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+ENTREVISTA

“Comer xis era um luxo”

 sócio-proprietário do baitakão há 40 anos, João Antonio Leidens aposta na inovação para crescer

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silvana toazza

silvana.toazza@pioneiro.com

Unindo tecnologia, inovação, horário estendido e cardápio diversificado, o BaitaKão é mais do que um restaurante e uma casa de xis. É uma marca que está no inconsciente coletivo de uma cidade.

Nascido como trailer na Festa da Uva de 1972 para surpreender o caxiense e o turista com o badalado cachorro-quente, o negócio migrou em 1978 para o tradicional endereço no bairro Lourdes. Foi agregando sabores, espaços, novidades, e hoje é uma das maiores casas do ramo em Caxias, com mais de mil metros quadrados de área construída e estacionamento próprio.

Em janeiro de 2018, não só o restaurante completou 40 anos de atuação no atual endereço, na Rua Sinimbu, 175, como o sócio-proprietário João Antonio Leidens também festejou quatro décadas em que gerencia o negócio em parceria com o sócio e fundador: Ivo Posser.

Formado no “segundo grau”, Leidens está sempre aberto a novidades. Amante do motociclismo, viaja para o país e fora dele, conhece lugares e busca sempre trazer pitadas de ousadia à casa em que, admite, ele e o sócio “morrerão reformando e comprando equipamentos.”

– A gente inventa, mas também copia – afirma o empresário de 57 anos, nascido em Sarandi (RS) e que foi agraciado em 2017 pela Câmara de Vereadores com o título de Cidadão Caxiense.

O sócio orgulha-se pelo fato de o BaitaKão ser um dos primeiros restaurantes de Caxias – senão o primeiro – a informatizar o atendimento e os pedidos, em 1996, e de ter conquistado a certificação no Programa de Alimentos Seguros do Sebrae.

O frequentador do BaitaKão costuma ser fiel ao restaurante pela certeza de encontrá-lo funcionando todos os dias da semana, incluindo sábados, domingos e feriados, em horário que abrange almoço, happy hour e jantar, pois atende das 11h às 14h30min e das 18h às 24h. São 365 dias abertos no ano, com uma equipe de quase 50 funcionários nos vários turnos e funções. Em 2016, foi inaugurado o BaitaBier, ambiente anexo ao restaurante, com a inclusão de um container.

O público também enaltece o cardápio, pela facilidade de cair no gosto de toda a família ou de grupos de amigos, por oferecer, além de tradicionais lanches (como xis), bufê no almoço e variedade de pratos a la carte, incluindo baurus, filés, saladas e sobremesas. A seguir, entrevista com João Antonio Leidens:

Roni Rigon 

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Batalhador | No ambiente BaitaBier, empresário Leidens diz que desafio é tirar o cliente de casa

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A grande lição é: não misture o caixa com o bolso. Procure fazer uma administração
certa, séria

