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20 de AGOSTO de 2018

+ entrevista

Olhar carioca sobre Caxias

wendel freire fala dos desafios
à frente do la salle Carmo

Mobirise



SILVANA TOAZZA

silvana.toazza@pioneiro.com

Wendel de Albuquerque Freire, 43 anos, é educador. Já lecionou em cinco instituições de ensino ao mesmo tempo – quatro faculdades e na rede La Salle, presente em 80 países. Coordenou um projeto no jornal O Dia para aproximar escolas municipais de temas importantes, capacitando professores e estudantes. Versátil, resolveu que Niterói (RJ), onde vivia e cruzava diariamente a ponte para trabalhar, não seria a cidade na qual gostaria de ver os três filhos – Eduardo, um ano, Felipe, seis, e Henrique, oito anos – vivendo com segurança daqui a 10 anos.

Em passeios pelo Estado, encantou-se pela cultura do frio, pelo espírito de comunidade nas festas de interior e pela possibilidade de deixar os filhos correrem ao ar livre. Ao visitar uma vinícola no começo do ano, e vê-los brincando por entre os parreirais, não teve dúvidas: Caxias reunia as condições para abrigar a sua família e a sua carreira.

– A gente precisa proporcionar essa vida para eles. Então, eu vi que estava tudo muito certo para a mudança – recorda.

Em contato com a Província, rede lassalista da qual já fazia parte trabalhando no Colégio Abel (Niterói), Wendel recebeu convite para ser o diretor do tradicional colégio La Salle Carmo, um dos mais antigos de Caxias, com 110 anos, e 1.650 alunos.

Desde 6 de fevereiro, responde pela instituição de ensino que perpetua a tradição de Caxias, e concilia os papéis de educador e gestor, uma missão desafiadora pela complexidade do setor de ensino. Casado com a também professora Amanda Pezzino Freire, formado em Letras e com mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Wendel (nome que recebeu em homenagem ao goleiro do Botafogo de 1974, ano de seu nascimento) concedeu entrevista ao Pioneiro.

Diogo Sallaberry

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Caxias deve pensar assim: nenhuma instituição deve ter medo de colocar a azeitona na empada da outra

