certo, dando certo. Meus pais acreditaram em mim. E depois de muitos anos, adquiri o primeiro imóvel próprio, uma casa, para educação infantil, financiada, e se autopagando. Isso me ajudou a aprender sobre a questão empresarial, de que o investimento precisa ser autossustentável. Não podia dar o passo maior do que a perna, senão colocaria em risco o negócio como um todo. 
  • A história de teus pais terem tido poucas oportunidades te motivou a mudar a trajetória da família?
    Eu sempre via as dificuldades de minha mãe não ser alfabetizada, ela não lia, e tinha na identidade “não alfabetizada”. Foi um grande motivador de “eu vou mudar essa realidade”, de ir em busca, de batalhar. Minha mãe sempre dizia: “estuda.” Ela trabalhou comigo no início nas escolas, ela gostava da questão de atendimento, recepcionava as crianças, cuidava da cozinha. Ela faleceu aos 46 anos quando eu tinha duas escolas. Eu a perdi com 22 anos. Eu olho para trás e aquele único terreno que seria minha herança se multiplicou, não só na questão financeira, mas nos sonhos, nos ideais. Eu acredito nisso: temos essa responsabilidade de tornar o mundo que nos cerca melhor. Nós formamos muita gente. Uma das nossas coordenadoras foi nossa aluna na educação infantil. Eu me encanto. Começo a fazer uma retrospectiva, e me emociono, pois é muito vivido.  
  • Como foi sua educação?
    Comecei a trabalhar aos 13 anos. Estudava em escola pública e tinha de me virar, comprar uniforme. Precisei batalhar muito no começo do processo educativo. Fazer quilômetros a pé na estrada de chão, comecei a pegar ônibus, tinha de esconder o sapato sujo de barro. Sempre soube bem de onde as coisas vêm.  
  • Foi tudo batalhado... 
    Na época da construção, decidimos aqui (Villagio Iguatemi), compramos o terreno. Parcelamos para pagar o terreno, e foi necessário buscar financiamento via BNDES para a construção do primeiro prédio. Não existia. No país inteiro, foi o primeiro financiamento para uma escola privada. Não existia nenhum código no BNDES, porque a realidade é outra. Não são pessoas que empreendem no setor. São vinculadas a congregações. E isso não é privilégio de Caxias. No país, não existia. Criou-se, assim, o primeiro código no país para financiamento a escolas.  
  • Com a crise, a rede sofreu impacto ou passou ilesa?
    Nós sentimos, mas mantivemos o número de alunos. Houve situações em que pais tiveram de tirar os filhos, que migraram para a escola pública. Houve casos de evasão, mas houve, em contrapartida, ingressos. A nossa filosofia é oferecer mais benefícios por um valor competitivo.  
  • Isso mostra que educação é prioridade para as famílias?
    Todas colocariam a educação como prioridade. Os pais estão mais informados da importância que a educação possui. Há 30 anos, as crianças eram deixadas com as avós. Hoje, as avós não querem mais ficar com os netos. Não que elas não amem e não curtam seus netos, mas elas têm academia, viagens e atividades. Os pais e as avós perceberam a importância da escola, dos benefícios de estar numa escola. 
  • Como foi 2017 para a rede?
    2017 foi um ano de estabilidade. Apesar da maior crise já vivida, o resultado foi positivo, com crescimento de, no máximo, 3% na receita vinda das matrículas, também como reflexo da necessidade de reduzir alguns custos, de otimizar. 
  • Qual a projeção para 2018?
    Temos projeção de expansão de 7% a 8%, voltando ao antigo patamar, por termos feito da crise um trampolim para subir. Fizemos uma nova parceria com a Escola da Inteligência, do Dr. Augusto Cury. A proposta é a junção do cognitivo com os aspectos socioemocionais, a gestão da emoção, para que nossos alunos não entrem por currículo nas empresas e saiam por comportamento. Que eles tenham esse equilíbrio entre a gestão da emoção com o conhecimento absorvido.   
  • E os planos de expansão?
    Vamos construir um terceiro prédio para abarcar as séries intermediárias. Já existe o terreno e um projeto inicial junto ao complexo. Queremos começar ainda em 2018 e até 2019 seria concluído. A estrutura ficaria adequada a cada faixa etária e a cada necessidade, um grande diferencial. O investimento envolveria de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões. Será um novo financiamento que o próprio negócio vai se pagando. O novo prédio teria mais de 2 mil metros quadrados. Com a ampliação, nossa capacidade, com a utilização em diferentes turnos, subiria para 2,3 mil alunos. Outros planos para outro prédio, num futuro mais adiante, ainda seriam ginásio poliesportivo e anfiteatro.
  • É preciso entender do negócio...
    Mais do que isso, amar, porque o trabalho não vira um peso. É prazeroso, você se realiza pessoalmente, não economicamente. E, no nosso caso, o desafio é maior, pois é uma marca, com quatro segmentos de ensino.
  • O projeto de franquia está decolando?
    Temos uma franquia em Feliz, em seu terceiro ano. Recebemos visitas técnicas e já temos interessados no Estado em levar a proposta aos seus municípios, portanto, não é um projeto a muito longo prazo esse de franquias. O mesmo mantenedor de Feliz poderá levar a franquia também a Farroupilha.
  • Qual seu conselho aos empresários iniciantes?
    Toda caminhada tem o primeiro passo, e as pedras no caminho precisam ser degraus para que a gente suba, e não tropece. Nunca podemos perder de vista as pessoas. O setor de serviços é intangível. Um produto você pega na mão e mensura se tem qualidade ou não, mas no (setor de) serviços e, ainda mais em educação, levam anos para perceber que fez a diferença.

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