  • O que mudou nesses 40 anos em que atua como sócio do BaitaKão?
    De 1978 a 1984, trabalhamos aqui sem telefone. Hoje, nos perguntamos: “mas como era possível?” Mas a gente conseguia trabalhar. O mercado mudou muito. Nesse tempo, tivemos anos de retração na economia, mas nenhuma crise foi tão forte quanto essa em que estamos vivendo. Nas outras épocas, a retração estagnava os negócios, mas não os fazia decrescer. Depois, no ano seguinte, se continuava a crescer de novo. Outros aspectos que mudaram foram a relação com o cliente e a cultura de comer fora. Ainda hoje eu encontro pessoas que dizem: “comer um xis era o que tinha de melhor.” Para quem vinha do interior ou estudava na universidade, comer um xis era um luxo. Até porque comer fora não era comum, não havia essa cultura. Em 1980, Caxias possuía 160 mil habitantes, se não me engano (eram 220 mil, conforme o IBGE). O funcionário trabalhava próximo à fábrica, não ganhava vale-refeição, não havia refeitórios nas empresas. Ele voltava para almoçar em casa. A cidade cresceu, a cultura mudou. Hoje, não dá mais tempo de ir para casa. É necessário comer fora. O movimento, ainda hoje, é maior à noite. Mas, na época, só se vendia de noite. 
  • E não havia tantos concorrentes? 
    Não havia. Mas também a cidade era menor. Proporcionalmente, não sei dizer se tinha mais ou menos concorrência. De qualquer forma, tornou-se mais fácil hoje abrir um negócio pelo capital (dinheiro), mas é muito mais difícil atualmente de situar uma casa. Se o empreendedor não vem com uma estrutura bem montada ou algo diferente, não sobrevive. Naquela época, tudo servia. Hoje, o público está exigente. O que mais vende é a diversidade do cardápio, no nosso caso. Estacionamento, segurança, horário ampliado, são diferenciais que fomos agregando. Fomos incorporando terrenos e ampliando, e hoje temos 3,2 mil metros quadrados de área. A grande parte dos concorrentes hoje é “cria” nossa, trabalhou no BaitaKão. Tem espaço para todo mundo. Antes, a gente se via como concorrente. Hoje, há uma competitividade de quem coopera. E, se não pensarmos assim, não vamos para frente.  
  • A crise econômica nunca foi tão acentuada quanto esta dos últimos três anos... 
    Neste momento, continua bem difícil. Nós, do ramo de restaurantes, demoramos mais para entrar na crise, mas seremos os últimos a sair, porque o trabalhador tem muitas contas a pagar a partir do momento em que volta a se empregar. Demora para sobrar dinheiro para o lazer. Também em relação às verbas de vale-alimentação, que vinham muito para o restaurante, houve uma diminuição, porque as empresas fecharam, reduziram equipe ou cortaram benefícios. Nenhuma crise foi tão prolongada quanto essa. 
  • No BaitaKão, o movimento diminuiu no ano passado? 
    Diminuiu, sim. Eu acho que desde 2014 tivemos seguramente uma queda de 20%. Este começo de ano está bem normal. Tivemos um bom movimento no final do ano e nas primeiras semanas de cada mês em 2018. Esses são meses fracos para nós. O movimento voltará de forma mais intensa quando terminar o horário de verão, que é prejudicial ao setor. Ninguém gosta de jantar com o sol alto, e a cultura caxiense também não é de hap- py hour. Como as pessoas saem de casa mais tarde, o horário de venda à noite fica mais curto. É a nossa cultura. Já o europeu janta às 18h e depois caminha, pois até as 10h da noite tem sol. Mas nós não conseguimos fazer isso. Sequer entramos para dentro de casa enquanto está claro. Por isso, qualquer evento que motive a tirar as pessoas de casa é bem-vindo. Mais adiante, começam as aulas, a universidade, e será um período melhor.  
  • São quantos funcionários? 
    48, 50 funcionários. Já tivemos 54. Mas começamos o negócio com cinco. 
  • O BaitaKão tem como diferencial o horário elástico de atendimento... 
    É a nossa vocação. Tem gente que fecha no final do ano, no Carnaval, cada um traça a sua estratégia. Há estabelecimentos menores, nos quais trabalham o dono, a esposa, os filhos, e são obrigados a fechar senão não tiram férias. Já nós temos uma estrutura que não depende dos donos para funcionar. E temos, então, essa possibilidade de trabalhar nos 365 dias do ano. Então, trabalhamos. É uma forma também de retribuir ao cliente, fidelizar e criar a cultura. Tarde da noite, é comum os clientes virem direto aqui, pois sabem que está aberto até mais tarde (meia-noite). Eu sou meio inquieto. Sempre gostei de sair, viajar, olhar.   