  • Qual a sua experiência profissional?
    Já fiz um pouco de tudo. Já trabalhei durante nove anos no O Dia, um jornal popular do Rio de Janeiro, como educomunicador (intersecção entre a educação e a comunicação). Participava de um projeto que levava crianças para conhecer museus e a redação. Logo em seguida, integrei o Dia em sala de aula, que era um projeto de educação que envolvia 80 escolas municipais, e a gente capacitava os professores, propunha encontros para que eles discutissem educação. Reuníamos mil professores num dia para uma palestra, uma série de oficinas. Exerci outras funções antes de trabalhar propriamente na educação. Já atuei também em hospital (internação e faturamento), e no comércio, como vendedor. Cada uma dessas atividades contribui para o que você vai ser depois, na profissão que escolher. Eu escolhi ser educador. 
  • Esse projeto atraía a comunidade para o jornal?
    Tínhamos muitos debates no auditório do jornal, com visitas ao nossos espaços, num diálogo entre jornalistas e professores. A gente ia muito às escolas também, inclusive em áreas de risco, mas conseguíamos entrar e fazer um bom trabalho. Fazíamos oficinas, dialogávamos com alunos e professores. Era como se fosse um projeto de educação continuada, que propiciava um gás aos professores do município, e faziam as ideias circularem. Foram nove anos envolvidos nesse projeto, entre o estágio e a coordenação. 
  • Como se deu a opção por Caxias do Sul?
    Sou da capital do Rio de Janeiro. Nos últimos quatro anos, estava morando em Niterói, uma cidade perfeita, com as praias mais bonitas. A configuração estava maravilhosa. Eu tinha até uma horta em casa. Quem vive no Rio, respira fumaça e vive uma vida agitada, de fato. Eu morava num lugar mais tranquilo, a 15 minutos do trabalho, mas também tinha a agitação, porque me deslocava à noite ao centro do Rio para dar aula. Meu cotidiano era bem frenético, como eu gosto. Em determinado momento, pensei: tenho três filhos. Hoje a cidade de Niterói vive alguns problemas, mas a gente circula, e circula bem. Mas daqui a 10 anos eu vou deixar meus filhos circularem pela cidade, irem sozinhos para o shopping, para a escola, para uma festa? E a resposta me deixou bastante preocupado. Então, em maio do ano passado, procurei a Província, que fica em Porto Alegre, me oferecendo para vir para o interior do Rio Grande do Sul porque eu gosto da programação cultural do frio, da cultura do Sul. Gosto de pensar em fazer um diálogo com essa cultura, haja vista meu chimarrão, que eu mesmo preparo. Tive proposta para ir trabalhar em Blumenau (SC), uma cidade bacana, alemã, com excelentes cervejarias, mas preferi esperar porque queria me movimentar pela rede La Salle. Conhecia Gramado, Canela, Bento. Caxias só tinha passado, mas tem um potencial turístico grande que precisa ser explorado.  
  • E surgiu então a proposta?
    Sim, veio essa proposta. Assumiu a direção no dia 6 de fevereiro. O Carmo tem algo semelhante com o Abel (Niterói, onde trabalhou).É um colégio muito respeitado, importante para a cidade. O Carmo possui 110 anos em uma cidade jovem, com 128 anos de emancipação. Caxias do Sul praticamente não sabe o que é viver sem o Carmo. Está muito entrelaçado à sua história. Já foi internato, tivemos cursos técnicos, de contabilidade. 
  • O cargo de diretor estava vago?
    As congregações vêm sofrendo um pouco com a falta de religiosos. Temos 180 irmãos no Brasil, a maioria no Rio Grande do Sul, mas para tocar a obra cada vez mais a rede tem necessitado se abrir para os leigos, que trabalham como associados. Eu tive uma proposta fora da rede, mas eu não quis. Quando você compra realmente a ideia do carisma lassalista, é uma maneira diferente, às vezes sutil, de lidar com o jovem, com a criança, que é muito alegre, muito feliz. E isso faz com que a gente consiga oferecer muito rigor e qualidade acadêmica, como também um ambiente acolhedor. Meus filhos estudam no La Salle Caxias, uma escola irmã.É bom chegar lá e ser só pai deles. Achei importante que nesse momento o Carmo tivesse minha dedicação integral, sem meus filhos aqui.  
  • Que estrutura você encontrou no Carmo?
    Temos 1.650 alunos, que é um tamanho expressivo, atendendo crianças desde a creche, aos três anos, até jovens do terceiro ano do Ensino Médio. Ou seja, dos três anos até 17/18 anos, eles ficam com a gente. Se olharmos nos últimos quatro anos, nos mantivemos sempre crescendo, e sem perder a qualidade acadêmica e a eficácia operacional. 
  • A retração econômica reduziu o número de alunos?
    Nós não diminuímos no tamanho. Estamos num movimento de crescimento na verdade, mas chegamos num número confortável de funcionários, de alunos. A ideia é manter esse número, cuidar da qualidade acadêmica. A gente vive num mundo extremamente complexo. É preciso desenhar muito bem o que se quer para a escola, e manter essa formação humana e cristã, calcada em valores. Precisamos que essas crianças saíam e não apenas sejam engenheiras, advogados e professores, mas que sejam profissionais que atuem de uma maneira ética, humana, acolhedora, carinhosa. Não é com romantismo que eu digo isso, mas a gente vive num mundo em que precisamos fazer a diferença em qualquer que seja a nossa atividade. Por outro lado, é preciso adensar ainda mais essa qualidade. Precisamos fazer um excelente diálogo entre a nossa tradição, a nossa história, com o que há de contemporâneo. Claro que um diálogo bastante responsável porque as transformações do mundo são ligeiras, mas a escola é um lugar de pensar com cautela. A escola tem de ser, em termos de gestão, ágil, mas também precisa ser bastante reflexiva, fazer os movimentos certos.  
  • Pelo fato de a educação ser vista como prioridade pelas famílias e pela crise econômica não ter atingido tanto o público-alvo de vocês, com maior poder aquisitivo, o impacto pode ter sido menor?
    S
    im, acho que é um pouco de cada coisa. Tem um pouco desse perfil de um público em que nem todos sofreram tanto esse impacto. É claro que o nosso público também é diverso. A maioria conseguiu manter os mesmos ganhos, mas temos a sensibilidade para compreender as dificuldades de certas famílias. Embora seja uma escola que vise ao lucro, não é uma escola que vise o lucro pelo lucro. Cada escola lassalista como essa, de elite, alimenta projetos sociais, no Pará, no Maranhão, em Porto Alegre. A manutenção desse número se deve ainda a um aspecto importante do caxiense, que entende que, tendo qualificação o mercado já está complicado, se não houver essa formação sólida, as possibilidades tornam-se ainda mais frágeis.  
  • Houve inadimplência nas matrículas?
    Temos um percentual que não foge ao esperado, algo sob controle. O caxiense se organizou. Os pais estão conscientes de manter os filhos na escola e fizeram opções. É bem possível que tenham cortado certos luxos. 
  • Há expectativa de ampliação no número de alunos?
    Temos capacidade para chegar a 2 mil. Nem estamos almejando isso. Se mantivermos o número aproximado de hoje, melhorando os processos, nossas estruturas, podemos ter ganhos da mesmo forma. 
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  • Como conciliar o papel de educação e gestor? }
    É necessário que o educador se aproprie das ferramentas, vejo duas necessidades: a capacidade de gerir a mudança, um movimento perene, não circunstancial. Nesse contexto, precisamos ver como envolver os professores, como fazer as escolhas, com gestão participativa da mudança, envolvendo o professor ainda no desenho do projeto e não só na implantação.  
  • É um setor complexo?
    Sim, porque precisamos gerir relacionamentos. Um diretor de um colégio não faz a gestão de números tão somente, ele faz gestão de relacionamentos. É importante que saibamos nos relacionar muito bem com as famílias, os professores e alunos, com um ambiente mútuo de respeito. Não podemos ser responsáveis pela felicidade de cada um, mas a gente pode construir um ambiente de trabalho favorável, em que todos gostem de estar. 
  • A concorrência no ensino particular aumentou?
    Não só crescem instituições de ensino como cresce a cidade. Há famílias que esperam uma educação mais voltada às artes, porque os pais tem esse espírito. Às vezes querem uma educação mais militar. Ou um perfil mais tradicional. É interessante dispor de diversas instituições e que elas tenham diferenciais entre si. O Carmo é a um só tempo tradicional e moderno. Temos robótica pré-curricular. Vamos inaugurar, em setembro, um espaço chamado “colaboratório”. Serão duas salas com estação de trabalho, acesso à tecnologia digital, para não só trabalhar robótica, mas programação em mobile, startups, desenvolvimento de jogos, para que alunos dos ensinos fundamental e médio trabalhem com pesquisa, com uma disposição para encontro de ideias. Partam de um problema para uma solução. Hoje, o mercado tem equipes multidisciplinares para resoluções de problemas, com metodologias. Também estamos alinhavando parcerias com instituições como a UCS para diversificar nosso trabalho para desenvolver capacidade. 
  • Como a religiosidade/espiritualidade está presente na escola?
    Eu sou filho de um pastor evangélico. Meu pai é pastor da Igreja Batista. Tenho uma formação cristã e fiquei feliz quando vim trabalhar num colégio católico. O nosso ensino religioso tem profundo respeito a outras religiões. É preciso educar o olhar para o respeito às outras crenças. Porém, existe uma coisa fundamental: a gente pode frequentar a igreja, dizer palavras bonitas, saber orações de cor, mas é necessário viver experiências que nos levem a uma espiritualidade de fato, com a cultura de paz e respeito ao outro, o viver cidadão, o viver em cidadania e harmonia. Isso requer muito mais do que repetir orações. Cada um de nós precisa servir de testemunho responsável pela educação, na forma como falo com o aluno, entro em sala, estou sendo o tempo todo testemunho.  
  • Qual a sua percepção inicial de Caxias do Sul?
    Vejo uma série de valores, aspectos culturais que admiro, que quero para mim e para minha família. Encontrei aqui um lugar excelente para criar os filhos, para viver. Sou desde fevereiro cidadão caxiense. Acho a cidade linda e acolhedora em uma certa medida. Mas, embora tenha grandes industriais, pessoas que circulam o mundo, que vão o tempo todo para São Paulo, Rio de Janeiro, Nova York, Itália, percebo que ainda há muitas fronteiras para o pensamento. O que quero dizer é que a cidade pode ser um pouco mais cosmopolita, no sentido de acompanhar as ideias. Não digo que você vai acompanhar as ideias e aderir a elas. Precisa refletir. Saber se aquilo é bom para cidade ou não. Mas o fato é: você precisa receber essas ideias, esses projetos, olhar o que está acontecendo e ver como Caxias pode se aproveitar disso. É uma cidade com um potencial incrível, com valores importantes para família, para a vida em comunidade, e isso não pode ser perdido nunca. Eu só acho que essa comunidade pode ficar mais densa. Uma comunidade entre famílias, empresas, escolas, poder público, uma parceria ainda maior.  
  • Qual seria o caminho?
    Caxias pode pensar da seguinte forma: nenhuma instituição deve ter medo de colocar a azeitona na empada da outra. Não tem de ter esse receio, pois quem ganha no final das contas é Caxias. Quando existe colaboração, trabalho conjunto, participação, existe um senso de comunidade muito interessante. Já fui em festas em igrejas em que as comunidades se reúnem, celebram algo, e achei extremamente simpático. Achei bonito ver famílias que colaboram, é o sentido presente na origem da colonização italiana. De um ajudar o outro. Carnear o porco e levar para a festa. Acho isso lindo. Esse sentido original pode estar presente na forma como se faz política, na forma como se faz negócios, como se cria projetos envolvendo diversas empresas, instituições, governo. Enfim, gostei muito do que vi até agora. Espero poder colaborar com a cidade na minha atuação aqui numa escola que é grande e reconhecida no ranking do Enem.

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