  • Tem de estar sempre aberto a novidades... 
    O que a gente inovou desde cedo foi no maquinário, com máquina de lavar-louça, processador de alimentos, forno combinado. É necessário se equipar, ter o que há de melhor e reinvestir. Eu e o Ivo (Posser, sócio) temos esse pensamento. Lembro-me que uma vez nós íamos reformar a cozinha e eu disse que iríamos investir um valor bem alto. Ele me olhou e disse: “nós vamos morrer aqui dentro mesmo. Vamos fazer.” Quem tem uma sala para higienização de verduras, climatizada, sala de manipulação de carnes? Se eu trabalhar na cozinha, não saio com cheiro de gordura. 
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  • Como funciona a logística de compra de matéria-prima?
    Tem um rapaz que só faz isso, compra, busca, garimpa novos fornecedores, novos produtos.  
  • Quanto o BaitaKão consome de carne por mês? 
    Teríamos, então, de falar em certas toneladas. Temos uma câmera de congelamento e uma câmera de resfriamento.  
  • Por que não levaram essa expertise para o modelo de franquia ou para novas casas? 
    Os anos foram passando e fomos sempre investindo aqui. Passei a minha vida comprando máquina, pagando terreno e reformando. Então, chegou um momento em que eu e o Ivo entramos num acordo: vamos manter uma casa para que a gente também tenha um pouco de qualidade de vida. Um dos dois sempre está aqui, quando não ambos. Foi uma opção nossa, porque restaurante sufoca. Tivemos várias propostas, de shoppings inclusive, mas preferimos manter esse modelo. Está vindo uma nova geração: tem o meu filho (João Felipe) e a filha do Ivo (Agnicayana). No futuro, deixaremos para eles crescerem. Eu brinco e digo: nós (os sócios) vamos continuar até completar 50 anos de trabalho.  
  • Manter um empreendimento de sucesso às vezes é mais estratégico do que querer expandir perdendo a essência e queimando a marca? 
    A questão de franquia foi muito o “oba-oba”. Eu andei estudando: é difícil de gerenciar. Ou você pensa bem grande e tem estrutura, senão não vale a pena. O importante para nós é manter. O que queremos é que isso fique perpetuado. E, mesmo que eu morra amanhã, o BaitaKão continuará o mesmo. Tanto que o BaitaKão nunca esteve à venda. Poderia vender e viajar, andar de moto. O ponto é bem valorizado. Porém, para ficar no mercado, tem de inovar e surpreender. Como apostamos em preços acessíveis, precisamos de um monte de clientes para atingir o faturamento, para ter um ponto de equilíbrio. 
  • Por que o xis em Caxias do Sul é tão famoso? 
    É um diferencial. Eu sempre falava e falo ainda: “nunca pedir pizza, sempre pedir xis.” É o meu lema. Quem viaja reconhece que o xis de Caxias tem qualidade, matéria-prima de excelência, começa com um bom guisado, com um bom bife. Não é bife que vem processado. Ele é todo montado manualmente. É artesanal. Para montar o xis, se pega o pãozinho, passa a maionese... 
  • Você sabe fazer? 
    Meus Deus, eu trabalhei tanto na chapa! 
  • Trabalhava na chapa e não na administração?
    Eu nunca fui do financeiro. Eu sempre fui o cara de comércio, de negociar. Mas eu faço de tudo. Gosto de controlar a matéria-prima, eu peso a carne, vejo a qualidade do queijo, vou lá ver a verdura. 
  • Vocês trabalham com telentrega?  
    Fortíssima é a nossa telentrega. Temos telentrega, vendemos no salão, aqui fora (no BaitaBier, em anexo) e no pátio. Somos os únicos que ainda atendemos o cliente dentro do carro no estacionamento. Há jovens que vêm da universidade com um livro, e ficam no carro comendo um xis, ouvindo um som... Temos wi-fi no pátio. A gente precisa ter essa preocupação e ver o que está acontecendo. Tem de acompanhar o mercado. Investimos ainda em uma área para as crianças, porque são elas que decidem onde a família vai. Não é mais a mãe ou o pai. 
  • Você acaba de entregar a presidência do Sindicato Empresarial de Gastronomia e Hotelaria Região Uva e Vinho (Segh)?  
    Fiquei oito anos como presidente, quatro anos como tesoureiro, quatro anos como vice-presidente, além dos conselhos. Sempre pensei: alguém fez por mim. E alguém precisa ser o síndico. E ninguém quer. Quando eu assumi a presidência, eu disse: “Ivo, o pessoal está querendo que eu assuma, o que tu acha?” Ele respondeu: “É bastante responsabilidade. Mas pode ir que assumo as pontas aqui.” Não é fácil você deixar o seu trabalho, os seus negócios, para se dedicar a uma causa. Para mim, foi um grande aprendizado.   
  • Qual sua percepção da hotelaria e da gastronomia? 
    Acho que houve um grande avanço. Na hotelaria, fecharam os hotéis familiares e abriram os de rede, que é uma maneira de sobreviver. Na gastronomia, vejo com bons olhos os jovens empreendedores. Agora, o jovem se forma na universidade, faz estágio, pós, e depois monta o seu negócio. Olha a diferença de nós, que começamos do zero. Essa mudança eu admiro: passar a ver a gastronomia como um negócio. Aquele tipo de pessoa que vai abrir um restaurante para vender, acabará. Ficará aquele que tem essa paixão. Essa é a grande mudança. Você diria que o gringo iria comer peixe cru? Olha o que são de badalados os restaurantes de sushi. Em 2002, abriu uma casa de sushi em Caxias, e fechou, pois a cultura não estava preparada ainda.  
  • A gente tem restaurantes diversificados, hotéis, só falta dar o salto turístico... 
    Vai ser difícil. Caxias do Sul abandonou ou deixou um pouco de lado o veio turístico. Mas temos muita coisa boa: aeroporto, dois estádios de futebol, faculdades, hospitais, hotéis, restaurantes, a paisagem do interior é deslumbrante.  
  • O poder público não andou junto com o setor privado? 
    Nem o poder privado andou. O próprio poder privado não quis, pois não havia a necessidade. É claro que dos 1970 para hoje o turismo mudou. O turista não vem mais de ônibus, pois se enchia a praça de ônibus. Só os que vêm por meio de alguma agência de Porto Alegre, Gramado, mas não de longe. Acho que Caxias do Sul tem de dar as mãos, temos várias correntes puxando, várias entidades, órgãos públicos querendo fazer turismo. Cada um quer puxar para o seu assado aqui. Bem diferente de Bento Gonçalves. Eu pego municípios pequenos, como Vila Flores, onde bomba aos finais de semana. Veranópolis, Carlos Barbosa, Garibaldi também. Ainda dá tempo para recuperar porque temos uma grande corrente agora. Mas daí a prefeitura tira o estacionamento de frente à Igreja de São Pelegrino (o estacionamento do lado direito da Avenida Rio Branco foi reativado, incluindo três espaços para ônibus de turismo. No entanto, as vagas na Avenida Itália foram suspensas). O turista vai parar onde? O turismo é constituído de idosos, crianças, pessoas com deficiência. Para parar, tem de ser próximo e com a possibilidade de descer na mão certa. O turismo é feito de detalhes. É uma pena para Caxias do Sul. Gosto quando alguém do setor chega no sindicato e diz: “estou precisando disso. Vocês podem me ajudar?”.  
  • Que conselho daria aos empresários iniciantes? 
    A grande lição é: não misture o caixa com o bolso. Procure fazer uma administração certa, séria. Tem gente que compra casa na praia, uma camioneta nova. Um dia eu perguntei a um dono de restaurante: “como estão as coisas?” Pois é, ele disse: “eu pago consórcio, pago mensalidade do filho que está na universidade.” Eu respondi: “não quero saber o que faz com o seu dinheiro. Quero saber como está a área, quanto por cento (de lucro) está tirando.” Ele não sabia. Não sabia calcular, porque o filho vai lá no caixa e pega, assim como a mulher. Todo o dia você precisa reinvestir no negócio. Só vai ganhar dinheiro se você reinvestir de volta ao seu cliente.  
  • O que está previsto de investimentos?  
    Fizemos a casinha para as crianças e o parklet (minipraça). Estamos criando um bicicletário. Recentemente, fizemos um evento e lotou com 140, 150 ciclistas. Vimos essa necessidade. O mundo não é mais redondo, ou não é mais quadrado. Uma vez o talher tinha de estar aqui, o prato ali. O jovem de hoje em dia quer saber onde tem wi-fi.

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